Por Adilson Carvalho

O filme Hitchcock (2012) de Sacha Gervasi, frustra quem espera conhecer mais sobre Alfred Hitchcock (1899/1980), não porque o filme seja ruim, mas porque sua duração não abrange todas as faces de sua figura polêmica. Sua persona que tornou-se sinônimo de todo um gênero, chegando a virar um adjetivo imitado, repetido, homenageado e influência explicitamente assumida nos trabalhos de nomes como Brian DePalma, M.Night Shymalan, David Fincher e até mesmo Steven Spielberg. No dia 13 de agosto o icônico diretor faría aniversário, bom motivo para celebrar os 124 anos de Hitchcock.

Alfred Joseph Hithcock nasceu em 13 de Agosto de 1899 em Londres, Inglaterra, filho de um verdureiro e educado dentro dos rígidos preceitos da educação católica, o que não o impedia de ser brincalhão e travesso fosse atirando ovos nas janelas dos quartos dos sacerdotes ou atirando bombinhas. Quando saiu da escola, foi estudar engenharia na School of Engineering and Navigation e também artes na Universidade de Londres. Hitch, conforme popularmente conhecido, entrou para o meio cinematográfico pela porta de trás. Aos 20 anos conseguiu emprego nos bastidores do estúdio inglês Famous Players Lasky elaborando os títulos dos filmes nos cartazes, ficando nessa função por dois anos até conseguir trabalho como assistente de direção. Foi nesse período que conheceu Alma Reville que tornou-se sua esposa e com quem viria mais tarde a ter a sua única filha, Patricia Hithcock. Chamando a atenção dos estúdios, teve sua primeira chance atrás das câmeras quando o diretor de “Always Tell Your Wife” adoeceu e Hitch foi chamado para terminar o filme.O cargo de diretor foi bem sucedido em filmes menores até mostrar talento para muito mais ao realizar The Lodger em 1927 sobre os crimes de Jack o estripador. Já se observa aqui sua tendência em trabalhar o medo e manipular as expectativas. Vários trabalhos se seguiram até Chantagem & Confissão (1929), o primeiro filme falado inglês. Dessa fase surgem clássicos em preto e branco como Os 39 Degraus (1935), Agente Secreto (1936) e Young & Innocent (1937). Foi David O.Selznick, o famoso produtor de Hollywood, quem importou Hithcock para a América contratando-o para Rebecca – A Mulher Inesquecível (1940) que foi premiado com o Oscar de melhor filme, mas não de melhor diretor. Desde então até sua morte em 29 de Abril de 1980 foram várias indicações mas nenhuma premiação, exceto por um prêmio Irving Thalberg pelo conjunto da obra que foi outorgado na década de 60. Foram décadas de um trabalho prolífico realizando filmes que se tornaram parte indelével da história do cinema. Sua habilidade de manipular as plateias e conduzir o suspense revelou uma fórmula que não dividiu com ninguém. Tanto que quando Gus Van Sant refilmou Psicose em 1990 seguindo os mesmos passos de Hitch, tomada por tomada, não conseguiu chegar sequer perto do mesmo efeito.

Hitch era excelente em fazer variações do mesmo tema: O inocente perseguido, a troca de identidade ou o personagem movido por alguma obsessão. Podia se repetir, se reinventar ou , até mesmo, refilmar a si mesmo como quando refez em 1956 O Homem que Sabia Demais, que realizara ainda em sua fase inglesa em 1934. Tinha pouca paciência com o estrelismo dos astros, chegando a causar polêmica quando declarou que os atores deveriam ser tratados como gado, motivo pelo qual teria tido problemas com Paul Newman com quem filmou Cortina Rasgada em 1966. Ainda assim, era um hábil condutor de atores nas palavras de James Stewart , que o comparou a um excelente cowboy e com quem Hitch fez 4 filmes, incluindo Um Corpo que Cai (1958), que foi recentemente escolhido pelo AFI (American Film Institute) como o melhor filme de todos os tempos, ainda que em sua própria época este não tivesse tido nenhum sucesso. Aliás, Hitch desprezava a crítica, se interessando mais pela resposta do público manipulado por um mestre absoluto na condução da narrativa aliado a um apuro técnico de sua equipe que constantemente contava com o fotógrafo Robert Burke, o montador George Tomansini , o maestro Bernard Herrmann, e a própria esposa Alma Reville que auxiliava Hitch em todos seus projetos conforme mostrado no filme de Gervasi.

