ENCANTADAS & DESENCANTADAS AS PRINCESAS DISNEY

Por Adilson Carvalho

Natural que a Disney aproveitasse a retomada dos grandes sucessos do estúdio em sequências pedidas pelos fãs como foi o vem sucedido Abracadabra 2, e que foi seguido desta há muito tempo esperada continuação de Encantada, que misturou animação e live-action, em 2007, onde personagens dos contos de fadas são transportados para o mundo real. A Princesa Gisele (Amy Addams), banida de seu mundo de faz-de-conta pela cruel Rainha Narissa (Susan Sarandon), sofre com o choque entre a fantasia e a realidade num roteiro bem temperado com humor na medida certa, e números musicais deliciosos como a contagiante That’s How You Know, cantada ao ar livre. Várias passagens no filme fazem referência aos clássicos do estúdio : a maça envenenada, a vilã transformada em dragão no desfecho do filme etc. Vistos sob a luz da atualidade, o papel das princesas nos desenhos vem sofrendo várias modificações ao longo das últimas duas décadas. De indefesas presas para os planos maquiavélicos de bruxas e vilões,  as princesas agora aparecem mais em sintonia com uma figura feminina mais atuante, capaz de segurar a ação em cena, e em vez de salvas, elas salvam o herói. Basta ver o sucesso da série “Shrek”( da Dreamworks) para conferir como a Princesa Fiona, muitas vezes, assume papel mais ativo na ação. Nada comparável à Branca de Neve do clássico Disney de 1937. As princesas modernas trocam o esfregão pela lança ou espada e são mais capazes de se defender sozinhas assumindo um papel mais agressivo. Em tempos mais modernos, certamente, Branca de Neve não esperaria a chegada de seu príncipe tão passivamente, nem Cinderela fugiria do baile deixando seu sapatinho de cristal.

As três princesas clássicas da Disney (Branca de Neve em 1937, Cinderela em 1950 e A Bela Adormecida em 1959) traziam a pureza virginal típica dos contos de fadas. Mesmo nos anos 90, Ariel (de A Pequena Sereia)  e Bela (de A Bela & A Fera) mostravam mais personalidade para lidar com as provações impostas por bruxas e vilões, mas sem perder aquele ar inocente . A elas, se juntaram Jasmine (de Aladim) e Pocahontas – respectivamente em 1992 e 1995 – que traziam mais disposição para acompanhar as aventuras de seus pares, respectivamente Aladim e John Smith, mas ainda eram presas aos estereótipos que representam. Em 1999, depois do sucesso do espetáculo infantil “Disney on Ice”, Andy Mooney assumiu a divisão Disney Consumer Products, cujas vendas estavam declinando. Mooney criou a linha “Princesas Disney” acrescentando Bela, Jasmine e Ariel às heroínas originais e fazendo uma franquia de sucesso que fez a Disney enriquecer ainda mais seus cofres : De US$ 300 milhões em 2001 para US$ 3 bilhões em 2006.

Halle Bailey – a nova Ariel

Em 2004, depois de Nem que a vaca Tussa, a Disney havia anunciado o fim das animações tradicionais da empresa, mas a decisão foi repensada depois da compra da Pixar pela Disney em 2006. Três anos depois, a Disney surpreendeu muitos com o lançamento de A Princesa & O Sapo. A princípio, o desenho se chamaria The Frog Princess, mas passou a The Princess & The Frog, quando a Disney temeu ver Tiana, sua primeira princesa negra associada a um animal feio e repulsivo, o que certamente despertaria críticas da comunidade afro-americana. A história chegou a receber críticas pelo modo estereotipado com o qual retrata os descendentes franceses de Nova Orleans. A personagem principal chegou a ter seu nome modificado para Tiana quando acharam que Maddy (o nome originalmente planejado)  lembrava muito Mammy, modo como as escravas negras eram chamados no sul dos Estados Unidos. O desenho foi um relativo sucesso e mostra Tiana como uma princesa ativa na ação, salvando muitas vezes o mocinho, o príncipe Naveen (dublado em inglês pelo brasileiro Bruno Campos), quando este está em apuros. O mundo de hoje abraça a diversidade e as princesas Disney não estão de fora, com a chegada de uma nova versão de Ariel, a pequena sereia vivida por Halle Bailey em versão live action.

O desenho recebeu indicação para o Oscar de melhor animação de 2010 e melhor música original a cargo de Randy Newman, o mesmo compositor que assinou Toy Story e Monstros S.A. Em 2010, em meio a tantos avanços na animação computadorizada e no crescente e competitivo mercado disputado pela Pixar-Disney e a Dreamworks, a casa de Mickey Mouse voltou ao formato de 2D com Enrolados. A história, uma adaptação do conto de Rapunzel, mostra uma heroína que na hora da encrenca sabe se defender fazendo de sua frigideira uma arma mais eficiente que a espada. Curiosamente, o desenho levaria o nome da heroína, mas com receio de afastar os meninos, decidiu-se por Tangled com destaque para a figura do ladrão Flynn Rider, com quem os meninos poderiam se identificar. O sucesso fez Enrolados receber indicações para o Globo de Ouro e outros prêmios e deixou pelo menos uma imagem indelével na memória: a sequência das lanternas com Flynn Rider e Rapunzel cantando I see the light, belíssima.

A princesa Merida de Valente (Brave) pertence a uma estirpe diferente de heroína, inspirada em uma lenda celta (conjunto de tribos que habitou o oeste da Europa em tempos antes de Cristo, em região hoje ocupada pelo Reino Unido). Sua rebeldia se torna visível em seu visual de cabelos encaracolados emoldurando sua figura guerreira, típica de sua origem. As mulheres na sociedade céltica tinham grande importância, jamais abaixo do homem. O misticismo era uma característica forte em sua cultura, enriquecendo ainda mais o espírito de aventura que cerca essas lendas. Merida é a primeira princesa da Pixar, que se junta a um universo de heroínas que conta com os clássicos baseados nos contos dos Irmãos Grimm e eternizados nas animações dos estúdios Disney. O filme conquistou tanto crianças quanto seus pais que buscam na magia dessas histórias um algo a mais que a vida real não oferece, e quem sabe acreditar que há um “ felizes para sempre”, mesmo que,  conforme já disse a canção de Renato Russo, venhamos a descobrir que o pra sempre, sempre acaba.

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