Por Leo Banner
Esta semana perdemos o talentoso desenhista John Romita, que integrou o time de artistas que realizou uma das maiores histórias do Homem Aranha. Leo Banner nos conta tudo sobre a morte de Gwen Stacy.

Lembro de já ter mencionado em outro post que meu interesse por quadrinhos surgiu depois de ter assistido ao filme para a televisão do Incrível Hulk, lá nos idos de 1979! A partir de então, de uma revistinha aqui e outra ali, fui descobrindo com o passar dos anos que não só o Hulk, mas o Homem-Aranha – que também tinha uma série de televisão que eu adorava (podem me julgar) – eram bem diferentes do que era retratado nos programas televisivos! Depois do Hulk veio o interesse pelo (como já disse) Homem-Aranha, pelo Superman – sim, também tinha a série maravilhosa estrelada pelo George Reeves (e eu ainda nem tinha visto o fantástico filme com Christopher Reeve naquela época) – e fui me inteirando lá pelos meus 8 ou 9 anos da vida do aracnídeo e do tanto de histórias que ele tinha (eram almanaques, Superalmanaque e as revistas mensais em formatinho)! E em 1986, já com a Editora Abril, lembro de uma série chamada MARVEL ESPECIAL, cuja proposta era reunir as principais histórias/sagas/momentos de um determinado personagem a cada dois meses! As duas primeiras edições eram dedicadas ao Homem-Aranha e suas grandes batalhas contra seu maior inimigo até então: Norman Osborn, o Duende Verde! Eu já tinha lido histórias do Duende pela RGE alguns anos antes, mas eram histórias em que outra pessoa tinha assumido o manto do vilão! Então, peguei a MARVEL ESPECIAL #1 da Abril, e devorei aquela edição com aproximadamente 130 páginas, e fiquei simplesmente encantado! Se eu já gostava do Aranha antes, aquela edição me fez ficar ainda mais vidrado no personagem! E foi ali que conheci a doce e bela Gwen Stacy, namorada de Peter Parker, por quem me apaixonei! Percebam, para mim eram histórias totalmente inéditas, não fazia ideia do que estava para acontecer, até porque pessoas que curtiam quadrinhos não eram comuns naquela época (aliás era muito difícil encontrar alguém que curtisse quadrinhos naquela época), e o acesso a antigas histórias também não era muito fácil, afinal, não havia internet, imaginem vocês… 😖😖

Mas não nos percamos! Em dezembro de 1986 saiu a segunda edição de MARVEL ESPECIAL com uma dramática capa desenhada pelo talentoso Watson Portela que mostrava o Aranha, Gwen Stacy caída aos seus pés e o Duende Verde alçando voo… na minha ingenuidade dos 12 anos pensei “Nossa, o Duende feriu a Gwen, mas o Aranha a salvou e vai sentar o sarrafo nele!” Sinceramente, eu nem imaginava! E comecei a ler a edição… uma história melhor que a outra, Stan Lee em sua melhor forma, e as sensacionais artes de John Romita e Gil Kane… tem até uma história com pretenso “final feliz”, que se encerra com um lindo encontro entre Peter e Gwen com uma bela cena de beijo entre os dois! Logo em seguida comecei a ler uma história na qual a primeira página NÃO mostrava seu título… a narrativa apenas falava que não havia muito a se dizer e que nem seu título poderia ser dito naquele momento! Aquilo me deixou apreensivo, e desatei a ler porque imaginava que o título (certamente algo bombástico) fosse aparecer logo em seguida; cada página mais tensa do que a outra (e nada da ¥€$$@ do título 🤬🤬)… então, o Duende sequestra Gwen Stacy. Naquele momento, meu coração já estava quase saindo pela boca e quando o Aranha vai ao encontro do Duende para salvá-la, vou percebendo que as coisas vão tomando um rumo muito diferente do que eu esperava… e cheguei ao final da história com um tremendo nó na garganta e sem acreditar no que estava lendo… no que estava constatando a cada virada de página… uma tensa batalha e um herói que falhava ao salvar uma inocente (conseguem imaginar meu choque?)… e aí eu finalmente descobri o título daquela história em sua última página com uma cena extremamente trágica e dramática: “A NOITE QUE GWEN STACY MORREU”!

