Prelo e Película

por Sérgio Cortêz

Aqueles Filmes Maravilhosos e Algumas Obras Por Eles Inspiradas

É muito comum que uma forma de arte sirva como fonte de inspiração para outra obra completamente diferente ou cujo formato sequer existia na época em que a primeira foi concebida. Não esqueçamos as peças teatrais de William Shakespeare – verdadeiros clássicos da literatura inglesa como “Hamlet” ou “Macbeth”, que resultaram em memoráveis películas séculos depois, a partir do advento da indústria cinematográfica. Outro bom exemplo é a tragédia “Romeu e Julieta”, que levou lágrimas e lucros às salas de cinema espalhadas mundo afora na impecável versão do diretor Franco Zeffirelli, mas não sem antes tornar-se um dos mais cultuados espetáculos de ballet, encenado continuamente por diferentes companhias.

Posto isso, apresento ao visitante do Cinema Com Poesia alguns dos trabalhos que escrevi ao longo dos anos inspirados em filmes que, de alguma maneira, me tocaram, e que assim se transformaram em crônicas e poesias.

O Cântico Dos Jesuítas

E veio a maré cheia

Trazendo a ameaça pelo Atlântico.

Não as espadas ou as chibatas,

A ameaça: o desejo insaciável do ensino,

Não do que Jesus disse,

Mas das suas orações que a Igreja mudou.

.

E veio o índio ainda puro e vivaz

Trazendo ouro e outros pedaços da ambição

E os genocidas do oceano sanaram a dívida

Trazendo a fome, a peste, a febre e a morte.

Em nome de Jesus eles trouxeram

Com as orações que Ele ensinou.

.

E veio o Jesuíta com sua flauta doce

Salgar o que era puro em missa pós-caduquismo

E veio ensinar ao índio o Pai-Nosso

Trazendo o veneno do esquecimento.

Não do que disse Jesus,

Mas pelo que ele nos entregou.

.

E o índio perdeu sua origem,

Sua cultura e sua livre persona.

E cantou e morreu e mais nada sobrou:

Índio rezando frente a um crucifixo,

Não no qual Jesus foi pendurado,

Mas naquele em que o índio se pendurou…

.

(Inspirado no Filme “A Missão”, lançado em 1986 e dirigido por Roland Joffé)

*****

Mau Defunto

Pois era homem sem razão e sem escrúpulos,

sem emoção – menos ainda coração.

Bandido, de tão mau era dos bons.

Trazia um rastro de sangue em suas botas

e a soma de inúmeras mortes

saindo pelo “ladrão”.

.

Pois era homem que, ao morrer, não ganhou pranto,

que tinha fama de demônio, não de santo,

desmerecendo extrema-unção e carpideiras.

Sem céu ou chão, ficou no limbo do Eterno,

pois de tão mau,

não foi aceito no inferno.

.

(Inspirado na personagem Bill Munny, interpretado por Clint Eastwood no filme “Os Imperdoáveis”, lançado 1991 e dirigido pelo próprio Eastwood)

*****

O Futuro

…e que os dias se levantem,

que despertem ao nosso lado,

tão agrestes quanto os olhos

meio inchados – mal se aguentam.

Mais um dia que começa

dentre tantos, tantos outros…

(…)

E aprender sobre este mundo

e outros mundos, onde estejam,

é mudar o nosso mundo

e expandir nosso universo

para o qual não há limites

se há vontade de aprender.

.

…e que os dias a viver

quantos forem necessários,

façam do futuro incerto

a certeza que o saber

não se constitui de notas,

mas do amor com o qual se aprende.

.

(Inspirado no Filme “Sociedade Dos Poetas Mortos”, lançado em 1990 e dirigido por Peter Weir)

*****

O Baile Dos Espíritos

Figuras fantasmagóricas

transitam pelo salão:

pessoas mortas que dançam,

celebrando uma existência

que não têm.

.

Almas desgarradas

apenadas e sem sorte,

condenaram-se à sentença

de dançar até a morte…

.

(Inspirado no Filme “O Iluminado”, lançado em 1980 e dirigido por Stanley Kubrick)

*****

Johnny Mnemonic

Ele acordou, olhou para a janela e não quis se levantar. O galo mal havia dado o toque de alvorada e ele pensou em mais um dia de trabalho, no qual teria o prazer de ver nascer o sol, apertado dentro de um coletivo lotado. Calçou o chinelo, escovou os dentes, tomou café, deu um beijo na mulher gorducha, acendeu um cigarro e se foi.

Dentro do ônibus pagou a passagem, pegou o troco e chegou-se aos amigos. A mesma conversa, os mesmos comentários e um cara esquisito que ele achou otário por dar o lugar a uma mulher suspeita, pois dizia estar passando mal – e que, por “milagre”, sentia-se bem dez minutos depois.

Chegou ao trabalho: o relógio de ponto, o banheiro imundo, as mesmas máquinas barulhentas e rabugentas. As mesmas atividades que sempre fazia mecanicamente, sem ter que usar a mente para coisas complicadas – exceto pensar nos filhos, razão pela qual se encontrava ali, trabalhando como louco.

Na volta para casa (…) passou na birosca, tomou um bom gole, brincou com a “piranha” atrás de seus homens, depois foi para casa sentindo uma angústia que não compreendia. Talvez a labuta o estivesse matando, talvez fossem os anos que iam passando e ele não via. Era só uma agonia, não deu importância por que era homem e nada temia.

Chegou em casa, abraçou os filhos, beijou a mulher, banhou-se e jantou. Os mesmos movimentos que fazia todos os dias. As mesmas coisas, quase repetidas, poucas variáveis no cotidiano. Decidiu pensar ao invés de ter pensamentos, como sempre fazia. Sentia que o próximo dia seria tão igual quanto todos os dias. E teve então uma veloz conclusão: era essa a razão de sua agonia.

 Ao ver um anúncio na televisão que apresentava um novo filme em cartaz e entender que o roteiro tratava das aventuras de um ciborgue do futuro (informática e outros lances que ele não entendia bem), o velho homem cansado concluiu que não havia grande diferença entre o futuro e o passado. Os movimentos ritmados, a letargia voraz, tudo capaz de fazer a todos o que o filme impunha a seu protagonista: robôs humanizados, simples figurantes na rotina da vida.

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Publicado no Jornal o Gazetão, 1995, Coluna Sociedade Crônica

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(Inspirado no Filme “Johnny Mnemonic”, lançado em 1995 e dirigido por Robert Longo)

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Dicas Coluna – Onde Encontrar:

Para adquirir alguns dos DVDs de filmes que inspiraram as obras do artigo, acesse os seguintes links:

Sociedade Dos Poetas Mortos: https://compre.vc/v2/14941b9ac8d

O Iluminado: https://compre.vc/v2/1493530ea5a

Johnny Mnemonic: https://compre.vc/v2/149f2985b12

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