Por Adilson Carvalho

Há 103 anos atrás nasceu um dos maiores atores da Hollywood clássica, então nada mais justo que lembrarmos da ilustre carreira de Edward Montgomery Clift, ou simplesmente Monty como foi conhecido durante toda sua vida.

Nascido em 17 de Outubro de 1920 em Omaha, Nebraska, juntamente com sua irmã gêmea Roberta, filhos de Ethel “Sunny” Anderson e William Brooks Cliff. Seu pai havia ganhado muito dinheiro trabalhando em um banco, mas perdera tudo durante o período da grande depressão. Seu pai extremamente austero e de temperamento agressivo teria sido a raiz dos demônios que consumiram Monty durante toda sua vida. Aos 13 anos subiu pela primeira vez nos palcos da Broadway na peça “Fly Away Home”, descobrindo que a atuação lhe permitia se libertar dos grilhões emocionais que o mantinham preso em um inferno íntimo. No inicio dos anos 40 conheceu a atriz de teatro Libby Holman, que influenciaria Monty e o direcionaria tanto sua carreira quanto sua vida pessoal. Libby teria sido, de acordo com o site imdb, o primeira e único relacionamento heterossexual da vida de Montgomery Clift . Sob sua influência, Monty teria recusado o papel principal de “Crepúsculo dos Deuses” (1950) – que foi para William Holden e o papel de xerife em “Matar ou Morrer” (1952) – que foi para Gary Cooper.

Desde o início de sua carreira o ator foi extremamente seletivo com os papéis escolhidos, estreando no cinema aos 28 anos em “Rio Vermelho” (1948), contracenando com o já renomado John Wayne. Monty tornou-se então um dos seis únicos atores a conseguir uma indicação ao Oscar, uma seleta lista que inclui entre outros James Dean e Orson Welles. Em 1953, trabalhou sob o olhar intimidador de Alfred Hithcock, o mestre do suspense. Seu papel foi o de um padre que guarda a identidade de um assassino como segredo de confissão e que, por conta disso, vem a questionar a validade de seu voto em “A Tortura do Silêncio” ( I Confess). Sua atuação mostrava a habilidade de encarnar tipos que carregam o peso de um dilema silencioso que refletia sua própria personalidade. Monty trazia esse misto de fragilidade e sedução que envolvia o público, se conectava com a tormenta existencial pela qual muitos passam mas sofrem calados. Montgomery Clift era um ator intenso, diferente do habitual entre as estrelas do período e , por isso frustrava as tentativas do controlador Hitchcock que não conseguia fazer o ator seguisse suas instruções.