Perdoem por esse preâmbulo um tanto quanto longo, mas para escrever um post intelectualmente honesto sobre essa história que me marcou tanto, precisava reviver e trazer à tona o caldeirão de emoções e o impacto que ela me causou quando a li pela primeira vez! Ainda hoje é uma história que acelera meu coração, não importa quantas vezes eu já tenha lido! Essa história foi publicada originalmente na revista THE AMAZING SPIDER-MAN #121, em junho de 1973 (data impressa na capa), e naquele longínquo ano de 1987(quando li pela primeira vez) eu nem poderia imaginar o enorme significado dela, não apenas para a vida do Homem-Aranha mas também para o mundo dos quadrinhos! Para termos uma ideia melhor do que essa história significou para a Nona Arte, vamos relembrar alguns detalhes! A Era de Ouro dos quadrinhos se iniciou com o surgimento do Superman em 1938, em ACTION COMICS #1, e durou até a segunda metade da década de 1940 em que o consumo de quadrinhos experimentava um declínio por conta do fim da Segunda Grande Guerra e a perda do interesse da população pelo gênero, que foi ressurgir na década seguinte graças à genialidade de JULIUS SCHWARTZ que capitaneou uma revolução dos quadrinhos da DC COMICS, que deu início à chamada Era de Prata, marcado pelo lançamento da revista SHOWCASE #4 de 1956, que trazia a reformulação do FLASH para uma nova audiência. A partir de então, as aventuras passaram a ser mais calcadas na ficção-científica e nas novas teorias científicas que surgiram naquela época, pela guerra-fria e tensões políticas. A segunda grande revolução da Era de Prata veio em 1961 com FANTASTIC FOUR #1, que deu início à chamada Era Marvel dos Quadrinhos e que foi se consolidando nos anos seguintes, sobretudo devido ao grande sucesso daquele que seria o principal personagem da chamada Casa das Ideias: o Homem-Aranha! Nós já vimos que Peter Parker não assumiu a identidade do Homem-Aranha – a princípio, pelo menos – por convicção e princípios, mas por culpa, pois ao não impedir a fuga de um meliante acabou contribuindo indiretamente para a morte de uma das pessoas mais queridas de sua vida, seu tio Ben Parker! E assim se seguiram as aventuras do Aranha (do universo regular), sua galeria de vilões ia aumentando, Stan Lee ao lado de Steve Ditko e depois de John Romita e Gil Kane produziram aquela que é considerada por muitos – e não sem razão – a melhor fase do aracnídeo de todos os tempos, sempre com aquele diferencial inerente às histórias Marvel, nas quais seus personagens não eram grandes virtuosos, mas sim, pessoas que sofriam dos mesmos problemas que o cidadão “comum” (inseguranças, injustiça dos mais variados tipos, falta de dinheiro etc). No começo da década de 1970 a Marvel, através de seu título de maior sucesso e vendas, THE AMAZING SPIDER-MAN, juntou-se à campanha antidrogas promovida pelo poder público norte-americano ao colocar Harry Osborn – então o melhor amigo de Peter Parker e filho de Norman Osborn, o Duende Verde – como dependente químico mostrando os malefícios decorrentes do uso de substâncias entorpecentes!

