Por Adilson Carvalho

Desde seus primórdios, Hollywood desenvolve projetos envolvendo adaptações de episódios bíblicos. Épicos dessa natureza significam para a indústria cinematográfica um retorno financeiro potencial, seja por seu amplo alcance de público, seja por dispensar os custos de licenciamento já que os personagens são de domínio público. Hollywood já bebeu dessa fonte antes, mas nunca com tantos recursos tecnológicos para se criar espetáculos visuais tão realistas e impressionantes. Se em 1953, quando a 20th Century Fox lançou “O Manto Sagrado” (The Robe) com todo o esplendor do Cinemascope (tela duas vezes maior e enquadramento panorâmico), o público respondeu com assombro, imagine-se o que virá beneficiado pelo avanço da tecnologia digital, telas I-MAX e projeção 3D ! Ridley Scott (de “Gladiador” e “Prometheus”) está filmando “Exodus”, sobre a trajetória de outro profeta bíblico, Moisés – encarnado por Christian Bale, e com lançamento previsto para o final do ano. E além desse, outros filmes de igual temática já se avistam no horizonte, mas todos precisam de cuidadosos para que as liberdades geralmente tomadas no processo de adaptação da história não sejam ofensivas ao público religioso. Trazer uma figura das escrituras sagradas para a dimensão cinematográfica, muitas vezes, acaba significando o mesmo que mexer em um vespeiro capaz de atrair publicidade negativa que afasta o público das salas de exibição. Claro, que devemos considerar também que essa faca é de dois gumes e o bate boca de uma polêmica pode vir a funcionar no sentido oposto como, por exemplo, quando Mel Gibson realizou em 2004 “A Paixão de Cristo”, que trazia Jim Caviezel (do seriado “Person of Interest) como Cristo, e mesmo envolto na controvérsia acerca de acusações de ani-semitismo, lucrou alto nas bilheterias e se tornou a maior arrecadação de um épico bíblico, posto que era até então ocupado pelo clássico “Os 10 Mandamentos” de 1956.

Outro que foi envolto na mesma aura de discussão foi o consagrado diretor Martin Scorcese (de “A Invenção de Hugo Cabret” e do recente “O Lobo de Wall Street”) que em 1989 retratou a passagem do Messias no provocante “A Última Tentação de Cristo” (The Last Temptation of Christ), que na época sofreu severas críticas do Vaticano que rejeitou essa visão mais humana e menos divina de Jesus, que foi interpretado por William Dafoe (o Duende Verde de “Homem Aranha”). O que dizer então da visão moderna de Goddard para a mãe de Jesus em “Je Vous Salue Marie” de 1985, que foi proibido em vários países, inclusive no Brasil.

Em nenhum período, no entanto, teve o gênero recebido maior prestígio que no final dos anos 40 e seguindo até a década de 60. O hoje lendário diretor Cecil B. DeMille (1881-1959) já havia filmado “O Rei dos Reis” (1927) e “Os Dez Mandamentos” (1923) no período do cinema mudo, e em 1949, revisitou o velho testamento e trouxe para às telas a figura heroica de Sansão vivido por Victor Mature (que segundo consta era um homem cheio de medos e fobias apesar de seu invejável físico de super homem) e seu amor pela sedutora e traiçoeira Dalila (a belíssima atriz austríaca Heddy Lamarr). Sobre “Sansão & Dalila” (Samson & Delilah), reza a lenda que o sarcástico Grouxo Marx, teria dito que esse “era o primeiro filme em que o moçinho tinha mais peitos que a moçinha” tamanha a publicidade dada na época ao físico do ator. Assim como os demais épicos que se seguiram, o filme de DeMille usa e abusa dos cenários grandiosos, dos incontáveis extras nas cenas de multidão e do luxo no figurino que torna os atores figuras emblemáticas do gênero. Curiosamente, Victor Mature também está presente no citado “O Manto Sagrado” (The Robe) em que o diretor mostra a conversão do Tribuno Marcellius Gallus ao cristianismo depois que este toca o Santo Sudário, papel que a Fox planejava para Tyrone Power, mas que veio a ficar com Richard Burton. O sucesso artístico e comercial do filme levou a várias indicações ao Oscar, incluindo melhor ator para Burton. Nesse período em questão, o cinema enfrentava a forte concorrência da TV e o épico era uma das estratégias de Hollywood para levar o público para os cinemas oferecendo um espetáculo que não poderia jamais ser igualado pela telinha da TV.

