ENTREVISTA COM A DUBLADORA E ATRIZ MIRIAM FICHER

Por Adilson Carvalho

Apresentação: Começou a carreira na Rede Globo, onde fez a novela Vejo a Lua no Céu (1976) aos 12 anos. Hoje são mais de 40 anos dedicados à dublagem, sendo a adorável voz de atrizes como Angelina Jolie, Drew Barrymore, Nicole Kidman, Salma Hayek, Winona Ryder. Uma das profissionais da voz mais amadas do nosso país, tenho a honra de entrevistar Miriam Ficher.

Adilson: Como você fez a transição da novela para a dublagem?

Miriam: Comecei fazendo pequenas participações, figuração, desde os 9 anos, fiz alguns testes e com 11 anos fiz um papel maior em juma novela chamada O Grito, na qual eu fazia o papel da Tereza Rachel quando pequena. Logo depois disso, eu fui contratada para fazer a novela Vejo a Lua no Céu (Rede Globo) quando tinha 12 anos. No ano seguinte já fiz Locomotivas, a primeira telenovela do horário das 19 horas a ser gravada totalmente em cores, e agora reprisada no Globoplay. Eu fazia a filha do Walmor Chagas. Nesse mesmo ano eu comecei a fazer teatro, infantil e adulto, até que fui chamada para um teste de dublagem. Naquela época não haviam muitas crianças fazendo dublagem continuamente, ou seja como elenco fixo, e assim eu comecei a fazer uma série chamada Família, exibida na Rede Bandeirantes, e dublada na Peri Filmes com a Angela Bonatti. Foi um aprendizado incrível começar a dublar aos 13 anos. Era uma série com muitos episódios, diferente de hoje que a maioria das série produzidas vem com 8 a 13 episódios por temporada. Veio a greve de 1978, aí eu parei um pouco e depois voltei a dublar.

Adilson: A dublagem tem uma coisa curiosa: Quando uma dublagem se fixa na memória afetiva, ela se torna indissociável à imagem do ator. Falando de Winona Ryder, não consigo imaginar outra voz que não a sua para a atriz. Você a dublou em Os Fantasmas se Divertem (1988), A Herança de Mr. Deeds (2002), Star Trek (2009) e Stranger Things (2016 / hoje). Como é ter sua voz em uma atriz tão popular e que se destaca nesse fenômeno da Netflix?

Miriam: Eu adoro a Winona, ela é muito intensa, carismática, em sua atuação. Eu a dublo desde pequena. Gosto muito de dublá-la e sinto uma grande responsabilidade em fazê-lo. É muito gostoso fazer essa série, é um fenômeno, impressionante. Stranger Things tem muitos jovens e isto gera identificação com o público, tem aventura, suspense, personagens com muitas diferenças. É muito interessante, sei que vem uma última temporada, mas a vontade é de não parar de dublar nunca.

Adilson: Ao dublar Salma Hayek em filmes como Gente Grande 2 (2013) e Casa Gucci (2022), o fato de ser uma atriz latina traz alguma diferença no processo de dublagem ou isso não acontece?

Miriam: Acho mais difícil dublar uma atriz britânica do que dublar uma atriz latina como a Salma Hayek. Uma atriz britânica tem uma outra forma de falar, mais formal e às vezes é mais complicado. Nunca senti dificuldade em dublar a Salma Hayek. Ela também é uma atriz maravilhosa, e eu a fiz também na animação Gato de Botas 1 e 2, ela faz a Kitty Pata Mansa. Entre as britânicas fiz a Tilda Swinton em Dr. Estranho (2016) e As Crônicas de Narnia – O Leão, a Feitiçeira e o Guarda Roupa (2005), fiz a Emma Thompson em Homens de Preto Internacional (2019) e Nanny McPhee a Babá Encantada (2005) entre outras.