As histórias assumiram realmente um tom bem mais sério e mais denso! No entanto, chegou o momento em que Stan Lee percebera não mais ser possível conciliar seus compromissos de publisher da Marvel com os de roteirista, e decidiu deixar o posto depois da edição #110 de AMAZING SPIDER-MAN, com uma trama em aberto! Coube a JOHN ROMITA, principal desenhista do personagem na época e auxiliar de Stan Lee na elaboração das tramas, receber o novo roteirista regular do título na edição #111, o talentoso e promissor GERRY CONWAY, então com 19 anos! Com a saída de Lee, Romita continuou ilustrando o título e auxiliando Conway na elaboração dos argumentos e lhe dando preciosas dicas de como estruturar e contar uma história da melhor forma possível! Aqui cabe um aparte! Se hoje sabemos que o tempo nas HQs é relativo, em 1973 essa noção era bem diversa, pois o tempo meio que passava numa velocidade relativamente similar à da nossa realidade. Gwen Stacy e Peter Parker já tinham um relacionamento desde 1966, e havia uma enxurrada de correspondências endereçaras à redação Marvel perguntando quando eles se casariam! Não era algo que se considerava naquela época, mas a insistência dos fãs por esse casamento acabou se tornando um problema que criou algum incômodo durante algum tempo na Marvel, pois ninguém imaginava naquele momento COMO escapar disso. Por outro lado, Romita que, em termos práticos, havia assumido as rédeas criativas do título do Homem-Aranha, percebeu que nos últimos anos o personagem perdera a essência daquilo que o tornara cativante, achando que a vida do teioso estava, por assim dizer, “fácil demais”, e que precisava de algo para abalar as estruturas e reafirmar suas determinações! Assim sendo, optou por matar a tia de Peter, May Parker, pois assim traria de volta aquela força motriz que movia o Aranha e acabaria de vez com aquele “morre, não morre” que a personagem vivia passando naqueles últimos tempos! Foi GERRY CONWAY que deu a sugestão de que a vítima do Duende Verde na fatídica história fosse GWEN STACY, pois acreditava que a história não apenas promoveria o que Romita planejava como também resolveria a questão editorial envolvendo o desejado casamento (por parte do público), além de ser um desenvolvimento totalmente inesperado do desenrolar dos fatos! Mas o que realmente foi inesperado foram a repercussão e a comoção causadas pela história publicada no título THE AMAZING SPIDER-MAN #121, em junho de 1973, com a morte de Gwen Stacy, porque realmente pegou a todos de surpresa, tornando-se não apenas um marco na vida do Homem-Aranha, redefinindo sobretudo sua futura relação com Mary Jane Watson, como também, pelo que passou a representar. É importante ressaltar que, além de um marco e divisor de águas na mitologia do Aranha pelo que representou e representa até hoje, trata-se da história que é considerada por muitos como sendo aquela que marca o FIM da Era de Prata dos quadrinhos, e o início da chamada ERA DE BRONZE, marcada por histórias com maior carga emocional, com personagens mais moralmente fragilizados, dúbios e complexos!
Ainda que tenha sido concebida em 1973 e possa parecer datada aos olhos dos fãs de hoje em dia, é uma história que merece ser conhecida e apreciada pela sua relevância e pelo que representa, não apenas para o Homem-Aranha, mas também para a Nona Arte! Com tantas mortes sendo desfeitas em tramas rasas e sem sentido, essa foi uma que se manteve e se mantém no universo regular até hoje! Certamente por sua relevância não faria sentido ser diferente porque representou uma ruptura de paradigma, um amadurecimento forçado das HQs! É possível afirmar que, caso não houvesse A MORTE DE GWEN STACY, dificilmente teríamos histórias como A QUEDA DE MURDOCK, WATCHMEN, BATMAN, O CAVALEIRO DAS TREVAS ou as histórias de Alan Moore no MONSTRO DO PÂNTANO, pois certamente foi a história responsável por introduzir de fato a realidade crua e inevitável à narrativa serializada das HQs.
Na época, Stan Lee mandou que Gerry Conway trouxesse Gwen de volta… mas isso é conversa para outro post!😉
Vida longa e próspera e até a próxima!🖖🏻