007 CONTRA O SATÂNICO DR. NO (O PRIMEIRO FILME DE JAMES BOND)

Por Maurício Rocha

Imagina só, ir no cinema, ver um cara andar em diagonal, de repente, ele se vira e dispara um tiro em direção a plateia. Em 1902, em O grande roubo do trem, quando o personagem de Frank Hanaway atirou em direção ao público, tenho certeza que o público que assustou. Assim como, quando os irmãos Lumiére apresentaram os primeiros filmes em 1895, em especial, Um trem chegando na estação, o público chegou a achar que seriam atingidos pelo trem. Mas, voltando ao cara que anda em diagonal e atira em direção a plateia. Claro, isso tudo dentro da tela de cinema, e aí toca uma trilha sonora vibrante e aos poucos, as notas dessa música não saem mais da cabeça do espectador.

James Bond tal como é descrito por Ian Fleming

Existem personagens na história do cinema que são imortais. Sem dúvida, James Bond é um destes. Se me permitem, eu sou fã dos filmes de James Bond desde os meus 11 anos quando tive a feliz experiência de assistir a alguns de seus filmes na TNT num festival que passou os principais filmes do agente britânico. Se bem me lembro, os filmes que foram exibidos foram: 007 contra o satânico Dr. No, 007 contra Goldfinger, Com 007 Viva e deixe morrer, 007 O espião que me amava e aí teve um hiato da franquia na programação ao voltarem na semana seguinte com 007 contra Goldeneye e na época os dois filmes posteriores de Pierce Brosnan, 007 O amanhã nunca morre e 007 O mundo não é o bastante. Ah, e os filmes eram exibidos legendado. Na época, na TV a cabo, os filmes mais antigos eram exibidos em idioma original e detalhe, nada de full hd ou 4K, era ripado de fita VHS mesmo. Enquanto na TV aberta, mais precisamente, na Globo e no SBT eram exibidos os filmes de James Bond dublados. Ao menos, dezesseis destes filmes foram dublados pelo excelente Marcio Seixas para um especial que foi ao ar em 1996. Detalhe, parte dos filmes foram redublados. Confesso que acho que a voz do saudoso André Filho combinava como pipoca e refrigerante nos filmes do Roger Moore. Isso não me incomodava. Mas é curioso descobrir que o André Filho dublava o Roger Moore e posteriormente foi o Marcio Seixas, que fez, de maneira magistral. Quando me vem James Bond falando sua frase antológica: “Bond, James Bond” me vem em mente o Sean Connery com seu sotaque escocês ou mesmo o Marcio Seixas. Mas, não vou me alongar aqui ao fazer um relato bem pessoal sobre meu descobrimento do personagem. Ah, abro mais um parêntese para falar, eu adorava a forma sarcástica dele lidar com as situações. Aquelas frases de efeito que todo mundo adora. Aquele olhar cafajeste que antigamente (ou ainda hoje) ao menos ainda hoje causa riso nos homens e suspiro nas mulheres. Tempos diferentes. Mas, agora, volto no tempo. Não em 2004, mas, em 1953.

Ian Fleming (1908-1964) o criador de James Bond

MY NAME IS FLEMING, IAN FLEMING

Qual o maior fracasso de um escritor? Recentemente, eu escrevi, aliás, finalizei o meu primeiro livro e ainda não o publiquei, claro, como todo autor, eu temo o fracasso de minha obra, mas, neste caso em particular, o que um certo Ian Fleming tinha a perder? Uma pergunta boba, mas, Ian Fleming, proeminente de uma família de alta classe, fora espião durante a II Guerra Mundial.

Conta-se que um certo dia, enquanto visitava o analista, o analista disse:

— Vem cá, por que você não cria um personagem? Escreve um conto? Coloque para fora tudo o que sente. Ou ao menos, o que queria ser.

Fleming gostou da ideia. Foi aí que ele começou o processo de escrita de seu primeiro livro com o personagem que logo, faria um baita sucesso. O livro em questão, foi Cassino Royale. Não, ele não imaginou um loiro bombado com cara de guarda de boate para o papel. Tampouco, um tiozão do pavê. A verdade é que o Ian Fleming se imaginou como Bond. Claro, era um cara mais descolado do que ele, que, era um homem tímido. O agente secreto continha alguns hábitos de seu autor, como, fumar excessivamente, beber mais do que devia (e ficar sóbrio). Já, tinha coisas que o autor almejava: era um homem sedutor, sabia dirigir bem, e claro, era um aventureiro inveterado.