Adilson: Você fez Nicole Kidman fez comédias como Esposa de Mentirinha (2011) e Jodie Foster em drama como Acusados (1988) e suspense como O Silêncio dos Inocentes (1990). Gêneros tão distintos guardam maior facilidade ou dificuldade para dublar

Miriam: Olha, amo comédia. A maior dificuldade da comédia, no entanto, é o processo de adaptação, da tradução, que quando é bem feita é maravilhosa. Era extraordinário entrar na Herbert Richers fazer uma comédia, depois ir para outro estúdio e fazer drama, em seguida um desenho animado e no mesmo dia uma novela mexicana, por exemplo. Um exercício, uma execução incrível. Ter a chance de transitar por todos esses gêneros, é gratificante demais.

Adilson: Entre as atrizes que você dublou, você tem alguma favorita? A lista é grande: Drew Barrymoore (Como se Fosse a Primeira Vez), Rebecca Fergunson (Missão Impossível 5, 6 e 7), Jennifer Connely (Hulk), Uma Thurman (Pulp Fiction), Angelina Jolie (A Troca), Elizabeth Banks (Jogos Vorazes), Meg Ryan (Mens@agem Para Você) entre outras.

Miriam: Eu adorava a Meg Ryan. Ela tem uma característica muito peculiar quando atua – igual à Drew Barrymoore – ela dá uma gaguejada. Tem a Debra Messing de Muito Bem Acompanhada (2005) e na série A Ex (The Starter Wife, de 2007), amo dublar também a Cate Blanchet, que fiz em Oito Mulheres e um Segredo (2018) e Tár (2022). Tem a Christina Appelgate, que é muito boa atriz, em Férias Frustradas (2015) , e a Rebeca Fergunson, devo dizer, é impressionante, uma camaleoa, diferente em cada papel que faz, como na série Silo (2023) da Apple TV. Ela é incrível, e eu a dublei também em Hércules (2014). Difícil demais escolher uma favorita pois admiro cada uma delas, cada uma traz uma particularidade espetacular. Mas a que eu gostaria de conhecer é a Drew Barrymoore.

Adilson: As animações que você fez incluem What If (2021) da Marvel, Gato de Botas (2001 e 2022) e uma das minhas favoritas Don Drácula (1979) onde você fez a Sangria. A animação é mais divertida? O processo criativo da voz é diferente dos live action?

Miriam: A Sangria de Don Drácula era muito fofa. A animação deixa o dublador mais solto, mais livre para criar a voz. Quando você faz uma pessoa de carne e osso, é completamente diferente. Desenho animado é mais divertido de uma certa forma.

Adilson: Existe algum papel que você gostaria muito de dublar, mas não teve ainda a oportunidade?

Miriam: Não, nada que eu pense. Tem coisas que eu não dublei mas foram muito bem feitas e eu nunca lamentei por isso. O que deixa uma tristeza é quando dublamos uma atriz por tantos anos, e de repente o cliente pede um teste de voz e resolve mudar o dublador fazer o quê, né ?!

Adilson: Falando de cinema, quem são seus ídolos? Tem algum filme favorito?

Miriam: Vou te falar…. Na atualidade amo a Drew Barrymoore, sou fã de carteirinha dela. Já tive admiração pelo Mel Gibson, mas depois soube de umas coisas sobre ele que me desencantaram. Já não o enxergo hoje como antigamente. Gosto muito até hoje do Jon Voight, que me marcou muito no filme Conrack (1974). este é definitivamente um filme que vale a pena rever. Engraçado que muito depois vim a dublar a Angelina Jolie, a filha dele.

Adilson: Você foi a voz da Charlene da clássica Família Dinossauros (1991-1994) e recentemente Tess em The Last of Us (2023). Como é sair na rua e ter a voz reconhecida pelo público por papeis tão marcantes nestas séries ?

Miriam: Engraçado porque a pessoa me ouve e às vezes fica na dúvida “pergunto ou não pergunto?”. Entro em uma loja e sempre alguém reconhece e diz assim “É ela !!!”, as vezes dentro de um uber. Quem gosta de assistir filmes dublados, tem carinho pelo dublador. Como agora temos a rede social, muitas vezes sou reconhecida também sem precisar falar. Tiro fotos e dou autógrafos, é muito legal.

Adilson: Temos talentos fabulosos na dublagem, temos tecnologia. O que falta hoje em dia para um melhor exercício da profissão?

