HQ MEMÓRIA – NAMOR

Por Leo Banner

As histórias clássicas

Bem, se você começou a ler este artigo e achou que eu ia falar do personagem que vai aparecer no filme PANTERA NEGRA WAKANDA FOREVER, pode ter uma surpresa, porque aquele personagem NÃO é o Namor! E antes que algum dos “fãs” mais entusiasmados do MCU me crucifiquem, que tal fazermos um retrospecto sobre a criação e vida editorial de NAMOR, O PRÍNCIPE SUBMARINO? O personagem foi criado pelo roteirista e desenhista BILL EVERETT para a FUNNIES INC, um dos estúdios pioneiros na produção de quadrinhos por encomenda, primeiramente criado para a revista MOTION PICTURE FUNNIES WEEKLY, e publicado pela primeira vez no título MARVEL COMICS #1, em abril de 1939, que foi também a primeira revista em quadrinhos da editora TIMELY COMICS (que décadas depois se tornaria a MARVEL COMICS), dois anos antes da criação do AQUAMAN, da então National Allied Publications (futura DC Comics). Namor tem suas origens relacionadas ao lendário reino submarino da ATLÂNTIDA, onde (no conceito criado por Everett) vivia uma raça evoluída tecnologicamente capaz de respirar na água e com a distinta característica de possuir uma pele azulada! A história começa em 1915 com o envio do navio Oracle à Antártida em busca do metal vibranium, e entre a tripulação da embarcação estava o jovem capitão Leonard McKenzie. A fim de encontrar o metal incomum a tripulação do navio lança mão de inúmeros explosivos, cujas reverberações despertam preocupação e perplexidade no Reino Submarino da Atlântida, razão pela qual o Imperador atlante Thakorr envia sua filha, a princesa Fen, em missão ao mundo da superfície para tentar descobrir as razões daquelas detonações!

Ao infiltrar-se no navio Oracle para cumprir sua missão, a princesa atlante conhece o capitão McKenzie e ambos se apaixonam; como resultado desse amor, Fen acaba engravidando e retorna ao Reino Submarino, onde deu à luz Namor, que na linguagem atlante significa “filho vingador”! O povo atlante, descontente com o fato, ataca e afunda o Oracle, supostamente matando o Capitão McKenzie! Por ser um híbrido entre humano e atlante, Namor nasceu com a pele branca, cabelos negros, força sobre-humana, capacidade de respirar fora da água e apêndices nos calcanhares que se assemelham a asas que, na superfície, lhe conferem a capacidade de voo, sendo, inclusive, considerado por muitos, como o primeiro mutante da Marvel (mas isso é conversa para outro momento)! Poucos anos depois temos o jovem Namor lutando ativamente na Segunda Grande Guerra Mundial na década de 1940 em aventuras explosivas ao lado de heróis como Capitão América, o Tocha Humana Original (Jim Hammond) e Union Jack, entre outros! Nesse ínterim, uma das histórias mais marcantes e emblemáticas dessa época foi o conflito entre Namor e o Tocha Humana Original, na qual o Príncipe Submarino, enfurecido por conta da destruição acidental de parte de seus domínios causada pelos habitantes da superfície, irrompe numa louca investida contra a cidade de Nova York, tendo em seu caminho o androide flamejante! Esse combate foi revisitado algumas vezes anos mais tarde (inclusive na seminal MARVELS), mas não nos percamos em reminiscências!

Namor na fase John Byrne

Com o mesmo destino da maioria dos heróis em quadrinhos que combatiam o Eixo, após o fim da grande guerra Namor caiu no ostracismo do limbo editorial, sendo resgatado anos depois por STAN LEE e JACK KIRBY em FANTASTIC FOUR #4, em maio de 1962, onde o filho vingador foi descoberto por Johnny Storm (o Tocha Humana do Quarteto Fantástico) desmemoriado e em situação de rua, vivendo boa parte daqueles anos pós-guerra como mendigo! Ao reconhecer Namor, Storm presume que água seja capaz de ajudá-lo e o arremessa na enseada de Nova York! Com isso, Namor recobra a memória do fatídico destino envolvendo a destruição da Atlântida e o desaparecimento do povo atlante, passando a combater não apenas o Quarteto Fantástico mas também os Vingadores, tornando-se um antagonista nesse primeiro momento, sendo em algumas ocasiões manipulado pelo Doutor Destino que se valia da instabilidade emocional de Namor, e também de seu interesse por Susan Storm (então noiva de Reed Richards, o Senhor Fantástico), para induzi-lo a atacar o Quarteto. Namor, logo após recuperar a memória e num de seus costumeiros rompantes de fúria, foi responsável pelo retorno do Capitão América – congelado desde a Segunda Guerra – aos tempos atuais ao desferir poderosos golpes nas imensas estruturas gélidas do Pólo Norte onde se encontrava o bloco de gelo que abrigava o herói bandeiroso! Namor descobriu que apesar da destruição da Atlântida, parte do seu povo ainda sobrevivera e se encontrava numa parte distante do oceano, integrando-se a esses remanescentes e tornando-se seu líder.

