ENTREVISTA COM FLÁVIO GALVÃO

Por Adilson Carvalho

Apresentação: Ator com diversos trabalhos na TV e no cinema, diversificou seus trabalhos nas principais emissoras do país como Tupi, Globo, Cultura e Record. Em início de carreira foi também dublador tendo emprestado sua voz para o Major Nelson (Larry Hagman) na clássica série Jeannie é um Gênio, participou do programa Vila Sésamo (1972) e mais recentemente foi a voz de Deus nas novelas religiosas da Record. Tenho a honra de conversar com Flávio Galvão.

Adilson: Este ano completamos 73 anos da primeira transmissão de TV no Brasil. Você fez três novelas na Rede Tupi em 1970 e 1971. Como foi esse início de carreira? Flavio: O grande passo que dei em minha vida foi ter ido trabalhar na Rede Tupi de Televisão, que se transformou em uma universidade. Embora eu tenha feito faculdade de Filosofia, a Tupi foi para mim uma universidade de teatro, cinema e televisão. Na época todos os grande atores de cinema e teatro foram fazer televisão, foram trabalhar na TV Tupi, e eu aprendi muito com eles. Trabalhei com atores como Percy Ayes, Lima Duarte, Henrique Martins, Wanda Kosmo, Nathalia Thinberg, todas estas grandes musas, grandes talentos, tive a honra também de ter trabalhado com Procópio Ferreira. Foi a Tupi quem me deu esta oportunidade.

Adilson: Você trabalho com o fantástico Fernando Torres em Amor com Amor se Paga, reprisado no canal Viva em 2022. Você interpretava o Tito e Fernando o Tio Romão, que tinha poderes de ler mentes e adivinhar as coisas. Você admirava o Tio Romão, e até o defendia das pessoas que falavam que ele era um bruxo ou extraterrestre. Como foi trabalhar em uma novela da saudosa Ivani Ribeiro? Flávio: A Ivani tinha a habilidade de fazer tramas valorizando os afetos e não apenas os desafetos de vilão e mocinho. As pessoas se identificavam com esses personagens. Tive também o prazer também de trabalhar aqui em São Paulo da primeira filmagem de Mulheres de Areia (1973), feita em São Paulo, e mais tarde Amor com Amor se Paga, filmada no Rio de Janeiro. Sucesso estrondoso. Ivani é uma das maiores novelistas da televisão brasileira, ela sabia como fazer aquilo. Ela se inspirava muito nos grandes mestres do teatro inglês, francês, enfim. Ela escreveu, por exemplo, uma novela chamada O Machão (1974), que era adaptação de A Megera Domada de Shakesperare. Ela sabia como construir sua dramaturgia em cima dois grandes clássicos.

Com Adriano Reis, Carlos Eduardo Dollabella e Wanda Estefânia em Amor com Amor se Paga (1984)

Adilson: Qual será, em sua visão, o futuro do formato “novela” em meio ao crescimento do streaming? Flávio: Acho que as novelas não acabarão, mas serão adaptadas a novos horários, sendo assim adaptadas a um público que está em casa na parte da tarde, talvez aos aposentados, por exemplo, ou aos jovens que chegam da escola e podem se interessar por histórias com muito humor. O caminho da novela não se perderá, mas é inegável que o streaming está cada vez mais forte. Minisséries curtas serão certamente um formato que se tornará um boom para a televisão brasileira. Precisamos de conteúdo para as plataformas e para a televisão. Há muito tempo diziam, por exemplo, que a televisão acabaria com o teatro e isto não aconteceu. A televisão até ajudou o teatro e o streaming não vai acabar com as novelas. Apenas serão um novo nicho de horário e público. Ferreira Gullar dizia “A arte é eterna porque a vida sozinha não basta”. A novela também é arte e cultura.

Adilson: Você trabalhou em duas novelas que foram refilmadas mais tarde. Primeiro Mulheres de Areia, e depois Éramos Seis, adaptação de Rubens Ewald Filho e Silvio de Abreu. O que você acha da onda de remakes que costumam ser feitos? Será que falta criatividade para criar novas histórias ou a refilmagem justifica-se no mercado de TV e cinema ? Flávio: Acho que há uma certa preguiça de criatividade hoje em dia. Quando um determinado horário está sem perspectiva, ele colocam um remake no ar. Mas as obras do Cassiano Gabus Mendes merecem remakes, valem a pena. Não tenho nada contra as refilmagens, mas existem tantos autores que não ganham espaço para suas histórias. Se o remake é inevitável, que pelo menos seja com autores como o Cassiano, que merecem ser revisitados. O Geraldo Vietri (Antonio Maria, Nino o Italianinho, Olhai os Lírios do Campo), aqui de São Paulo, merecia ter suas novelas refilmadas por exemplo.

