Prelo e Película
por Sérgio Cortêz
“Os Fantasmas de Scrooge“

Para uns, Natal é sinônimo de altruísmo, fraternidade, amizade e compaixão. Para outros, significa solidão, abandono, tristeza e até mesmo indiferença. Essa é a premissa da animação “Os Fantasmas de Scrooge” (Disney’s A Christmas Carol), fantasia em animação digital com captura de movimentos, dirigida por Robert Zmeckis e lançada pela The Walt Disney Studios em novembro de 2009. Não obstante, sua estreia mundial ocorreu em Londres, de forma a coincidir com o acendimento das tradicionais luzes de Natal da Oxford Street e da Regent Street.
Baseado no romance de Charles Dickens “Uma Canção de Natal”, o filme traz o inconfundível Jim Carrey interpretando Ebenezer Scrooge nas diferentes fases de sua vida – e não apenas o velho avarento: também os três fantasmas que o assombram na noite de Natal, além de mais uma dúzia e meia de personagens menores que aparecem ao longo da animação.

E não foi apenas Jim Carrey a única estrela a dar expressões e movimentos às personagens criados por Charles Dickens: outros artistas também emprestaram seus corpos e feições, realizando tal tarefa com muita competência.
– Gary Oldman, que interpretou Bob Cratchit (o desafortunado funcionário de Scrooge), seu filho caçula, o pequeno Tim, além de Jacob Marley (o finado sócio do empresário pão duro);
– Colin Firth, que deu vida ao entusiasmado sobrinho de Ebenezer Scrooge (por sinal, seu único parente vivo);
– Bob Hoskins, que fez o Sr. Fezziwig (proprietário de uma empresa de armazém onde Scrooge trabalhara quando jovem) e também o Velho Joe (um receptador que compra os pertences de Scrooge de sua antiga empregada, a Sra. Dilber, que lhos rapinara após a morte do patrão);
– Robin Wright, que interpreta Belle (a noiva negligenciada de Scrooge em sua juventude), além de Fan Scrooge (a falecida irmã do empresário).
* Outras Versões Da Obra de Charles Dickens
Não é de hoje que o clássico escrito por Charles Dickens tem ganhado versões nas telonas e telinhas: “Uma Canção de Natal” é uma obra encantadora e, acima de tudo, humana, e por isso cabe-lhe sempre uma releitura. Daí que, a qualquer tempo e a despeito de quaisquer tendências, encontraremos no mundo real diferentes “Scroogs”, “Cratchits”, pequenos “Tins” e “Freds” vivendo por aí e se reconhecendo ao longo da história. Para ilustrar o alcance do romance de Dickens, a coluna Prelo e Película separou algumas das principais versões da obra que foram produzidas ao longo das últimas oito décadas:
– Scrooge (1935)

Uma das versões mais antigas, o filme britânico “Scrooge” foi dirigido por Henry Edwards e lançado em 1935, tendo como protagonista o respeitado ator Sir Seymour Hicks.
– Um Conto de Natal (A Christmas Carol, 1938)

Produzida em 1938 por Edwin L. Marin e pelos estúdios da Metro-Goldwyn-Mayer, trata-se de uma versão que se destaca pela simplicidade de seu argumento e pela excelsa qualidade comumente encontrada nas produções levadas ao público durante a Era Clássica de Hollywood. Destaque para o ator Terry Kilburn, cuja interpretação do pequeno Tim é considerada por muitos como uma das melhores até os dias de hoje.
– Contos de Natal (A Christmas Carol, 1951)

Dirigido por Brian Desmond, “Contos de Natal” é vista por muitos críticos como a melhor adaptação da obra de Charles Dickens. A irretocável interpretação de Ebenezer Scrooge realizada por Alastair Sim se tornou tão popular que fez a imagem do ator vincular-se ao personagem por toda a sua vida.
– O Adorável Avarento (Scrooge, 1970)