Namor no traço de Alex Ross

Apesar do seu temperamento explosivo e muitas vezes destemperado, o irascível Príncipe Submarino caiu nas graças do público, que não se contentava mais com suas participações nos títulos dos Vingadores e do Quarteto. Por tal motivo, Namor passou a ter histórias solo a partir de TALES TO ASTONISH #82, em 1966, dividindo o espaço do título com o Incrível Hulk! A partir daí, Stan Lee com seus roteiros passou a estabelecer efetivamente o cânone das histórias de Namor, acompanhado por grandes artistas como Jack Kirby, Gene Colan e do próprio Bill Everett, criador do personagem! Com o cancelamento de Tales To Astonish na edição #101, Namor participou de um crossover com o Homem de Ferro em IRON MAN AND SUB-MARINER #1 para, em seguida, em maio de 1968, estrear em seu próprio título solo, PRINCE NAMOR, THE SUB-MARINER #1, agora com roteiros de ROY THOMAS e desenhos do grande JOHN BUSCEMA (algumas poucas historias dessa fase foram publicadas pela Bloch em meados da década de 70) num título que revisitou e atualizou momentos chaves da vida do Príncipe Submarino e também mostrou novas aventuras de tirar o fôlego, sobretudo nos combates contra o cruel ATTUMA, bárbaro senhor da guerra criado por Lee & Kirby na edição #33 de Fantastic Four (recentemente publicada no Brasil pela Panini na COLEÇÃO HISTÓRICA MARVEL #39, que corresponde à série do QUARTETO FANTÁSTICO – SÉRIE CRONOLÓGICA #8!). Com novos inimigos e grandes combates, Roy Thomas permaneceu no título até a edição #40, com Gerry Conway assumindo os roteiros do número 41 ao 49, culminando com a surpresa de ter na edição #50 uma história com roteiro e arte de Bill Everett. A partir desse número tivemos o grande artista participando das histórias de sua criação até a edição #63. Vale mencionar que, salvo engano, a edição #67 do título PRINCE NAMOR, THE SAVAGE SUB-MARINER apresentou pela primeira vez o traje real de cor azul de Namor, na história em que ele decide declarar guerra à Raça Humana! Essa encarnação do título de Namor deu seu último suspiro na edição #72 em junho de 1974, e já nos deixa um Namor com enorme bagagem de histórias e acontecimentos marcantes, sendo necessário dizer que a grande maioria dessas histórias JAMAIS foi publicada no Brasil.

Namor nos traços de Jack Kirby, John Buscema e John Byrne

Depois disso, Namor continuou a aparecer em vários títulos, seja como integrante de grupos (Defensores, Vingadores), participações especiais ou em grandes eventos, mas vale destacar um momento de grande relevância na vida do personagem onde Reed Richards descobre que os acessos de fúria e descontrole de Namor decorrem das mudanças de pressão sofridas pelo seu sangue toda vez que ele vinha à superfície, uma vez que seu organismo era adaptado para suportar as enormes pressões das profundezas dos oceanos! Dessa forma, o Príncipe Submarino passou a usar um aparelho no seu traje real que controlava as alterações químicas e fisiológicas de seu humor. Outro ponto de considerável relevância na vida de Namor foi o título NAMOR, THE SUB-MARINER, que estreou em 1990, sob o comando do rabugento e genial JOHN BYRNE, e foi uma das fases mais interessantes e criativas do atlante, pois ele passou a viver na superfície criando a multinacional ORACLE INC (valendo-se das riquezas perdidas no fundo os oceanos), cujo objetivo era combater toda forma de poluição e agressão ao meio-ambiente, sobretudo aos rios e mares do planeta, com um texto bem reflexivo acerca dos mais variados tipos de agressões ambientais! Era Byrne mais uma vez à frente de seu tempo e abordando temas que realmente só viriam a ser tratados mais amiúde nos quadrinhos muitos anos depois! John Byrne desenhou as 25 primeiras edições desse lançamento e permaneceu nos roteiros até o número 32 do título! Aqui no Brasil, até hoje, apenas as oito primeiras histórias dessa ótima fase foram publicadas (a última vez numa edição da Editora Salvat em 2016), e o resto dela permanece inédita e sem previsão de aportar por estas bandas, o que é profundamente lamentável!

