Por Adilson Carvalho

A primeira vez que eu entrei em um cinema na minha vida foi no saudoso Cine – Paz, em minha cidade natal, Duque de Caxias. A sala de exibição, que ficava na Praça do Pacificador, onde hoje existe uma mega loja C&A, trazia em cartaz o filme “O Trapalhão nas Minas do Rei Salomão”. Era o ano de 1977 e minha mãe não tinha a mínima noção do amor que acenderia quando as luzes se apagaram e o filme começou, amor pela sétima arte, coroado por uma sala pertencente ao grupo Luis Severiano Ribeiro, que em julho próximo completará 105 anos, momento histórico em um país de memória tida como curta.

Nascido em Julho de 1917, durante o governo do Presidente Venceslau Brás, ainda durante a Primeira Guerra Mundial. A primeira sala foi aberta em Fortaleza e se chamava “Cine-Theatro Majestic Palace”. O cinema mudo ainda era o padrão e assim continuaria por mais dez anos. Embora um incêndio nos anos 60 tenha destruído o prédio, este fez parte indiscutível da história da cultura deste país. A iniciativa deste cearense nascido em 3 de junho de 1886 foi comprar outras salas e espalhar-se por outras cidades, chegando ao Rio de Janeiro em 1926, época em que se associou à Metro Goldwyn Mayer, abrindo em seguida o Cine Odeon, único sobrevivente dos cinemas de rua no centro do Rio. Próximo, o grupo fez do Cine Palácio a primeira sala a exibir um filme sonoro. Em 1933, Severiano Ribeiro, junto a outros exibidores cariocas, funda o Sindicato Cinematográfico dos Exibidores e é eleito presidente. Em 1937, é inaugurado o cinema São Luiz, com arquitetura inspirada no Radio City Music Hall e capacidade para 1.880 espectadores. Em 1959, sob a direção de Carlos Manga, a Atlântida apresentou “O Homem do Sputnik”, que levou aos cinemas mais de 15 milhões de espectadores. É fechada então a parceria com a Fox, com a criação da FOX Severiano Ribeiro, em que a distribuidora americana associava-se a Severiano Ribeiro por meio da propriedade de dois cinemas: Palácio, no Rio de Janeiro e Marrocos, em São Paulo.

Em 1974, morreu Luiz Severiano Ribeiro, patriarca da família, empreendedor e fundador do Grupo Severiano Ribeiro. Coube a Ribeiro Júnior continuar à frente da empresa, levando o grupo distribuidor a um novo patamar empresarial e familiar, atravessando períodos de crise econômica, mas sempre oferecendo a diversão que em uma época anterior ao advento do home vídeo e do streaming movimentava bilheterias milionárias. Ainda nos anos 80, a empresa tornou-se parceira da Paris Filmes e abriu seu primeiro Multiplex em Brasília, o Park Shopping, com oito salas. Em 1991, Luiz Severiano Ribeiro Jr morreu mas seu trabalho gerou frutos solidificando ainda mais a empresa que virou tradição como distribuidor e exibidor, sobrevivendo a diversas intempéries : a televisão, o home-video, a internet e a pandemia. Vivi essa época em que a entrada das salas era um preço extremamente popular, os filmes eram exibidos em projetores de 35mm, a pipoca era barata e pagávamos muitas vezes para assistir a uma sessão dupla, entrávamos ao final de uma sessão e ficávamos dentro da sala esperando a sessão seguinte. Assim assisti filmes como “A Hora do Espanto”, “Uma Cilada Para Roger Rabbit”, “O Exterminador do Futuro”, “Robocop”, “Aliens o Resgate”. Foi nos cinemas da rede Luiz Severiano Ribeiro que ri com Didi, Dedé, Mussum e Zacarias, aprendi o que significava a Força Jedi e descobri que um homem podia de fato voar.

Com a chegada da exibição digital, o grupo reduziu o número de salas e trocou o nome para Kinoplex em 2002, ainda permanecendo com um vasto espaço em um circuito de exibição disputado com marcas como Cinemark e Cinesystem, desprovido dos antigos cinemas de rua substituídos pelas atuais salas de shopping onde muitas vezes o preço da pipoca é tão caro ou mais caro que o valor da entrada. Atualmente presidido por Luis Severiano Neto, a rede conta com cerca de 260 salas em 19 cidades e ainda uma parceria com a rede UCI, oferecendo uma infra-estrutura que inclui a tecnologia 3D. Depois de um tempo em que o Odeon foi administrado pelo grupo Estação Botafogo, este sobrevivente dos velhos tempos voltou para as mãos do grupo, que é o maior exibidor nacional, rebatizando-o de “Centro Cultural Luiz Severiano Ribeiro”. Só no Rio de Janeiro o grupo conta com pontos estratégicos como o cinema do Shopping Rio Sul, Madureira, Nova Iguaçu e Norte Shopping. Em 2007, o fundador da rede ganhou uma biografia entitulada “O Rei do Cinema, a extraordinária história de Luiz Severiano Ribeiro”, publicada pela Editora Record. Em entrevista recente concedida ao jornal O Globo, Luiz Severiano Ribeiro Neto alegou não se preocupar com o sucesso de serviços de streaming como a Netflix. Revelou então “o maior concorrente do streaming é a TV aberta. É ela quem tem que se cuidar. Eu só preciso ficar atento.” Sem dúvida uma tradição de arte cinematográfica impecável. Parte de nossa história, ostentando a propaganda que dizia “Cinema é a maior diversão”.