Apesar de sempre estar associado a mulheres bonitas, Montgomery Cliff reprimia sua homossexualidade e lutava contra era usando o álcool como arma. Em 1952, foi escolhido pelo diretor Fred Zinnerman para o papel do soldado lutador Prewitt do romance de James Jones “A Um Passo da Eternidade’ (From Here to Eternity) realizado pela Columbia. Harry Cohn, chefão do estúdio, fez de tudo para impedir a escalação de Cliff, que muito queria a oportunidade de fazer o papel de Prewitt. Zinnerman bateu de frente com Cohn e exigiu que sem Cliff não faria o filme. A intensidade de Cliff era tamanha que, por exemplo, mesmo sendo dublado nas cenas em que aparecia tocando bongo, o ator treinou e passava horas ensaiando, muitas das vezes despertando estranheza em todos pela sua dedicação. O fato é que o ator projetava nos papeis o perfeccionismo com o qual sentia-se à vontade para lidar com os próprios demônios. A amargura de Prewitt em rejeitar a luta era um paralelo com as negações a que o ator se auto-infringia. Segundo Robert Legruber na biografia do ator, o próprio Burt Lancaster com quem Monty contracenou em “A Um Passo da Eternidade” se sentia intimidado ao contracenar com ele. A dualidade em sua natureza serviu ao seu papel de jovem ambicioso que comete atos questionáveis, até mesmo assassinato, em “Um Lugar ao Sol” (A Place in The Sun) de 1952, dirigido por George Stevens. O papel lhe rendeu sua segunda indicação ao Oscar de melhor ator e durante as filmagens tornou-se amigo para a vida toda da estrela Elizabeth Taylor. Esta lhe salvou a vida em um trágico epísódio que determinaria o inicio do fim para Montgomery Cliff. Em 1956, enquanto filmava “A Árvore de Vida” (The Raintree Conuntry), os atores se uniram a uma festa na casa de Liz Taylor, na época casada com Michael Wilding. Depois de beber a noite toda, Cliff saiu dirigindo seu Chevrolet e bateu contra uma árvore. Socorrido dos escombros por Rock Hudson e Liz Taylor, Monty sufocava com os próprios dentes que estavam entalados em sua garganta. Foi Liz quem o salvou retirando os dentes quebrados e pedindo socorro. No hospital, o ator foi submetido a uma melindrosa cirurgia plástica para reconstruir seu rosto, desfigurado no desastre. Seu papel em “A Árvore da Vida” foi quase substituído por outro ator, mas a amiga Liz Taylor garantiu aos chefões do estúdio que Monty conseguiria retomá-lo. Revisto com a tecnologia digital de hoje é possível perceber as mudanças no belo rosto do ator. Mais severas ainda foram as mudanças em seu espírito. Monty afundou ainda mais no álcool e na dependência de drogas, embora continuasse a ser um intérprete de grande capacidade de mergulhar nos papéis que representava como o do judeu intimidado por anti-semitas em “Os Deuses Vencidos” (The Young Lions) de 1958 no qual trabalho ao lado de Marlon Brando ( de quem se tornara amigo pessoal) e Dean Martin (reza a lenda que Monty teria ajudado Dean Martin a interpretar papeis mais dramáticos que os que estava acostumado a fazer). Voltou a trabalhar com a amiga Liz Taylor em “De Repente No Último Verão (Suddenly Last Summer) em 1959. Nos bastidores deste, tornou-se conhecido a constante implicância do produtor Sam Spiegel com Montgomery Cliff que cursava o caminho da auto-destruição. A dimensão era tamanha que segundo consta a atriz Katherine Hepburn teria cuspido no rosto de Spiegel para defender Monty.

Em 1961, Monty se juntou a Clark Gable e Marilyn Monroe para as filmagens de “OS Desajustados” (The Misfits) de John Huston. Um médico foi colocado de plantão durante as filmagens devidos aos problemas enfrentados por Marilyn Monroe e Montgomery Cliff, ambos apontados por muitos na época como uma “bomba prestes a estourar”, e que causava atrasos nas tomadas, muitas vezes por não conseguirem lembrar as falas. Segundo a biografia de Marilyn Monroe, esta teria dito a Cliff “Nunca conheci alguém em pior forma do que eu.” No mesmo ano, o ator conquistou nova indicação ao Oscar como coadjuvante em “Julgamento em Nuremberg” (Judgement at Nuremberg) e voltou a trabalhar com John Huston, já no ano seguinte em “Freud – Além da Alma” (Freud), cinebiografia do pai da psicanálise. O roteiro foi escrito pelo filósofo e crítico francês Jean-Paul Satre. Os problemas de saúde de Monty já estavam tão acentuados que os advogados do estúdio decidiram processar o ator, acusando-o de prejudicar o filme com os atrasos decorrentes de seu estado. O processo teve uma retrocesso súbito na noite do julgamento quando o filme tornou-se sucesso de bilheteria justamente por conta da presença de Montgomery Cliff no elenco, conforme provou seu advogado. Seu último filme foi “ Talvez Seja Melhor Assim” (The Defector) de 1966. Em 23 de Julho dess ano, Monty foi encontrado morto em seu quarto como consequência de um grave ataque cardíaco, causado por sua dependência em drogas e álcool. Muitos disseram então que foi o suicídio mais longo de Hollywood. O fato que transparece é que seu espírito morreu no dia daquele acidente. Apesar da imagem que lhe é imputada de alma atormentada, ele sempre fiel aos amigos que fez no mundo do cinema, que incluía Roddy McDowell, Marlon Brando e Liz Taylor, a quem chamava sempre de Bessie Mae.

Fica para a arte cinematográfica aquele olhar frágil mas belo capaz de resgatar sentimentos conflitantes através de uma atuação pungente que tocava a todos. Um grande ator como poucos conseguiram ser. Talvez a melhor definição seja parafrasear o ícone Marlon Brando que teria dito a Monty “Poderiamos nos degladiar para descobrir quem é melhor ator, mas sabemos que esse é você”.