O livro foi publicado em abril de 1953 e adivinhem: fez sucesso. E aquele papo que eu usei ali em cima para falar sobre fracasso para um autor é coisa real. Com o sucesso de Cassino Royale, Fleming acabou se tornando amigo de uma série de famosos. Já tinha o Noel Coward como um de seus amigos pessoais, mas, com o tempo, tornou-se amigo de grandes nomes do cinema e da literatura. Entre eles, Charles Chaplin, no qual, conta-se que foi Fleming quem deu a ideia ao gênio do cinema em escrever sua autobiografia. Lenda ou não, o sucesso de Fleming estava apenas no começo.

TV DE TUBO

Nos anos 50, a televisão era muito popular, especialmente, nos Estados Unidos. No ano seguinte do lançamento de Cassino Royale, a CBS teve a “brilhante” e infeliz ideia de adaptar Cassino Royale para o programa Climax! e como vocês podem imaginar… não foi lá grandes coisas. Acontece que na época a televisão estava engatinhando e os filmes feitos para a TV na época, eram praticamente, teatros filmados. E assim foi a estreia de James Bond.

O ator que interpretou James Bond, aliás, Jimmy Bond, foi o estadunidense Barry Nelson, que, não tinha nem o charme do personagem descrito por Fleming e nem tinha sotaque britânico.

Mas o filme tem lá seus pontos positivos e a única coisa que presta mesmo da obra é a participação de Peter Lorre. E como eu digo brincando sempre sobre este telefilme, se você já assistiu, por favor, esqueça que viu.

Brincadeiras à parte. Agora sim, Bond vai para a tela grande.

Barry Nelson em 007 – Cassino Royale (1954) primeira versão em live action de James Bond, porém, feita para a TV.

Harry Saltzman (1915-1994) e Albert Broccoli (1909-1996) os responsáveis por levar James Bond para o cinema.

ARQUIVO CONFIDENCIAL: DR. NO

O ano era 1961. Ainda não tinha aqueles chatos dos Beatles (eu amo Beatles, mas, James Bond não era muito fã, em especial, em um diálogo de 007 contra Goldfinger), mas, já tinha a Rainha Elizabeth II como rainha da Inglaterra, então, não muda muita coisa. Tomando South Park como base, juntar um canadense e um americano pode dar coisa boa, além de um zoar o país do outro? Sim, e foi isso que aconteceu, já que, Harry Saltzman e Albert Broccolli eram fãs das obras de Fleming, e mais a ideia mais doida que eles tiveram até ali: fazer um filme de um dos livros de Fleming, pois, acreditavam que podia render bastante dinheiro. A questão era: qual livro? Até ali, Fleming já tinha lançado 9 livros. Eles queriam Thunderball, seu mais recente trabalho, mas, ocorreu um imbróglio na justiça entre Ian Fleming e Kevin McClury, um picareta, que sacaneou Fleming. Mas, isso é assunto para outro texto.

Por fim, depois de um tempo, decidiram adaptar Dr. No para os cinemas. Claro, para um filme desses, é preciso um astro para ser James Bond. Foi então que entraram em contato com Cary Grant e ofereceram o papel para ele, não só em um filme, mas, uma série de filmes. Cary Grant recusou. Procuraram Richard Burton, Stephen Boyd. Burton estava fazendo Cleópatra e Boyd havia feito Ben-Hur. A resposta foi: não. Tentaram Roger Moore que fazia sucesso na série O Santo. Ele não pode aceitar o papel por causa da série. Os produtores também desistiram dele por considera-lo muito jovem na época. Levando em conta que ele tinha 34 anos. Richard Johnson foi cotado, contatado, mas, recusou o papel. Anos mais tarde, se arrependeu amargamente da recusa. Fleming indicou o ator Richard Tood, seu ator favorito. Mas, conflitos de agenda impediram ele de aceitar o papel, diferente de seu xará, ele teria se interessado pelo papel de James Bond.

Cary Grant quase foi James Bond.

É então que surge um cara de 31 anos recém completados, alto, quase 1,90 de altura no escritório dos produtores. O cara não tinha lá muito jeito de ator. Não aparentava ter a qualidade de atuação de Richard Burton, Cary Grant, Stephen Boyd e Richard Tood. Parecia ter um certo charme. Nada sofisticado, precisava ser lapidado. O sotaque escocês forte, quase que nem o nosso sotaque carioca, chamou atenção dos produtores. Sabe aquela história clássica do que “qualquer coisa entramos em contato”? Foi isso que aconteceu. Quando esse cara ia saindo do escritório dos produtores, eles tiveram um estalo de ideia e decidiram: Ele é o James Bond.

