Por Adilson Carvalho
Iniciamos a série do mês dedicado à ficção científica literária e cinematográfica com este artigo sobre o icônico romance de H.G.Wells A Máquina do Tempo, Ainda este mês teremos muitos artigos, aniversário de H.G.Wells e entrevista com o Dr. Alexander Meirelles, do canal Fantásticurso. Aproveitem bem a partir de agora.
| “HÁ QUATRO DIMENSÕES CONHECIDAS PELO HOMEM, TRÊS DAS QUAIS DENOMINAMOS |
| OS TRÊS PLANOS DIMENSIONAIS DE ESPAÇO, E UMA QUARTA É O TEMPO” |

O homem do final do século XIX estava em um momento de transição na forma de se relacionar com o mundo a sua volta. Com a criação do automóvel aprendera a se locomover mais rápido, com o telefone pôde se comunicar entre as distâncias, substituiu o vapor pela eletricidade e vivia todas as transformações advindas do progresso. O homem ampliava o horizonte à sua frente e descobria novas possibilidades graças a esse avanço da ciência. A literatura não demorou a incorporar o impacto de novas descobertas à fértil imaginação de autores que desbravavam novas fronteiras. Na França, Jules Verne (1828 / 1905) nos levou ao redor do mundo, às profundezas submarinas à bordo do Nautilus, mas foi o inglês H.G.Wells (1866 /1946) quem ousou nos levar para o futuro. Há exatos 120 anos, Hebert George Wells publicou, aos 29 anos, seu primeiro livro que serviria de inspiração para diversas outras histórias do gênero, “A Máquina do Tempo” (The Time Machine).

É verdade que antes de Wells já haviam histórias que falavam em viagens no tempo como “Um Conto de Natal” (A Christmas Carol) de Charles Dickens, em e “Um Yankee na Corte do Rei Arthur” (A Yankee at King Arthur’s Court” de Mark Twain, em , mas nelas o deslocamento temporal se dava por efeito de mágica ou algum poder sobrenatural, sem qualquer base científica. Foi Wells quem deu à viagem temporal um apuro mais racional ao descrever, embora sem grande detalhes de seu funcionamento, uma ferramenta física capaz de transportar um homem através do corredor infinito das eras. Na história, um homem (cujo nome não sabemos) reúne seus amigos para anunciar sua invenção: uma máquina capaz de se deslocar não pelo espaço (através das três dimensões conhecidas) , mas através do tempo. Claro que seus amigos o recebem com ceticismo, apesar do brilhantismo de suas teorias. Decidido a provar seu intento, o homem se senta na poltrona diante do aparentemente simples painel de sua máquina, composto de duas alavancas e um cronômetro, e desaparece por uma semana. Ao retornar diante do olhar preocupado de seus amigos, ele narra sua incrível jornada ao ano 802.701, um futuro longínquo em que a humanidade foi resumida a duas raças: Os Elois, de porte pequeno e feições belas e os Morlocks, criaturas disformes e de hábitos canibalescos que vivem nos subterrâneos e se alimentam dos Elois. Estes são completamente indefesos e levam uma vida contemplativa e passiva. O viajante se revolta com os descendentes da raça humana e a total falta de perspectiva de evolução seja natural ou social.

Apesar do impacto de tentar alertar os leitores do futuro sombrio ao qual a raça humana pode se condenar, H.G.Wells usou da ficção científica como metáfora para retratar as contradições da era vitoriana: O abismo entre burguesia e proletariado observado com a Revolução Industrial, a luta de classes preconizada pelas teorias marxistas, a evolução das espécies de Darwin formam um conteúdo de sub-leitura em “A Máquina do Tempo”, bem como em outras obras do autor, ecos de sua visão apurada capaz de questionar o presente falando do que está por vir. Wells usou do artifício da viagem ao futuro para tecer sua visão crítica de um processo de industrialização selvagem que ignora a condição humana. É bem provável que H.G.Wells não tenha previsto que seu romance seria precursor das histórias sobre viagem no tempo, praticamente um sub´gênero dentro da literatura de ficção científica, da qual ele e o francês Jules Verne são os pais.