Estrelado pelo ator Albert Finney e dirigido por Ronald Neame, essa versão musical da obra de Charles Dickens, ao menos para os críticos mais conservadores, prima por sua cafonice e mau gosto, bem como pela interpretação rocambolesca de Finney como Ebenezer Scrooge. Dessa forma, o filme acaba por extrapolar certos limites, tanto positiva quanto negativamente. Independente da antipatia demonstrada por parte de tais críticos, “O Adorável Avarento” foi indicado ao Oscar nas categorias Melhor Trilha Sonora Adaptada, Melhor Canção (Thank You Very Much), Melhor Figurino e Melhor Direção de Arte – ou seja, a produção pode ter sido mesmo cafona, mas parece que mandou muito bem!
– A Christmas Carol (Animação, 1971)

Desenho animado norte-americano dirigido por Richard Williams, única adaptação do livro de Charles Dickens a ganhar uma estatueta da Academia (Oscar de melhor curta-metragem de animação de 1972). O ator Alastair Sim faz a voz de Ebenezer Scrooge, voltando assim ao papel de maior destaque na sua carreira. As composições visuais da animação são impecáveis, feitas ao estilo das gravuras do século XIX.
– O Conto de Natal do Mickey (Mickey’s Christmas Carol – Animação, 1983)

Dirigido por Burny Mattinson, essa animação da Disney deu fim a quase trinta anos de ausência do simpático Mickey Mouse em desenhos produzidos pelo estúdio. Verdadeira celebração aos conhecidos valores externados pela companhia, a animação se mostra bastante fiel ao texto de Dickens, apresentando – de maneira muito apropriada – Tio Patinhas como Ebenezer Patinhas, o fleumático Pateta como o fantasma do Jacob Marley, o Grilo Falante como Fantasma do Natal Passado, Pato Donald como o sobrinho Fred, e assim por diante. Agradável e divertido, é o tipo de desenho animado que deixa o espectador querendo mais.
– Um Conto de Natal (A Christmas Carol, 1984)

Dirigido por Clive Donner, essa produção britânico-norte-americana traz no papel de Scrooge o cultuado ator George C. Scott e é considerada uma das mais fieis adaptações do livro de Charles Dickens. Apesar das evidentes limitações técnicas (o filme foi feito para a TV), estas não chegam a comprometer a qualidade da película, que replica muito bem a mensagem de otimismo e resiliência presente no livro de Dickens.
– O Conto de Natal dos Muppets (The Muppet Christmas Carol, 1992)

Dirigido por Brian Henson e contando com nada menos do que Michael Caine no papel de Ebenezer Scrooge, “O Conto de Natal dos Muppets” é uma das mais divertidas adaptações do livro de Charles Dickens. Isso porque seu roteiro pôde contar com alguns importantes aditivos: o bom humor dos Muppets, as belas canções assinadas por Paul Williams e a jocosa narração das marionetes. Apesar de ter somado uma bilheteria aquém da esperada, o filme recebeu críticas marcadamente positivas, incluindo elogios aos efeitos especiais da produção.
– A Christmas Carol: The Musical (2004)

Dirigido por Arthur Allan Seidelman e estrelado pelo ator Kelsey Grammer (da bem-sucedida série Frasier) como Scrooge, o principal destaque dessa adaptação musical é a trilha sonora assinada por Alan Menken, que brinda o espectador com belas composições de sonoridade natalina.
* Uma História Com Incontáveis Referências
Além dessas e de outras versões, são incontáveis as referências à “Uma Canção de Natal” espalhadas entre animações, seriados de Tv e produções de toda sorte.
Exemplo disso é o filme “Os Fantasmas Contra-Atacam” (1988): dirigido por Richard Donner, o filme foi um grande sucesso de bilheteria e apresenta Bill Murray protagonizando Frank Cross, um executivo de televisão que pouco se importa com o espírito natalino (qualquer semelhança com Ebenezer Scrooge não será mera coincidência).

Outra produção que traz uma importante referência é a animação “Shrek” (2001). Em sua parte final, quando as personagens estão a cantar, o biscoito de gengibre diz em voz alta: “Deus abençoe a todos”. Já no filme “O Expresso Polar” (2004), o herói – um garoto que não acredita em Natal – ao passar por um vagão repleto de fantoches e bonecos, depara-se com uma marionete que afirma ser Ebenezer Scrooge e o chama de cético.

