CLÁSSICO REVISITADO: JORNADA NAS ESTRELAS 2 A IRA DE KHAN – 40 ANOS

Por Adilson Carvalho

Três anos depois que a tripulação original da Enterprise se reuniu para enfrentar a ameaça de V’Ger, a Paramount decidiu dar sequência ainda que as dúvidas fossem muitas. O primeiro filme teve um orçamento alto demais e os lucros estavam longe do esperado levando-se em conta os gastos feitos anteriormente com o cancelado projeto “Star Trek Phase II”. Além disso os bastidores haviam sido atribulados com constantes desentendimentos com Gene Roddenberry (1921-1991)e a as duras críticas feitas ao filme por seu tom solene demais e premissa não só pretensiosa  como filosófica demais. Mudanças precisavam ser feitas e foram. O orçamento ficou restrito a apenas US$ 11 milhões e Gene Roddenberry foi removido de sua posição de produtor executivo, ficando como consultor criativo, o que na prática significou que todas as decisões seriam tomadas ignorando Roddenberry. A posição de produtor ficou com Harve Bennet, vindo da Tv onde realizou “O Homem de Seis Milhões de Dólares” e “A Mulher Biônica”. Bennet, que nunca havia visto a série original assistiu a todos os 79 episódios a procura de um ponto de partida para um roteiro que trouxesse de volta todo o esplendor de Jornada nas Estrelas. O episodio escolhido era “Semente do Espaço” (Space Seed) que trazia o antagonista perfeito para os heróis, o super humano engendrado geneticamente Khan Noonian Sing, interpretado por Ricardo Montalban (1920-2009). Khan havia sido exilado em um planeta inóspito ao final de Semente do Espaço e teria todos os motivos para odiar Kirk e buscar sua vingança. O roteiro era apenas uma colcha de retalhos que incluía a morte de Spock, condição que trouxe Leonard Nimoy (1931-2015) de volta depois de declarar que não queria voltar ao personagem. Foi quando chegou Nicholas Meyer, diretor e roteirista que se encarregou de enxugar as diversas ideias e driblar as interferências de Gene Roddenberry, que não concordava com nada.

A NECESSIDADE DE MUITOS SE SOBREPOE À NECESSIDADE DE POUCOS OU DE UM.

Segundo o livro “Memorias de Star Trek – Os Filmes” de William Shatner , Roddenberry repudiava a abordagem militarista da Frota Estelar, ainda que Nicholas Meyer concordasse em retratar esta como uma Marinha futurista evocando o personagem Horatio Hornblower da literatura de C.S.Forrester. Ainda segundo o livro teria sido Roddeberry a deixar vazar a noticia da morte de Spock irritando os fãs que se mobilizavam contra o filme. Inicialmente a cena da morte ocorreria no inicio do filme assim como em “Psicose” (1960). Meyer conseguiu ludibriar a todos mostrando a morte de Spock na sequência de abertura como parte do simulador Kobayashi Maru. Ao final do filme o sacrifício de Spock ganharia dramaticidade inesperada e tocante com William Shatner e Leonard Nimoy separados por uma parede de vidro e encarando a mortalidade indesejada, totalmente em sintonia com o roteiro desenvolvido para que lendas encarassem o envelhecimento e o fim de tudo que é mais caro.

NOS BASTIDORES RICARDO MOLTANBAN É CONFRONTADO COM O ROBÔ TATOO, PIADINHA COM O SERIADO “A ILHA DA FANTASIA” ESTRELADO PELO ATOR NA ÉPOCA.

Foi esse o tom assumido pelo roteiro, incorporar o envelhecimento dos personagens e confrontá-los com a brevidade da vida. Kirk seria nesse sentido o foco de tudo, além de travar com Khan um acirrado jogo de gato e rato que remete inclusive ao episodio “Equilibrio de Poder” (Balance of Power) da série clássica. Embora Khan e Kirk não tenham um embate físico (a principio haveria, mas as limitações de orçamento a removeu do roteiro), sua luta é envolvente e enervante causando danos extremos à Enterprise e sua tripulação. As falas de Khan remetem à Moby Dick seja através do paralelo Ahab / Khan ou das falas do vilão ao final que parafraseam a obra de Herman Melville. A personagem da tenente Saavik ficou com a estreante Kirstie Alley cuja personagem foi imaginada como uma substituta para Spock, e a princípio previa-se que ela se envolveria com David, interpretado por Merrit Butrick (1959-1989), o filho de Kirk cuja presença reinforça o sentimento do personagem diante da passagem de tempo. O resultado foi extremamente satisfatorio, superando o primeiro filme e conquistando tanto crítica quanto público, sendo o filme mais rentavel da franquia até seu reboot por J.J.Abbrams em 2008. Este reimaginou “A Ira de Khan” quando fez “Star Trek Alem da Escuridão” (Star Trek Into Darkness) em  2010 com Benedict Cumberbatch repetindo o papel feito magistralmente por Ricardo Montalban. Certamente que tanto sucesso asseguraria a continuidade da franquia e a certeza de que o espaço continuaria sendo a fronteira final.

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