Por Adilson Carvalho

Quem ainda olha para o céu e se pergunta se é um pássaro ou um avião ? Levantar um carro por sobre a cabeça (histórica capa de Action Comics #1) e ser mais rápido que uma bala não inflama tanto a imaginação da atual geração, mas em 1938, esses atributos traziam um ineditismo singular. Nascido da imaginação fértil de Jerry Siegel (1914-1996) & Joe Shuster (1914-1992), o Superman demorou um pouco para impressionar os editores e ganhar sua primeira publicação em uma época em que personagens com poderes sobre-humanos praticamente não existiam. O herói surgiu em uma época em que os Estados Unidos se recuperavam de uma crise e a ideia de um alienígena de feitos hercúleos defendendo os ideais de justiça e do modo de vida americano cairia rapidamente no gosto popular. O Superman não era apenas fisicamente mas também moralmente superior e nos salvaria de nossos próprias falhas sociais.

Fazer um super herói voar convincentemente nas telas é atualmente, no mundo digitalizado, um truque elementar e que não encanta tanto ao público acostumado a efeitos mais mirabolantes e rebuscados. Mas, imagine o mundo antes de todos esses avanços, sem o recurso da tela azul, da computação gráfica e , antes mesmo do interesse crescente que os estúdios – e o público em geral – demonstram hoje com os personagens dos quadrinhos. O impacto que o Superman o Filme realizado em 1978 teve pode parecer incompreensível, mas foi o que sinalizou o gênero para toda uma geração, colocando-o em um patamar de dignidade inédito então para quem passou a infância vendo um personagem voar mais rápido que uma bala e mais forte que uma locomotiva. Nos primórdios do cinema, os heróis das histórias em quadrinhos eram adaptados como seriados de baixo orçamento divididos em capítulos e exibidos antes do filme principal. O Superman, criado em 1938 por Jerry Siegel & Joe Shuster, saiu das páginas dos gibis em 1948 para as telas encarnado por Kirk Alyn (1910-1999) com o truque do vôo sendo obtido simplesmente substituindo o ator por um desenho animado – através de técnica conhecida como “rotoscopia’ – já que as tentativas de suspendê-lo por arames foram mal-sucedidas, machucando-o . provocando outros acidentes e deixando os fios à vista. O vôo foi melhor executado no segundo seriado Atom Man Vs Superman, de 1950 com Kirk Alyn de braços estendidos de frente para um cyclorama (uma paisagem panorâmica formando 360º em uma plataforma cilíndrica) com máquinas simulando vento e nuvens ao fundo. Para o seriado de Tv de 1950 com George Reeves, fios e cabos foram posteriormente substituídos por um conjunto de técnicas que incluíam um trampolim para o salto e um dispositivo que erguia seu tronco e pernas para simular o vôo.

Durante todo esse tempo, os criadores do personagem empreendiam uma batalha de Davi contra Golias processando a DC Comics que lhes negavam os direitos de propriedade intelectual. Siegel & Shuster não eram creditados pelas histórias do personagem, não conseguiam novas oportunidades, tendo que sobreviver em trabalhos menores tanto em prestígio quanto em retorno financeiro. Isso só melhorou a partir de 1975 quando a DC Comics, já de propriedade do grupo Warner, passou a pagar $20.000 dólares anuais de pensão vitalícia à dupla de criadores (Shuster nesta época estava cego) além de crédito nas histórias e em todas as mídias correspondentes. Três anos depois estreiou a super-produção Superman O Filme, dirigida por Richard Donner e produzida por Alexander & Ilya Salkind que realizaram uma das melhores adaptações de um herói dos quadrinhos até hoje. Os efeitos especiais fizeram jus à frase promocional que dizia “Você vai acreditar que um homem pode voar”. Depois que nomes como Warren Beatty, Burt Reynolds, James Caan, Clint Eastwood, Patrick Wayne (Filho de John Wayne) e Robert Redford foram sondados, alguns descartados e outros simplesmente recusaram, o então novato Christopher Reeve (1952-2004) assumiu o papel do herói usando Cary Grant (conforme o próprio Reeve revelou mais tarde) como modelo para sua atenção como o desajeitado Clark Kent. O elenco estelar incluía Marlon Brando como Jor El (recebendo uma quantia recorde de $3.7 milhões para o papel de pai biológico do Superman), Glenn Ford (do clássico Gilda) como Jonathan Kent, o pai adotivo do herói e Gene Hackman como o vilão Lex Luthor, papel que chegou a ser oferecido a Jack Nicholson e Gene Wilder. O orçamento de mais de $50.000.000 foi investido em um primoroso roteiro escrito inicialmente por Mario Puzo (de O Poderoso Chefão) e reescrito depois por Robert Newman, Leslie Newman & David Newman, com cenas impactantes como o Superman segurando um helicóptero em plena queda ao salvar Lois Lane, o vôo romântico à noite embalado pela belíssima trilha sonora de John Williams e o terremoto ao final do filme quando o Superman mergulha na falha de San Andreas para salvar toda a Callifórnia e que seria originalmente o final do primeiro filme que terminaria com o herói atirando o míssil nuclear no espaço que serviria de gancho para o segundo filme, já que assim inadvertidamente, o herói liberta o General Zod da Zona Fantasma.

