Por Adilson Carvalho

Análises fílmicas são sempre muito pessoais, e em alguns casos vejo o encanto renovado em múltiplas reprises. Nesse aniversário de 1 ano do site, gostaria de compartilhar com todos meu amor incondicional por esta película clássica, que hoje ostenta o primeiro lugar entre os 25 maiores musicais da história do cinema pelo AFI, mas que passou despercebida em seu lançamento nas telas há 70 anos. A sua produção foi encomendada pela MGM aos roteiristas Betty Comden e Adolph Green, com o objetivo de aproveitar o acervo de canções do estúdio, escritas por Arthur Freed (1894 – 1973) e Nacio Herb Brown (1896 – 1964), já utilizadas em outros filmes do estúdio, como “Hollywood Revue” (1929) a primeira vez em que a canção “Singin’ in the rain” foi usada. Assim sendo surpreendente que a consagrada produção de Stanley Donen e Gene Kelly somente tenha uma música inédita: “Moses Supposes“, escrita pelos roteiristas do filme. Estes costuraram a narrativa com todas essas fantásticas canções representando a transição do cinema mudo para o cinema falado na segunda metade dos anos 20.

Na história a fictícia Monumental Pictures está prestes a lançar The Dueling Cavalier, veículo para os astros Don Lockwood (Gene Kelly) e Lina Lamont (Jean Hagen) quando surge a tecnologia de sincronismo de imagem e som. Para não se vê tendo nas mãos um desastre de bilheteria, sabendo que todos os estúdios concorrentes estão investindo nessa nova tecnologia, a Monumental Pictures decide transformar sua nova produção em um musical. Porém, a estrela Lina Lamont (Hagen) tem uma voz horrível seja para falar um diálogo ou para cantar. Em pouco tempo, Cosmo Brown (Donald O’Connor) tem a ideia de inserir números musicais com Lina sendo dublada pela desconhecida Kathy Selden (Debbie Reynolds) por quem Don (Kelly) se apaixona, irritando Lina (Hagen).

As gravações de Cantando na Chuva foram feitas no estúdio da Metro, sendo a segunda das três colaborações dos talentosos Stanley Donen (1924 – 2019) e Gene Kelly (1912 – 1996). Apesar do resultado espetacular dos filmes que fizeram juntos, Donen e Kelly alimentavam uma série de desentendimentos. Debbie Reynolds (1932-2016), então com 19 anos, e Donald O’Connor (1925-2003) relataram das dificuldades em lidar com o perfeccionismo de Gene Kelly, responsável pelas belíssimas e trabalhosas coreografias. No caso da fabulosa “Make’em laugh“, plagiada de “Be a clown” de Cole Porter, Donald O’Connor precisou ficar três dias afastado depois de concluir o número mas em seu retorno ao estúdio precisou fazer de novo pois ninguém havia averiguado o foco da lente que não estava ajustado, desperdiçando assim toda a filmagem inicial. Já tivemos uma versão brasileira dessa canção no antigo programa do Bozo no SBT que encerrava cantando “Sempre rir“. Segundo algumas fontes, Kelly agia como um tirano gritando e esbravejando a cada erro de cena. Só o final da sequência de “Good morning” com Don (Kelly), Kathy (Reynolds) e Cosmo (O’Connor) caindo no sofá foi feita 40 vezes. Em contraponto, a clássica cena da chuva foi uma prova da genialidade desse fantástico dançarino e coreografo. Gene estava com 39 de febre quando filmou, em tomada única, a cena feita com água misturada com leite, pois a água somente não era captada pelas câmeras.
Hoje é irresistível para mim assistir ao filme, suas canções e danças ainda se mostram contagiantes, um exercício criativo de metalinguagem cinematográfica com uma mistura equilibrada de humor, romance e apuro histórico. De fato houveram muitas Lina Lamonts, artistas que perderam o estrelato por suas vozes não serem condizentes com o cinema falado, sendo o mais mencionado até hoje o caso do ator John Gilbert (1897-1936) que foi parceiro de cena de Greta Garbo (1905-1990). O sincronismo de som e imagem não foi alcançado instantaneamente mas gradativamente a cada erro e tropeço, evoluindo para que os diálogos deixassem os maneirismos exagerados do cinema mudo. Inesquecível a cena da exibição teste de The Dueling Cavalier com Lina dizendo “Não Não Não”, enquanto seu parceiro de cena diz “Sim sim sim” com a voz de Lina. Hilário !!!! A dublagem praticamente é inventada com a sugestão de Cosmo Brown (O’Connor), que leva Kathy (Reynolds) a usar sua voz no lugar de Lina (Hagen). O musical “Broadway melody” é outro triunfo reunindo Gene Kelly (1912-1996) e Cyd Charisse (1922-2008), atriz e bailarina dona do mais belo par de pernas do cinema. Lamentavelmente o filme foi desprezado pela academia, tendo sido apenas indicado aos prêmios de melhor score musical e melhor atriz coadjuvante para Jean Hagen (1923-1977). A história, no entanto, lhe fez justiça, e hoje não dá para negar seu valor histórico. Confesso, sempre tenho vontade de sair por aí na chuva cantando a alegria de viver e amar, repetindo a cena genIAL de Don Lockwood. Quem pode me censurar? Gotta dance !!!!!!!!!!