Já na adaptação “Barbie Em A Canção de Natal” (2008), encontramos o que pode ser considerada uma versão feminina do livro de Charles Dickens. A animação estrelada pela icônica boneca conta a história de Eden Starling, cantora famosa e egoísta que nutre verdadeiro ódio pelo Natal. As personagens reproduzem as mesmas criadas por Dickens: Eden Starling equivale ao avarento Ebenezer Scrooge, Catherine Britto faz alusão a Bob Cratchit, enquanto Marie representa Jacob Marley.

Entre os desenhos animados, podemos destacar o episódio “Os Parentes”, de O Pica-Pau, no qual o pássaro peralta decide visitar o tio pão duro que, por sinal, se chama Scrooge; Os Smurfs e o seu “Conto de Natal”, uma azulada adaptação do livro; Os Flintstones, que também tiveram o seu “A Christmas Carol” no qual Fred Flintstone tornou-se Ebenezer Scrooge e Barney Rubble o seu empregado, Bob Cratchit; e por fim, uma versão dos Looney Tunes em que Patolino é dono de uma empresa que odeia a época natalina – e muitas, muitas outras referências ao clássico de Charles Dickens, quase infindáveis.
* O Livro
Escrito por Charles Dickens e publicado pela primeira vez em 1843, “Uma Canção de Natal” tornou-se um grande sucesso de vendas em sua época. No Brasil, a obra já passou por diferentes traduções, recebendo títulos como “Um Conto de Natal”, “Um Cântico de Natal” e “Uma História de Natal”.

Munido de uma bela inspiração (e também da necessidade de fazer rapidamente algum dinheiro), Charles Dickens escreveu o romance em menos de um mês – sem imaginar que diante de si estava aquele que tornar-se-ia um dos maiores clássicos natalinos de todos os tempos, cuja história reverbera muito bem até os dias de hoje. Enriquecido pelas ilustrações de John Leech, a obra obteve sucesso instantâneo, chegando a vender mais de seis mil cópias em uma semana – algo respeitável diante de padrões do século XIX.
O fato é que todo o sucesso alcançado por “Uma Canção de Natal” fez com que o livro alcançasse o seu objetivo inicial: trazer de volta o espírito natalino, buscando espalhar a fraternidade, a comunhão e a partilha pelos mais diversos lugares. Ao ser levado pelos três fantasmas do Natal e transformar sua postura em relação à vida e ao mundo ao seu redor, Ebenezer Scrooge apresenta ao leitor uma importante lição: nunca é tarde para mudar, para tornar-se uma pessoa melhor e assim recomeçar. “Uma Canção de Natal” é um livro que pode ser relido em diferentes fases da vida, a despeito de religiosidade ou classe social.
* O Autor

Charles John Huffam Dickens nasceu em Landport, Inglaterra, no dia 07 de fevereiro de 1812 e faleceu em Higham a 09 de junho de 1870. É considerado o mais popular entre os romancistas ingleses da Era Vitoriana. Um fato curioso é que o interesse por seus romances e contos sempre se mostrou crescente, tanto durante a sua vida como após a sua morte.
Outro fato importante a respeito da literatura produzida por Charles Dickens é a forma como contribuiu para a introdução da crítica social na literatura ficcional inglesa. Além de “Uma Canção de Natal”, “David Copperfield”, “Grandes Esperanças” e “Oliver Twist” foram outros de seus trabalhos consagrados por crítica e público.
Uma boa dica para inteirar-se melhor sobre o contexto no qual “Uma Canção de Natal” foi concebido é assistir ao filme “O Homem Que inventou o natal” (2017). Dirigido por Bharat Nalluri e estrelado por Dan Stevens, a película nos apresenta o romancista durante seu momento de “bloqueio criativo”, ocasião em que precisava de dinheiro com urgência e, mesmo pressionado pelas circunstâncias, consegue escrever seu clássico natalino, desenvolvendo as personagens que, dali para frente, exerceriam grande influência no conceito de Natal.

Dicas da Coluna – Onde Encontrar:
– Livro “Uma Canção de Natal” – onde comprar:
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