Na forma como foi concebido originalmente por Richard Donner, a cena em que o Superman faz a Terra girar ao contrário seria o desfecho do segundo filme, para fazer a abelhuda Lois esquecer sua identidade secreta. Contudo, desentendimentos entre Donner e os Salkind causaram a demissão do diretor e a montagem do filme à sua revelia. De forma que Donner não recebesse os créditos por Superman II, Richard Lester foi contratado e várias sequências foram refilmadas até a versão que chegou aos cinemas em 1980. Marlon Brando processou os Salkind por não recebimento da porcentagem na bilheteria que lhe cabia no contrato e se recusou a voltar a filmar. Gene Hackman também não voltou em solidariedade a Donner e todas suas cenas pertencem ao material iniciado por Donner. Apesar de tudo, Superman II foi um grande sucesso com cenas que traduzem com perfeição o universo das HQs do herói.Na história, Superman enfrenta o General Zod, interpretado por Terence Stamp, e que vem a ser o vilão do novo longa de Zach Snyder. A versão original de Donner só seria recentemente conhecida ao ser lançada em Blu Ray e trata-se de um filme ainda superior ao que foi visto nas telas na época.

Infelizmente, todo o tom épico dos dois primeiros filmes se perdeu quando Richard Lester voltou para dirigir Superman III, lançado em 1983. A primeira mudança foi o tom de humor que prevalece em todo o filme com um vilão interpretado pelo comediante Richard Pryor, extremamente popular na época. Margot Kidder (1948-2018) que expressara na época dos segundo filme sua rejeição por Lester teve seu papel no terceiro filme cortado para meros cinco minutos em cena e o interesse romântico de Clark se volta para Lana Lang (Annete O’Toole) sua namoradinha de infância em Smallville. Um ano depois, foi lançado o filme Supergirl , a prima do Superman nos quadrinhos com a estreante Helen Slater (no papel da heroína de Krypton inicialmente oferecido a Brooke Shields), Faye Dunaway, Peter O’Toole e Brenda Vaccaro. Até Marc McClure, o Jimmy Olsen dos filmes com Christopher Reeve faz uma breve aparição como forma de ligar os filmes e iniciar uma nova franquia, mas o filme foi um fracasso na época, a pior bilheteria dos filmes da franquia, enterrando qualquer possibilidade de continuação. Em 1987, o homem de aço estava prestes a completar 50 anos de sua criação e o carro chefe das comemorações seria o recomeço de suas Hqs que seriam reescritas por John Byrne e o lançamento de um novo filme Superman IV Em Busca da Paz com Christopher Reeve. Este resistiu no princípio, mas acabou concordando e co-roteirizando a história que mostraria o Superman intervindo na política do planeta e destruindo todo o arsenal nuclear que pudesse levar o planeta à sua destruição. Um bom ponto de partida que foi, no entanto, prejudicado por um desenvolvimento muito inferior e um orçamento irrisório nas mãos da produtora Cannon. Mesmo com a volta de Gene Hackman como Lex Luthor e a entrada da beldade Mariel Hemingway para competir pelo coração do herói, o filme foi um triste canto-do-cisne para Reeve à frente do personagem que encarnou à perfeição, como se tivesse literalmente saído das páginas originais de Jerry Siegel & Joe Shuster. Ainda em 1988 houve o seriado de TV Superboy, mostrando a adolescência do herói e ainda contando com o envolvimento de Ilya Salkind na produção. E tudo começou com Christopher Reeve nos fazendo crer que o homem pode voar.
No próximo artigo saimos de Metropolis para Gotham City