Adilson: Você participou de duas novelas com conteúdo sobrenatural, O Todo Poderoso, na Band em 1979, e Corpo a Corpo na Globo em 1984. Você gosta do gênero? Qual seu filme de terror favorito ? Flávio: Não consigo ficar emocionado com filmes de terror. Meu filho adora filmes de terror, mas eu cheguei a gostar de Entrevista com o Vampiro (1994). O próprio diabo que eu fiz na novela Corpo a Corpo, eu pensei mais como um elemento da elite, da monarquia opressora. Parti do principio que o diabo deveria ser charmoso e elegante, ostentando uma Ferrari, uma cigarrilla de ouro. O que faz o diabo ameaçador é justamente o fato dele parecer encantador. Agradeço ao Daniel Filho, ao Dênis Carvalho e ao Gilberto Braga por este trabalho que considero muito bom.

Com Stênio Garcia em Corpo a Corpo

Adilson: Comédias leves sempre são agradáveis perante o público e você atuou em dois grandes sucessos: Amor com Amor se Paga (1984) e Cambalacho (1986). Textos cômicos são mais fáceis ou mais difíceis que textos dramáticos? Flávio: Tem uma lenda de que um ator shakespeareano estava no leito de morte, quando teria aberto os olhos para alguém que disse “Você está à beira da morte”. O ator então teria dito “Morrer é fácil. Fazer comédia sim é difícil”. No drama o texto provoca uma comoção, mas a comédia tem um timing certo para ter efeito. Para que o humor flua tem um miolo a ser conduzido a um desfecho específico, que precisa ser surpreendente.

Adilson: Que comédias do cinema você mais gostou? Flávio: Adoro as comédias do Jerry Lewis. Charles Chaplin, O Gordo & O Magro. Aqui temos o Hassum, que é muito bom. Tivermos o gênio Chico Anysio e adoro rever a Escolinha do Professor Raymundo. Outro bom de mencionar é o talentoso Jim Carrey, Woody Allen, Mel Brooks. A nossa televisão tem perdido muito por não dar espaço adequado aos comediantes. Para mim Jerry Lewis & Dean Martin foram muito marcantes. Eu não perdia Os Trapalhões, e tinha uma predileção pessoal pelo Mussum. Ele ficou meu amigo, durante um tempo trabalhamos na TV Tupi. Bastava uma careta do Mussum e eu começava a rir dele.

Adilson: Em termos de adaptações literárias, você esteve em O Outro (1988), adaptação de O Duplo de Fiodor Dostoievsky, em Tieta (1990) de Jorge Amado, ambos na TV, e ainda em Gabriela no cinema, em 1984, também de Jorge Amado. Sabendo das diferenças entre o cinema e a TV, qual é o segredo de uma adaptação bem-sucedida? Flávio: Acho que quem vai adaptar uma obra, precisa lembrar antes de tudo que aquilo é cinema, e não teatro, literatura ou telenovela, Ele tem que pensar em cortes de câmera, por exemplo, tal qual um diretor, e não pensar como um autor de texto escrito. Esse erro foi cometido na adaptação de Reds (1981), baseado na vida de John Reed, um jornalista e escritor socialista norte-americano que retratou a Revolução Russa em seu livro Dez Dias que Abalaram o Mundo. O filme ficou confuso, mas o livro é excelente. Tem que vislumbrar uma completa Mise-en-scène. Esse é o caso, por exemplo, do Walter George Durst, com quem já trabalhei.

