Por Adilson Carvalho
Que ninguém duvide que a figura de um espião ainda é extremamente atraente ao imaginário popular. Por isso a todo momento o cinema traz adaptações de grandes romances de espionagem, embora nem sempre sendo fiel às suas raízes literárias. A figura de um agente secreto em uma missão super confidencial e de grande importância não é uma invenção recente da cultura pop mas um arquétipo recorrente e romanceado de uma prática real e nada glamourosa. Suas origens remontam na verdade séculos de atividades e exercícios ligados a intrigas políticas e jogos sombrios nos bastidores do poder. Com o lançamento na Netflix de “Agente Oculto”, dos Irmão Russo, vamos rever as raízes desse gênero tão atraente.

O escritor norte americano James Finemore Cooper (1789 – 1851) – autor do clássico “O Último dos Moicanos” – foi um dos primeiros a criar uma história de intriga política nos romances “O Espião” (1821) e “O Bravo” (1831), precursores de um gênero que só seria reconhecido no século XX. A lendária agência de detetives Pinkerton, além de ter tido participação na captura de notórios fora-da-lei, conseguiu evitar um atentado ao Presidente Abraham Linconl através de ações de vigilância que comprovam a máxima de Sun Tzu, autor de “A Arte da Guerra”, que fala sobre “ser extremamente sutil, tão sutil que ninguém possa achar qualquer rastro”. Se sutileza e mistério são essenciais na espionagem, a elas se juntou uma arma ainda mais eficaz: a sedução. Com ela a exótica Margaretha Gestruida Zelle (1876 – 1917) ganhou a eternidade como Mata Hari, que durante a Primeira Guerra (1914-1918) trabalhou para alemães e franceses, sendo por isso executada. Dançarina e cortesã, Mata Hari agia tal qual Milady de Winter na trama dos “Três Mosqueteiros” , fazendo do sexo uma arma tão ou mais mortífera que uma arma de fogo. “Mata Hari” foi vivida no cinema por Greta Garbo em 1931 , Jeanne Moreau em 1964 e Sylvia Kristel em 1985. Sua figura de curvas sinuosas e movimentos furtivos inflamou a imaginação e serviu de imagem fundamental para a caracterização de agentes eficientes na arte de coletar informações.

O estouro de duas Guerras Mundiais e as intrigas advindas dos interesses políticos instigaram a necessidade de agir de forma vigilante e preventiva contra inimigos em potencial, comprovando que “a supremacia da guerra é derrotar o inimigo sem lutar”, como no tratado de Sun Tzu. O cinema mostrou isso em filmes como “Agente Secreto” (1936), “O Homem que Sabia Demais” (1934 e refilmado depois em 1954) , “O Sabotador” (1940) e “Intriga Internacional” (1959), todos do mestre Alfred Hitchcock e que deixaram bem claro a importância no mercado negro das informações confidenciais para atentados, insurreições e conspirações que podem abalar o equilíbrio de forças no mundo. O mundo bipolarizado do pós-guerra fez da guerra fria um elemento fértil para elaboração de tramas intricadas e teias conspiratórias. Mais do que nunca se via a importância de se controlar o fluxo de informações e evitar que o lado inimigo ganhasse qualquer vantagem. Manter vigilância constante significava se proteger. Nas palavras de Sun Tzu o lado vencedor de um conflito precisava de vidência, não de espíritos ou deuses, mas de homens que conhecessem o inimigo. Assim as atividades de contra-espionagem ganharam importância absoluta. Se James Bond tornou-se o mais popular dos espiões, também tornou-se modelo de um agente secreto mais próximo do super heroísmo, infalível em suas missões e sedutor bem sucedido que sempre salva o mundo de vilões megalomaníacos. Seus imitadores Derek Flint e Matt Helm seguiram o mesmo passo glamourizando a figura do super espião como um bon vivant que também salva o mundo.

A Espionagem, contudo, não é um jogo glamuroso e o autor Robert Ludlum soube manter os pés no chão quando criou o espião Jason Bourne. Uma arma humana treinada pelo governo para matar e que acaba por se tornar um embaraço e uma ameaça para o sistema quando perde sua memória. Sua história foi mostrada em “A identidade Bourne” (1980), “A Supremacia Bourne” (1986) e “O Ultimato Bourne” (1990), adaptados para o cinema a partir de 2002 com Matt Damon no papel de Bourne. Os livros de Ludlum são embebidos de ação e intriga, tendo sido escritos entre 1980 e 1990. Neles o agente secreto é simplesmente um assassino controlado por organizações que regem os acontecimentos das sombras fazendo uso de manipulações, traições e lavagem cerebral sem nenhum freio moral. Bourne também se distancia dos super espiões auto confiantes estilo James Bond já que em sua missão em campo não há aliados e o protagonista privado de sua memória só pode contar com seus instintos. Nos livros Bourne foge de seus empregadores, da justiça e trava um xadrez mental com o vilão Carlos, o Chacal, o terrorista mais letal do mundo inspirado em uma pessoa real, o mercenário e assassino venezuelano Ilich Ramirez Sanchéz, vulgo Chacal, que cumpre prisão perpétua na França. Em 1988, uma mini série de Tv (exibida no Brasil pela Rede Globo com o nome “Missão:Matar”) fez uma adaptação bem próxima do primeiro livro trazendo Richard Chamberlain como Jason Bourne e a ex-pantera Jaclyn Smith como Marrie. Nos filmes estrelados por Matt Damon, com exceção de alguns elementos dos livros toda a história foi reescrita. A personagem Marie (Franka Potente) é morta no segundo filme, ao contrário do livro em que se baseia. Na história original a segunda aventura de Bourne gira em torno de uma trama para provocar uma guerra entre a China e o mundo ocidental. Ludlum encerrou sua narrativa em “O Ultimato Bourne” com um conflito definitivo com o Chacal, travando um jogo de gato e rato com tensão crescente. Depois da morte do autor, Bourne assume novas missões em tramas escritas por Eric Van Lustbader. Do livro seguinte “O Legado Bourne” (2004) o filme só aproveitou o título apresentando outro desenrolar e outro protagonista, o agente Aaron Cross (Jeremy Renner). A esse livro se seguiram mais seis que certamente se adaptados provavelmente seguirão a mesma linha dos filmes. O novo entitulado apenas Jason Bourne é uma história original co-escrita pelo diretor Paul Greengrass. Podemos contar que o personagem criado por Robert Ludlum ainda terá outros retornos.