ENTREVISTA COM ANDRÉ AZENHA – O CURADOR DO 9º SANTOS FILM FEST.

Por Adilson Carvalho

André Azenha, crítico de cinema, jornalista, produtor cultural, curador e pesquisador. Mestre em Audiovisual pela Universidade Anhembi Morumbi. Editor do site http://www.historiasdocinema.com e do canal Histórias do Cinema no Youtube. Autor dos livros Histórias: Batman e Superman no Cinema (2016), Batman: A Série Animada – Uma Revolução dos Heróis na TV (2020, Amavisse) e A Era dos Boçais (independente, 2021). Conversei com o André que organiza em São Paulo o 9º Santos Film Fest e além disso é grande fã do Batman.

CCP: O que faz o Batman ser um personagem tão icônico ha 80 anos?

André: Batman é de 1939, ano que os historiadores tratam de “Era de Ouro” dos quadrinhos, publicado em “Detective Comics #27”. Batman é um personagem que não tem super poderes, vem de uma tragédia pessoal e isso criou uma forte identificação com o público. Nas primeiras histórias, o Batman protege muito as elites e só depois que ele vai proteger os mais desfavorecidos. O que faz o personagem ser tão querido, após todo esse tempo, é justamente ele ter versões diferentes que dialogam, se conectam com pessoas de idade diferente. Ele surge como um personagem soturno, depois isso precisou ser suavizado devido ao livro “Seduction of the Innocent” do psiquiatra alemão Fredric Wertham que apontava os heróis como a causa da violência no país, e o Batman foi a figura mais apontada.Isso resulta décadas depois na série dos anos 60 com Adam West e Burt Ward com um visual todo colorido, oposto das adaptações do herói nos anos 40. O herói enfim conseguir ir muito bem em várias mídas, nas hqs, na TV, no cinema. Eu adorava assistir a série quando criança e foi a primeira série a ter toda uma memorabilia ( brinquedos, versões do bat-móvel) fazendo dele objeto de merchandise muito antes de George Lucas com “Star Wars“, que já visava isso. O Batman ele eleva o patamar dos filmes blockbusters com os filmes de Tim Burton, mergulhados na estética do expressionismo alemão, do cinema noir. São ao todo 3 batmanias: Anos 60 com a série, anos 80 com os filmes de Tim Burton e anos 2000 com o Batman de Christopher Nolan. Aí vem o desenho “Batman The Animated Series” elevando o padrão das animações da TV. Tudo isso o faz um personagem muito amado, objeto de pesquisa acadêmica inclusive, um fenômeno da cultura pop.

CCP: Como crítico de cinema a fã de heróis, você acha que o gênero super herói está se desgastando no cinema ou está se renovando a cada produção DC e Marvel?

André: Não acho que vai se desgastar, mas é uma onda que está perdurando. Se pensarmos nos Westerns, quantos não foram produzidos, ainda teve os Westerns Spaghetti, produzidos na Itália, fora a televisão onde uma das séries mais longevas foi “Gunsmoke” que teve 20 temporadas realizadas entre 1955 e 1975. Para a história do cinema, o que marcou mais foram os trabalhos de John Ford e Howard Hawks. Com os super heróis não é diferente. Temos “Batman o Cavaleiro das Trevas” (2008) do Nolan, “Superman o Filme” (1978) com Christopher Reeve, na Marvel “Capitão América Soldado Invernal” (2014), “Os Vingadores” (2012), “Pantera Negra” (2018) que foi sobretudo um acontecimento cultural. Os filmes de Super Heróis ainda permitem uma diversidade de formatos, diferente do western mesmo que consideremos o Western satírico. Temos “Guardiões da Galáxia” (2014) que tem uma pegada de Star Wars, “Batman o Cavaleiro das Trevas” (2008) que fala de Máfia, remete a filmes policiais, “Homem Formiga” (2015) já é um filme de assalto, filmes de guerra como “Mulher Maravilha” (2018), ou seja, consegue ter filmes de gêneros diferentes. Não considero que super heróis sejam um gênero mas sim uma transposição de outra mídia que pode receber tratamentos diferenciados dentro do cinema como comédia, ficção científica, policial. Não podemos afirmar que há um desgaste porque as bilheterias são astronômicas, recém saídos de uma pandemia. “Homem Aranha Sem Volta Para Casa” (2021) teve US$ 1.8 bilhão em arrecadação, e o “Batman” de Matt Reeves custou cerca de US$ 100 milhões e arrecadou nove vezes o que custou.