Com Claudia Alencar em Tieta

Adilson: Qual é, na sua opinião, a melhor adaptação da literatura para o cinema ou TV? Flávio: Gostei muito de Hamlet (1990) de Franco Zefirelli, estrelado por Mel Gibson e de Memórias Póstumas de Brás Cubas (2001) de Andre Kotzel, estrelado por Reginaldo Farias. Também gosto muito de O Candidato Honesto (2014), que é uma adaptação dos filmes do Jim Carrey, escrito pelo Paulo Cursino. Tive orgulho de fazer O Fiel & A Pedra (1981) na Tv Cultura, baseada no romance do Osman Lins, escrita por Jorge Andrade e dirigida por Edison Braga. Livro lindo e um elenco fantástico que tinha Gianfrancesco Guarnieri, Cleyde Yaconis, Leonardo Villar.

Adilson: Você atuou um curto período de tempo na dublagem fazendo o Major Nelson, de Jeannie é um Gênio, e as animações de Hanna Barbera Maguila o Gorila e Matraca e Fofoquinha. Você já teve sua voz reconhecida por suas contribuições com esses trabalhos ? Flávio: Tem um canal de streaming chamado Pluto TV, que passa Jeannie é um Gênio o dia todo. Eu dublei por pouco tempo, mas dublei muito. Dublei o Steve MacQueen, por exemplo, em A Bolha Assassina (1958), dublei o Jean Paul Belmondo, em Acossado (1960), fui a segunda voz do Larry em Os Três Patetas, dublei várias animações de Hanna Barbera. Tivemos dubladores maravilhosos como o Borges de Barros, que fazia o Dr. Smith em Perdidos no Espaço (1965), o Bruno Neto, que fazia o Agente 86 (1964), o Telmo Avelar, o Jorgeh Ramos, que dublava todos os trailers dizendo “breve no cinema”. Eu sempre coloquei minha voz nos personagens, mas de forma diferente, cada um. A voz mudou e hoje é mais grave do que naquela época.

Adilson: No cinema você trabalhou com Bruno Barreto (Além da Paixão), Murilo Salles (Faca de Dois Gumes), Roberto Santucci (O Candidato Honesto) e Chris D’amata (SOS Mulheres À solta no Mar). Os caminhos do cinema brasileiro hoje são mais ou menos desafiadores do que na época da Embrafilme ? Flávio: Sou da época que tínhamos a Embrafilme e muita coisa mudou desde então. Tudo é mais desafiador hoje em dia, mas temos produções competentes que levam o público ao cinema.O Candidato Honesto (2014), por exemplo, teve depois duas semanas cerca de cinco milhões de espectadores. Há maior dinamismo atualmente que na época da Embrafilme. Fazemos filmes para termos uma indústria nossa, com repercussão internacional porque somos criativos.

Larry Hagman (dublado por Flavio) e Barbara Eden em Jeannie é um Gênio.

Adilson: Qual seu filme favorito? Flávio: Tem vários. Gosto muito de O Incrível Exército de Brancaleone (1966), A Marca da Maldade (1958), de Orson Wells, das comédias da Atlântida com Oscarito e Grande Otelo, Lampião o Rei do Cangaço (1963). O cinema argentino e espanhol também é muito bom. Gosto de Almodovar também.

Adilson: Que conselho você daria para quem quer começar a carreira como ator ? Flávio: Eu diria, ouça, aprenda com quem sabe mais, fiquem atentos. Tem uma música antiga que diz “Briga só com quem sabe mais”. Ouça e aprenda, use tudo o que você aprender em seu próprio histórico.

Abaixo o questionário desenvolvido por Bernard Pivot, e utilizado por James Lipton no Inside The Actor’s Studio.

Adilson: Que profissão diferente da sua, você imagina que poderia ter seguido? Flávio: Escritor.

Adilson: Qual profissão você jamais seguiria? Flávio: Médico, porque lidar com a vida humana me deixa muito apreensivo, apesar de ser deslumbrante e de termos médicos maravilhosos.

Adilson: Qual som você mais gosta e menos gosta de ouvir? Flávio: Amo ouvir Mozart. Certa vez alguém me disse que a diferença entre Bethoven e Mozart é que a música de Bethoven era ouvida nos céus e a música de Mozart vinha dos céus. Tem inclusive um filme muito bom sobre Mozart, chamado Amadeus (1984), de Milos Forman. O que menos gosta de ouvir é gritaria. Me incomoda muito pessoas gritando, querendo ganhar discussões no grito.

Adilson: O que você gostaria de ouvir de Deus quando chegasse ao Paraíso ? Flávio: Já aqui ? Não, não, volta.

Muito Obrigado, Flávio.

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