Miriam: Eu diria como conselho que a humildade é o que vai fazer a diferença. Se você acha que atingiu um ápice, você não tem como crescer mais. E sempre podemos melhorar. Precisamos nos adaptar às mudanças, para crescermos. Ter sensibilidade para equilibrar o lado técnico e o lado da sensibilidade, da emoção. As empresas deveriam de dar, por exemplo, prazos melhores para os tradutores que vão verter o texto ao português, um pagamento decente para que eles possam pegar menos trabalhos e se dedicar mais aos que fazem. Boas condições de trabalho, maior respeito. Ainda estamos carentes de muita coisa.

Adilson: Tem sido muito discutido nos últimos meses o uso de Inteligência Artificial, o que foi um dos motivos mais agravantes que levou à greve de roteiristas e atores em Hollywood. Como você vê esse perigo ?

Miriam: É uma ameaça real à criação artística humana e às leis de direitos autorais. Uma máquina não pode reproduzir as diferenças de voz e intonação que temos. Ela pode aprender conosco e isto é que constitui uma loucura, a ideia de uma máquina que aprende comigo para tomar meu emprego. Isto precisa ser regulamentado pois senão na prática eles vão nos usar para depois nos exterminar, para não precisar mais de nós. Cada um de nós tem uma inflexão de voz própria, tenho a minha e você tem a sua. O americano fala como se estivesse cantando por exemplo, e quando dublamos existem diferenças. O americano diz “O que está havendo Johnnnn?”, e nós dizemos “O que está havendo John?”. Esta modulação é humana, esta criatividade não pode morrer. Por isso esta comoção mundial em torno do assunto.

Adilson: Que papel em um filme que você dublou, mais te emocionou ?

Miriam: São dois filmes: Mamãezinha Querida (1981), que é a vida de Joan Crawford, estrela do cinema hollywoodiano dos anos 40. Ela dotou duas crianças, mas ela as maltratava. Eu dublei uma delas quando criança e mais velha. Foi um fã quem me enviou uma dessas cenas e fiquei chocada na época em que vi o filme. Pensar que instinto maternal é esse ? Fiquei muito abalada. Outro que chorei muito foi Quando um Homem Ama Uma Mulher (1994) com a Meg Ryan, que sofre no filme de alcoolismo, ao lado de Andy Garcia. Chorei o filme todo.

Adilson: Pegando emprestado aqui o questionário desenvolvido por Bernard Pivot as próximas perguntas serão as últimas de nossa entrevista:

Miriam: Vamos lá !

Adilson: Que profissão diferente de atriz e dubladora, você imagina que poderia seguir?

Miriam: Psicóloga. Quando eu era pequena já quis ser professora e advogada. Cheguei a começar psicologia na faculdade, mas abandonei.

Adilson: Qual profissão você jamais seguiria?

Miriam: Jamais seria um algoz, como na idade média. Nos Estados Unidos onde a pena de morte é adotada, eu jamais conseguiria ser aquele que executa as pessoas.

Adilson: Qual som você mais gosta e menos gosta de ouvir?

Miriam: Olha, minha mãe tem 94 anos e usa aparelho auditivo. Quando ela tirou o aparelho temporariamente para limpeza de depois o colocou de volta, ela disse “Ah, que bom ouvir !”. Por isso, por ela, eu diria que qualquer som é bom. Agradeço a Deus poder ouvir, e essa frase de minha mãe ficou na minha cabeça. O som que menos gosto é o da buzina agressiva no trânsito.

Adilson: O que você gostaria de ouvir de Deus quando chegasse ao Paraíso ?

Miriam: Gostaria que Deus me dissesse que as pessoas que são mais caras para mim, e que estão lá antes de mim, estão na luz. Todas evoluídas, e na paz, prontas para me abraçar: meus bichinhos, parentes, amigos. E que os desafetos que deixei nessa vida me perdoam. Que tem espaço para a evolução. Gostaria de Deus me dizer que cumpri minha missão bem.

Muito Obrigado

Um comentário

  1. Amei a entrevista. Essa questão da inteligencia artificial é realmente preocupante, sabemos que o novo é inevitável e isso não é necessariamente ruim, porém tratar uma arte como a dublagem de maneira tão leviana seria uma pena.

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