Por Adilson Carvalho

Prosseguindo em nossa viagem pelos anos de criação do universo Marvel no centenário de Stan Lee, vamos abordar dois extremos da criatividade predestinada desse excelsior escritor: a magia mitológica do poderoso Thor e a tecnologia avançada do Homem de Ferro. Era meados de 1962 e Stan Lee pensava em um personagem que tivesse poderes divinos, mas que não fosse ofensivo para a religião de ninguém. Atraído pela mitologia nórdica, Stan Lee enviou um parágrafo para seu irmão Larry Lieber e Jack Kirby desenvolverem. Surgiu assim a figura do Dr. Donald Blake, um médico e deficiente físico que em viagem pela Noruega encontra um cajado em uma caverna, que quando batido contra o chão o transforma no lendário Thor, Deus do Trovão, bem como o cajado se reconfigura na forma de Mjolnir – o martelo encantado. Com o desenrolar das histórias, definiu-se que o bom doutor Blake era uma forma humana criada por Odin, o senhor dos deuses asgardianos, para ensinar humildade ao seu filho cuja arrogância juvenil quase levou o reino de Asgard à guerra. Os elementos eram por demais atraentes: Thor era um guerreiro de honra, protetor da Terra e de Asgard com sua identidade secreta humana conferindo ao herói um ponto de identificação com o leitor. A estreia de Thor foi em agosto de 1962 na revista Journey into Mystery #83. Ao longo da série, Lee se envolvia muito pouco com o título pois estava sobrecarregado com todas as atribuições de seu cargo na Marvel.

Larry Lieber colaborou inicialmente com as primeiras nove histórias de Thor introduzindo os elementos chaves destas como a rivalidade com Loki, o meio irmão e deus da trapaça, o relacionamento com a enfermeira Jane Foster, e os demais coadjuvantes Balder o Bravo, o nobre vigilante Heimdall, os três guerreiros Frandal, Voltagg e Hogun, entre outros. Com a crescente popularidade de Thor, Stan Lee logo começou uma série de histórias curtas entitulada Tales of Asgard, retratando a juventude de Thor e quatro anos depois o título Journey into Mystery foi renomeado The Mighty Thor, começando com a edição #126. Justiça seja feita que Jack Kirby criou diversos plots embebidos em mitologia nórdica já que Kirby já era apaixonado por mitologia, tendo criado várias histórias de Thor muito antes de trabalhar com Stan Lee na Marvel. Em entrevista ao Comics Journal em 1990, Kirby contradisse várias das alegações de Lee de como as histórias de Thor haviam sido idealizadas. Apesar das desavenças entre Lee e Kirby, a colaboração de ambos foi de extrema criatividade enquanto durou, com Kirby deixando o título de Thor em 1970 em The Mighty Thor #179, sendo substituído por John Buscema. Apesar do mergulho na fantasia representada pelas aventuras de Thor, Lee procurava espelhar o mundo real sempre que possível e no ano seguinte buscou inspiração na figura do milionário inventor Howard Hughes (1905-1976), contextualizando o novo herói no delicado momento do conflito do Vietnã.

Novamente pensando em criar algo que fosse realista, um herói com uma espécie de calcanhar de Aquiles mas abordando o avanço tecnológico observado na vida real . Assim surgiu a figura de Tony Stark, ferido na guerra do Vietnã com uma condição cardíaca fatal a não ser que uma placa metálica inventada pelo gênio científico de Stark o mantivesse vivo. Daí a criação de uma armadura high tech o leva a repensar seus atos, levando a se tornar o Homem de Ferro, estreando na revista Tales of Suspense #39 (março de 1963), com desenhos de Don Heck que utilizou o cinza e um visual que lembrava o homem de lata de O Mágico de Oz, modificado pouco depois para um modelo vermelho e amarelo, mais arrojado e elegante que a usada na primeira aventura. O nome do herói foi escolhido depois de Lee repassar uma lista de metais, que conferisse ao personagem um senso de poder. Em Tales of Suspense #50, surgiria o Mandarim, que se tornaria o arquiinimigo de Stark. Nas primeiras histórias desse período surgiriam Happy Hogan e Pepper Potts (guarda costas e secretária, apaixonada por Stark), o Gavião Arqueiro, a Viúva Negra e os vilões Dínamo Escarlate e Homem de Titânio, tendo esse inclusive se tornado canção de Paul McCartney & The Wings em 1975 (“Magneto and Titanium Man“). Com a saída de Don Heck, Gene Colan passa a fazer os desenhos do Homem de Ferro, mas Lee deixa o título em Tales of Suspense #99 (1968), sendo a revista rebatizada The Invincible Iron Man #1 com Archie Goodwin e Gene Colan, a partir de maio de 1968.
Na próxima matéria vem o amigo da vizinhança por ai.