Voltando a falar de Cecil B.DeMille, este refilmou a história de Moisés no grandioso “Os Dez Mandamentos” (The Ten Comandments) com Charlton Heston no papel central e um elenco que ainda incluía Yul Brinner e Edward G.Robinson. A fantástica sequência de abertura do Mar Vermelho, realizado com apuro técnico invejável para a época encerrou a carreira de DeMille com chave de ouro e uma bilheteria milionária, que permaneceu recorde por muito tempo. Curiosamente, durante muito tempo ninguém sabia quem teria feito a voz de Deus no filme já que a voz havia sido modificada com truques sonoros. Isso até 2004 quando Charlton Heston revelou que a voz era dele. Igualmente impactante visto à luz da atualidade é “Ben Hur” (1959) de William Wyler, que embora seja extraído do romance de Lew Wallace e não diretamente da Bíblia, usa a passagem de Cristo na Terra como pano de fundo da saga do príncipe Judah (Charlton Heston) que torna-se escravo de Roma e retorna livre e rico para buscar sua vingança contra Roma. A Academia respondeu com 11 Oscars, um recorde de premiação que só foi igualado mais de 40 anos depois com “Titanic” (1997) e “O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei” (2003). Ainda assim, o filme legou á história do cinema a corrida de bigas que empregou 15 mil extras e alcançou um perfeccionismo inigualável até hoje. E não podemos esquecer a versão nacional de Os Dez Mandamentos (2016) dirigida por Alexandre Avancini, de grande apelo dramático.

A história de Jesus Cristo gerou duas produções dignas de nota : “Rei dos Reis’ (King of Kings) de 1961 refilmagem dirigida por Nicholas Ray que trouxe o mais jovem ator a interpretar Jesus, Jeffrey Hunter (1926-1969). Um fato bem inusitado ocorreu próximo ao lançamento do filme e que ilustra bem como os estúdios e os realizadores de filmes bíblicos acabam pisando em ovos. Durante uma exibição teste do filme, o público religioso reagiu mal ao fato de que o ator Jeffrey Hunter tinha o peito cabeludo, o que foi tomado como uma heresia. Com isso, o ator teve que raspar o peito e refazer a sequência da crucificação. Quatro anos depois do bem sucedido filme de Nicholas Ray, a vida de Cristo gerou outro filme “A Maior História de Todos os Filmes” (The Greatest Story Ever Told) com direção de George Stevens, mas desta vez o público rejeitou a produção, talvez porque havia passado muito pouco tempo entre uma versão e a outra, talvez porque o público em meados dos anos 60 vivia um momento sócio-político de grandes conflitos e transformações e o épico bíblico já não era tão atraente para o público. Ainda vale a pena mencionar “Barrabás” de Richard Fleischer em 1961 que trazia o excelente Anthony Quinn no papel do ladrão que foi absolvido no lugar de Jesus e “A Bíblia” (The Bible) de 1966 que Dino de Laurentis produziu e John Huston dirigiu e que fazia parte de um ambicioso plano de filmar toda a escritura sagrada, mas ficou restrita aos primeiros capítulos do Gênesis, incluindo a sequência do dilúvio com o próprio diretor no papel do profeta. O resultado das bilheterias abaixo do esperado enterrou o projeto, mas não a fé que sempre moveu o homem em busca das respostas da criação e a procura de um sentido para a vida que o cinema ainda há de explorar bastante.