CCP: Muitos apontam hoje que o cinema nacional vive a hegemonia das comedias. Qual seria o caminho a seguir para que o nosso cinema tivesse uma maior diversificação de conteúdo?

André: Não vejo uma hegemonia das comédias. Temos filmes de temática religiosa (Os Dez Mandamentos), filmes de temática policial como “Tropa de Elite” e “Tropa de Elite 2“, que foi durante muito tempo a maior bilheteria nacional, comédia com pitadas de sensualidade como “Dona Flor & Seus Dois Maridos“, filmes de temática espírita como “Chico Xavier” e “Nosso Lar“, dramas como “Dois Filhos de Francisco“, filmes biográficos como “Elis” e “Somos Todos Jovens” e muito mais. Precisamos dar continuidade a uma política de incentivos fiscais, lei do áudio visual, lei Rouanet, que mudou de nome agora. Quem critica a lei Rouanet se deixa levar pela desinformação. Precisamos mudá-la, aperfeiçoá-la, mas não acabar com ela. Veja só os Estados Unidos, que durante o Pós Guerra usava o cinema como ferramenta para difundir sua cultura, o American Way of Life. A gente conhece mais da Casa Branca do que do Palácio do Planalto, porque eles exportam sua cultura, seu cinema, e isso a Coréia do Sul vem fazendo também com o K-Pop, com os doramas. Tudo isso passou pelo incentivo do estado. França e Argentinas também fizeram seu cinema crescer e tiveram incentivos fiscais para isso. A gente teve a retomada lá em 1995 e filmes como “Lamarca“, “Carlotta Joaquina“, “O que é Isso Companheiro?” e “Quatrilho“, que tiveram indicação ao Oscar. Depois ainda tivermos “Cidade de Deus” e “Central do Brasil” mas aí em 2019 houve a paralisação da Ancine. Precisamos de quantidade para pode alcançar a qualidade. Isto aconteceu em Bollywood, em Hollywood. Não temos uma indústria de cinema gerando empregos para maquiadores, diretores, atores, coreógrafos, enfim. Precisamos dar continuidade e estimular a expansão para outros gêneros. O Eduardo Coutinho foi lembrado no Oscar, a Petra Costa teve indicação com “Democracia em vertigem“. O cinema é uma arte, mas é uma arte industrial, que precisa de dinheiro para ser feito, e por isso que incentivos fiscais são importantes. Nós temos talentos, alguns dos quais ficam lá para fora como Carlos Saldanha e José Padilha, mas temos muitos bons profissionais aqui no país precisando de investimento, de espaço, para transformar tudo isso em um grande negócio que movimente cadeia hoteleira, restaurante, turismo enfim. O caminho é esse, mas o governo interrompeu um ciclo de crescimento pois menospreza a cultura. Só assim, novos cineastas poderão aparecer e democratizar o cinema de forma que não fique restrito somente às grandes capitais.

CCP: O streaming vai acabar combo cinema como muitos profetas do apocalipse preveem?

André: Não acho, mas há uma série de fatores sociais e econômicos a se levar em conta. Os grandes filmes ainda vão ao cinema, os filmes de nicho também seu espaço em circuito mais restrito. Os filmes de super herói, por exemplo, gera uma grande expectativa no público. O filme médio é que precisa se reinventar, e daí seu espaço no streaming é uma opção. Hoje em dia as pessoas estão sem dinheiro e o cinema tem ficado uma diversão muito cara, veja o preço do combo da pipoca fora o deslocamento. Assim as pessoas escolhem ir ao cinema com os filmes eventos, filmes que levam a família, enquanto preferem muitas vezes maratonar as séries no streaming muitas vezes. O cinema vai perdurar pois é uma experiência coletiva, nos permite abstrair e mergulhar em um outro universo. Em casa a gente se distrai, fica no celular. O cinema é um lugar especial e mágico.

André e Paula Azenha convidam vocês para um dos maiores festivais de cinema do país, o 9º Santos Film Fest, de 20 a 28 de junho.

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