Por Adilson Carvalho
Já na vibe da estreia de The Fabelmans, a cinebiografia de Spielberg, que chega dia 12 aos cinemas, o CCP começa uma nova série de artigos com foco na versatilidade desse grande diretor. Embora, Steven tenha recentemente declarado que se arrepende de ter feito Tubarão (1975), não há dúvida que esse é um filme significativo na história do cinema.

Você lembra daquelas duas notas musicais? da câmera onipresente ? e de três homens de personalidade distinta caçando um monstro que fez uma geração inteira temer a água ? “Tubarão” ainda é um filme que impressiona, quase meio século depois de ter transformado as bilheterias hollywoodianas e de ter praticamente criado o conceito de blockbuster. Adaptado do livro de Peter Benchley, ex repórter do Washington Post, seguindo a cartilha hithcockiana de sugerir mais do que mostra, Spielberg conseguiu disfarçar as limitações de orçamento, e as dificuldades técnicas que se formaram quando gravaram em alto mar, na costa nordeste dos Estados Unidos próximos a Martha’s Vineyard, ilha que serve de paraíso turístico; e que se tornou a fictícia Amity Island, local em que se passa a história de Benchley. O antagonismo entre o trio Brody-Quint-Hopper e o imenso turbarão branco evocava a luta Melvilliana do clássico “Moby Dick”, mas o efeito foi além quando, aos quase 81 minutos de projeção, o grande vilão surge e vem a clássica frase “Você vai precisar de um barco maior”, eleita a 35º mais memorável da história do cinema pelo AFI (American Film Institute).

O superlativo na bilheteria e no impacto cultural do filme é comparado a todos os obstáculos para sua realização. Horas e horas de filmagem eram desperdiçadas nas filmagens em mar aberto, algo inédito em termos da busca do realismo máximo que se pudesse alcançar em meio às ondas e correntes marítimas que interferiam no cronograma de filmagens, em uma era pré-digital. Tudo era físico, mecânico, e muitas vezes não funcionava como esperado na hora em que surgia Bruce, o nome do tubarão mecânico usado (eram 3 modelos em cena). A bilheteria milionária alcançada compensou o desgaste da equipe com mais de US$ 460 milhões em arrecadação internacional, além de 3 Oscars (melhor montagem, trilha sonora e efeitos especiais). Era um momento em que os chamados multiplex se espalhavam pelo país, muitos instalados em shoppings e atraindo um público jovem que até então não era o público alvo dos grandes estúdios. O filme de Spielberg mudou essa mentalidade em pleno verão, período que até então não era considerado atraente para os grandes lançamentos. A campanha de marketing, lembrando que se tratava de uma era pré-internet, usou as 3 emissoras do país (ABC, NBC e CBS) com 3 noites consecutivas de trailers.

Na hora do casting, Robert Duvall (O Poderoso Chefão) foi pensado para o papel de Martin Brody, que ficou com Roy Scheider (1932-2008) mas ele estava interessado em interpretar Quint. O papel do caçador de tubarões que evocava a figura amargurada de Ahab, foi desde o início pensado para Robert Shaw (1927-1978), que já havia trabalhado com os produtores Richard Zanuck e David Brown em “Golpe de Mestre”. Já Hopper foi recusado por Jon Voight, pensado para Timothy Buttoms e Jeff Bridges, antes de ficar com Richard Dreyfuss (American Grafiith). Este achava o papel chato e são notórias as histórias de desentendimento entre as personalidades conflitantes entre os intérpretes de Quint e Hopper. Conflitos também houveram entre o diretor, então com 27 anos, e o autor Peter Benchley quando este visitou o set de filmagens e não aprovou as mudanças costumeiras entre livro e filme. No caso de “Tubarão”, por exemplo, o personagem de Hopper (Dreyfuss) no filme é mais simpático e brincalhão, diferente do livro em que o personagem é o oposto e ainda mantem um caso com Ellen (Lorraine Gary), a esposa de Martin Brody. O caso extra conjugal foi eliminado do roteiro do filme, assim como o rivalidade entre os dois substituída por uma parceria na perseguição ao devorador de homens. A morte de Quint (Shaw) no filme também é diferente, mais violenta, devorado pelo tubarão. No livro Quint morre afogado ao tentar matar o animal com arpões, tal qual Ahab com Moby Dick. Foi de Spielberg a ideia de que Quint teria estado a bordo do navio que levou a bomba atômica para o Japão. É Hopper que é devorado vivo pelo tubarão no livro, enquanto no filme ele sobrevive se escondendo no fundo do mar enquanto o animal fica temporariamente preso na gaiola. Já a morte do vilão é causada por um dos arpões que Quint consegue atirar no animal, enquanto no filme Brody heroicamente o explode atirando no tanque de oxigênio preso na boca da criatura.

Foram 3 continuações, e dúzias de imitadores, mas nenhum com o impacto gerado pelo filme de 1975. Até hoje, confesso, não consigo entrar na água sem que aquele “dum…dum..dum..dum…” venha a minha mente. Culpa de John Williams e do Sr. Spielberg, com efeito ainda hoje 47 anos depois. Ainda essa semana tem mais Spielberg, e um visitante de outro mundo.