John Byrne e sua primorosa fase

A partir dos anos 2000, o roteirista Brian Michael Bendis assumiu o título dos VINGADORES, e através de um ret-con (retificação de continuidade), apresentou ao público os ILLUMINATI (THE NEW AVENGERS #7, de julho de 2005), um grupo que foi criado desde o final da GUERRA KREE/SKRULL e era formado pelos maiores gênios da Casa das Ideias, cujo objetivo era prevenir e evitar que grandes ameaças à Terra chegassem ao conhecimento do público! O grupo era formado por Homem de Ferro(Tony Stark), Senhor Fantástico (Reed Richards), Professor X (Charles Xavier), Doutor Estranho (Stephen Strange), Raio Negro (líder dos Inumanos) e o próprio NAMOR! Essa formação original dos Illuminati foi responsável, entre outras coisas, por decidir exilar o Hulk no espaço (valendo mencionar que o Príncipe Submarino foi o ÚNICO voto divergente), o que originou as sagas PLANETA HULK e HULK CONTRA O MUNDO! Atualmente, sobretudo em função de questões geopolíticas, Namor promoveu uma espécie de diáspora do Reino Atlante pela Terra, com o povo submarino integrando-se ao da superfície, camuflando sua pigmentação cutânea azulada de tal forma que conseguiram se infiltrar entre nós como observadores, aguardando pelo momento mais apropriado de retorno e reconstrução do Reino da Atlântida!

K’UK’ULKAN, O DEUS SERPENTE COM PENAS

Se você que lê este artigo já viu o trailer de WAKANDA FOREVER, deve ter notado que num determinado momento, M’Baku (interpretado por Winston Duke) chama Namor de K’uk’ulkan na fala “Eles o chamam de K’uk’ulkan, o deus serpente com penas”! Essa é uma referência extremamente obscura dentro do cânone da Marvel, tendo aparecido pela primeira vez em NAMORA #1, de 1948, na então TIMELY COMICS, tratando-se de uma entidade adorada pelos nativos de uma localidade chamada APACO! Na edição #25 de UNCANNY X-MEN tal entidade ressurgiu possuindo o corpo do aventureiro EL TIGRE, já na era Marvel Comics, em outubro de 1966! Muito tempo depois, numa história do famigerado Hulk vermelho, K’uk’ulkan aparece acompanhado de outras divindades mesoamericanas objetivando extirpar a humanidade da face da Terra! Vale mencionar também que KUKULCAN é o nome de uma divindade em forma de serpente presente em várias seitas, culturas e religiões mesoamericanas, sendo também adorado pelos Yucatecas Maias antes de 1500! O Deus Serpente Emplumado tem várias designações, como por exemplo Quetzalcóatl pelos toltecas e astecas, Gucumatz para o quiché maia da Guatemala, e Ehecatl, o deus do vento, para os huastecas da costa do Golfo! KUKULCAN e suas mais variadas manifestações são tidas como deus criador de chuvas e ventos! Kukulcan também é o nome de um herói do século 10 dC proveniente da história yucateca maia, possuindo uma contraparte nas lendas tolteca e asteca, com o nome Ce Acatl Topiltzin Quetzalcóatl! Então, meus amigos, ante o exposto, confesso que tenho sérias reservas com relação a esse personagem chamado “Namor” que vão apresentar no filme WAKANDA FOREVER! Tudo bem que temos o personagem originado de uma lendária civilização… mas, proveniente das lendas mesoamericanas, o que, a rigor, iria de encontro a um aspecto fundamental de sua origem! Não me entendam mal, não estou aqui de forma alguma desmerecendo a importância dessas lendas e de suas implicações culturais, mas me parece que esse Namor está mais para uma VERSÃO ALTERNATIVA do personagem criado por Bill Everett do que outra coisa (algo tipo Homem-Aranha sem aranha radioativa, Hulk sem radiação gama ou Superman sem planeta Krypton (e, acreditem, há versões alternativas desses três personagens sem os elementos fundamentais de suas respectivas origens). Não se trata aqui de ser um fã radical ou hardcore que não admite quaisquer alterações em histórias estabelecidas há décadas… não, muito pelo contrário, adaptações são necessárias a fim de que possam retratar a contento décadas de existência em duas horas de película cinematográfica! Mas aqui não me parece mesmo o caso de uma adaptação, mas, sim, uma versão alternativa; esse personagem está mais para PRÍNCIPE KUKULCAN do que propriamente Príncipe Namor, que é (ou era) o personagem que todos esperávamos ver nas telonas! A Marvel/Disney vem enveredando numa direção que considero temerária já não é de hoje, em função de algumas escolhas criativas um tanto quanto duvidosas (talvez eu fale mais detalhadamente disso em outro momento para não desviarmos o foco), e esse Namor conceitualmente MESCLADO com o “deus serpente com penas” – e descaracterizado na sua essência – está me parecendo MAIS um desses equívocos! No entanto, por não ter ainda visto o filme, não posso asseverar que foi uma escolha totalmente equivocada… mas posso dizer de antemão que passou muito longe de ser a mais acertada, pois, supostamente com o objetivo de “descolar” o Príncipe Submarino da Marvel do Aquaman da Warner/DC, a Disney acabou por eliminar uma de suas características mais essenciais. Vale a pena repisar, não se trata aqui de ser o tipo de fã ranzinza e hardcore; trata-se tão-somente de NÃO ser aquele tipo que aceita qualquer coisa apenas por ser algo proveniente da Marvel/Disney, como vem sendo o comportamento dominante nesses últimos tempos!

Vida longa e próspera e até a próxima!🖖🏻

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