O hábil diretor conseguiu utilizar a voz doce de Doris Day e torná-la parte essencial do clímax de O Homem que Sabia Demais (a canção “Que será será” foi premiada com o Oscar naquele ano), nos tornou cúmplices de um imobilizado James Stewart em Janela Indiscreta desnudando nosso próprio voyerismo, brincou com o medo primitivo e irracional em Os Pássaros, filmou Festim Diabólico em oito tomadas – dizem chegando a marcar no chão a posição que os atores teriam de ficar em cena e matou Janet Leigh , a própria protagonista, no primeiro terço de Psicose marcando o imaginário popular por gerações com a clássica sequência do banheiro que dura 45 segundos mas se perpetua em nossas mentes.

Apesar de tudo, nunca se enxergava como gênio. Mesmo tendo atraído elogios dos críticos franceses da “Cahiers Du Cinemá” e tendo sido admirado pelo próprio François Truffaut, um dos maiores diretores da Novelle Vague. Hitch se dizia despretensioso, sem qualquer intençãode criar uma mensagem moralizante ao final de seus filmes. Certa vez se autodefiniu como “Um pintor de flores” .Os críticos e analistas sempre apontavam que em seus filmes havia um elemento obscuro que engatilhava as ações : o microfilme em Intriga Internacional, o dinheiro roubado em Psicose ou o segredo sussurrado no ouvido de James Stewart em O Homem que sabia demais. Tais elementos foram batizados por MacGuffin e Hitch exerceu sua veia irônica , durante uma entrevista com Truffaut em que ilustra sua visão com uma anedota : “Dois homens se encontram a bordo de um trem e um deles pergunta o que era o pacote que carregava. O outro diz que é um aparelho para apanhar leões nas Montanhas Adirondacks .Quando o primeiro reage dizendo “Mas não existe leões em Adirondacks”, o outro retrucou “Então, não existe MacGuffin”.

Se o suspense é equação matemática, Hitch seria o senhor absoluto de sua essência ainda que rotulado por muitos. Hitch montou sua própria produtora (Transatlantic Pictures) em 1948, mas trabalhou junto aos grandes estúdios Hollywoodianos (Warner, Paramount e Universal), teve seu próprio programa de Tv (Alfred Hithcock Presents) que foi ao ar pela CBS de 1955 a 1962 e até aparece como desenho animado no 4º episódio da segunda temporada de Os Flintstones entitulado “Alfred Brickrock presents”. Nos anso 60 trocou os direitos de seus filmes por ações da Universal ficando muito rico. Com Psicose – adaptação do livro de Robert Bloch – alcançou o ápice do sucesso aproveitando todo o pessoal e técnica de sua experiência na Tv e provando ser também um gênio de marketing apresentando a história no trailer da época, e abrindo teste para o papel da Sra. Bates para que nada da história vazasse para a imprensa.

Conforme notório, tinha fixação pelas atrizes de seus filmes. Grace Kelly (com quem fez Janela Indiscreta, Disque M para Matar e Ladrão de Casaca) e Tippi Hedren ( Os Pássaros e Marnie – confissões de uma ladra ) alimentavam as paixões e o desejo de seu diretor. Ano passado a HBO produziu um telefilme estrelado por Toby Jones como Hitchcock mostrando seu assédio à atriz Tippi Hedren (Sienna Miller) que muitas das vezes tornava-se tortura. Retornou à Inglaterra no início dos anos 70 onde rodou Frenesi”e algum tempo depois seu canto do cisne se deu em 1974 com Trama Macabra. Tinha um projeto não realizada que filmaria com Sean Connery e Liv Ullman entitulado “The Short Night” quando disse adeus ao mundo. Sua obra foi redescoberta e valorizada até mesmo por seus detratores que reconhecem que aquela figura gorducha e sisuda foi um mestre cujas grandes obras (14 delas) já se encontram no formato de bluray desde o final de 2012 dando a oportunidade para a nova geração conhecer esse genial artesão que definiu nas telas a essência do medo.