Ah, esqueci de dizer, o cara em questão era o Sean Connery. Logo, ele passou por série de laboratórios com os produtores e até com Ian Fleming para ter o charme e as qualidades de James Bond.

Os produtores, Albert Broccoli e Harry Saltzman, Ian Fleming e Sean Connery

Em 16 de janeiro de 1962, as filmagens iniciaram. O elenco e a equipe de produção viajaram para a Jamaica onde ocorreram as filmagens. Um detalhe era: quem interpretaria o vilão Dr. No? Max Von Sydow foi uma das primeiras escolhas. O ator sueco por sua vez, preferiu a oportunidade de trabalhar com George Stevens em A maior história de todos os tempos, onde, interpretou Jesus Cristo num filme com um dos maiores elencos já reunidos até ali. Ironicamente, vinte anos depois, ele interpretaria o vilão de um filme de 007. Mas, isso é assunto para um outro texto…

Cogitaram e até conversaram com Christopher Lee, que era primo de Fleming! Não. Noel Coward foi outra tentativa que disse apenas:

— Dr. No? No! No! No!

É… não foi dessa vez.

Por fim, escolheram Joseph Wiseman como o vilão do filme. Uma boa escolha, diga-se de passagem.

Para o papel de Honey Ryder, Julie Christie foi cotada, mas, segundo os produtores, “não era voluptuosa demais”. Martine Beswick e Gabriella Licudi foram consideradas. Por fim, a sueca Ursula Andress foi escolhida. E foi uma escolha perfeita! Ela tinha todas as características que definiram o que seria uma Bond Girl: charme, sedução e inocência.

Sem esquecer de personagens recorrentes nos filmes como o chefe do MI6, o M, interpretado pelo veterano Bernad Lee, a secretaria Moneypennie interpretada pela carismática e elegante Lois Maxwell e Felix Leiter, agente da CIA, melhor amigo e aliado de James Bond, interpretado por Jack Lord (na sua única aparição nos filmes de Bond, nos outros filmes, outros atores interpretaram Felix Leiter). Aproveito e abro um parêntese para citar John Kitzmiller, Eunice Gayson, Anthony Dawson e Zena Marshall em seus respectivos papéis.

As gravações ocorreram na Jamaica. Claro, tinha que ter aquela pausa para relaxar e bater um papo.

As filmagens ocorreram tranquilamente. Com exceção na cena da tarântula, onde, Sean Connery teve uma crise de fobia com o bicho e os produtores tiveram que inventar algo para que a cena pudesse ser feita. Aquele suor e cara de assustado era genuíno.

Ás vezes, não é só atuação, é expressão genuína: Sean Connery na antológica cena da tarântula.

Stephen Boyd, Richard Todd, Richard Burton, Richard Johnson e Roger Moore foram cotados para o papel de James Bond

Não vou me prender a detalhes técnicos da produção, apenas resumo dizendo que Peter Hunt com sua ágil edição, John Barry e Monty Norman com a trilha sonora icônica, Ted Moore com sua boa fotografia, em especial, as paisagens do Caribe, o designer de produção Ken Adam (genialmente neste filme e foi se superando nos filmes seguintes) e Maurice Bender com sua genialidade nos créditos iniciais são os pontos altos do filme. A direção segura de Terence Young dá ao filme aquele clima de Sessão da Tarde (a Sessão da Tarde dos bons tempos, claro) enquanto o roteiro de Richard Maibaum (que ficou na série de filmes de Bond até o final dos anos 80) é certeiro, direto e não é uma enrolação braba que nem essa resenha. Brincadeiras à parte, o filme fez um imenso sucesso.

O filme estreou em 5 de outubro de 1962 no Reino Unido, nos EUA em 8 de maio de 1963 e aqui no Brasil em 7 de setembro daquele mesmo ano. O filme contou com um orçamento modesto, até mesmo para a época, mas, por se tratar de uma aposta, o orçamento custou U$$ 1.100.000, o filme lucrou inacreditáveis 59,5 milhões nas bilheterias. Apesar da crítica ter sido mista, o público amou o filme. Se bem que, o Vaticano condenou o filme dizendo que o filme era imoral carregando uma mistura de violência, vulgaridade, sadismo e sexo. E se não bastasse, o Kremlin disse que Bond era a personificação do capitalista malvado.

Sean Connery se divertindo nos bastidores.

Enfim, esta foi a resenha para 007 contra o Satânico dr. No.

Espero que tenham gostado e em breve, “torturarei” vocês com mais resenhas de todos os filmes de James Bond.

PS: Escrevi esta resenha escutando a trilha sonora de 007 contra o satânico Dr. No. Ela está completa no Youtube.

James Bond voltará…

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