WARNER 100: CASABLANCA

Por Adilson Carvalho

 “É sempre a mesma história. Uma luta por amor e glória. Uma questão de fazer ou morrer.”  Esses versos extraídos da letra de “As time goes by” – eleita a segunda melhor canção do cinema americano pelo AFI  ( American  Film Institute ) – tema da história de amor de Rick Blaine, um americano expatriado rude e sisudo,  e Ilsa Lund, a bela esposa de um dos líderes do movimento de resistência nos conturbados idos de 1942, quando a Alemanha Nazista expandia agressivamente seus domínios territoriais e políticos em um conflito que já tomava então proporções globais. (Os Estados Unidos aderiram ao conflito em Dezembro de 1941). A Warner Brothers havia adquirido os direitos de filmagem da peça “Everybody comes to Rick’s” de Murrey Burnett e Joan Allison, que nunca fora encenada, por U$$20,000 – preço alto para a época. O roteiro tornou-se um dos filmes mais cultuados de todos os tempos, que veio a ser dirigido pelo húngaro Michael Curtiz, que durante 27 anos trabalhou fielmente para os Estúdios da Warner , tendo dirigido clássicos como Capitão Blood (1935) e As Aventuras de Robin Hood (1938) entre outros.

O Filme : A história de Casablanca é – a primeira vista – um romance convencional tendo a Segunda Guerra como pano de fundo. O café Rick’s reúne, como diz o nome original da peça, todos da cidade marroquina de Casablanca – no norte da África – ocupada pelos nazistas e sob a administração da França. Funcionando clandestinamente está um cassino frequentado pela mais alta nata do submundo da cidade: golpistas, ladrões, assassinos, alemães, franceses,e refugiados,  todos jogando com a sorte e muitos sonhando em conseguir ganhar o suficiente para fugir de Casablanca. É nesse lugar de sonhadores e desiludidos que o ladrão Ugarte (o ótimo Peter Lorre) deixa sob os cuidados de Rick valiosos vistos que permitem, a quem os possuir, o trânsito livre através da Europa Nazista. Ugarte morre na prisão do Capitão Renault (Claude Rains) que, para agradar ao recém-chegado Major Strasser, deseja prender um dos maiores líderes da resistência, o tcheco Victor Lazslo (Paul Henreid), que se refugia em Casablanca acompanhado de sua esposa. Em momento marcante do filme, ao som da belíssima “As time goes by”, cantada e tocada no piano por Sam ( Dooley Wilson – que na verdade não sabia tocar piano e apenas fingia enquanto um pianista tocava por detrás das câmeras – ), Rick (Humphrey Bogart) descobre que Ilsa (Ingrid Bergman), a esposa de Victor é uma mulher de seu passado, que conhecera  na França às vésperas da ocupação de Paris, quando Rick era um mercenário que auxiliava os aliados e Ilsa vagava sozinha por achar que Victor estivesse morto. O isolacionismo de Rick disfarça a amargura de um homem que foi abandonado por Ilsa e, por isso se sente traído, conforme revelado no flashback que Curtiz emprega no meio do filme, o que humaniza o personagem de Bogart perante a plateia. O dilema que se forma é ajudar Ilsa a fugir e perdê-la para sempre ou virar as costas e mantê-la em Casablanca, o que também significaria perdê-la já que seu idealismo político é a essência do que a faz respirar, o que Rick percebe quando na cena final diz que “Se ela ficar, vai se arrepender um dia”.

Essência do Romance: O dilema dos personagens Rick e Ilsa se forma em torno da exaltação democrática – bem de acordo com o espírito patriótico da Hollywood daquela primeira metade dos anos 40 – que se opunha à brutalidade do Nazismo que assolava o mundo. Todos os personagens refletem esse clima instável do mundo em guerra e escondem suas intenções, suas verdadeiras naturezas, de forma que o cínico (Bogart) disfarça seu sentimentalismo, a idealista (Bergman) demonstra traços de egoísmo, o oportunista (Rains) também consegue ser leal na virada decisiva para a história. Esse clima de incerteza em que nem tudo é transparente foi reforçado pelas constantes mudanças no roteiro, que foi reescrito durante as filmagens, e que Michael Curtis soube magistralmente capturar em cada cena. Curtiz, que reza a lenda era extremamente exigente em cena, e a conduzia com seu inglês macarrônico, foi maestro na condução de um elenco sensacional, tocando em um tema delicado dos tempos de guerra e desenvolvendo uma história envolvente e emocionante sem resvalar no piegas ou no ufanismo. Como não se sentir tocado na sequência em que o personagem de Paul Henreid, com o consentimento de Bogart, desafia os alemães cantando a Marselhesa e inflamando o patriotismo francês até então adormecido.

A Estréia & As Premiações. O filme teve sua premiére em 26 de Novembro de 1942, coincidindo com a libertação do Norte da África pelo exército americano, e lançado  dois meses depois. Casablanca teve 8 indicações ao Oscar : Melhor filme, diretor (Michael Curtiz), roteiro adaptado (Julius J. Epstein, Philip G. Epstein e Howard Koch) , ator (Bogart) , ator coadjuvante (Claude Rains), fotografia ( Arthur Edeson), edição (Owen Marks) e trilha sonora (Max Steiner), ganhando nas três primeiras. O tempo o fez ainda melhor e foi eleito pelo AFI (American Film Institute) como o segundo melhor filme da história do cinema.

O Elenco : Demoraria mais 9 anos para que Humphrey Bogart levasse afinal o Oscar de melhor ator por Uma Aventura na Àfrica dirgido pelo amigo John Houston. O papel de Rick Blaine ajudou a construir a aura romântica de Bogart que vinha de uma série de papéis de gangsters, e depois se notabilizou como a figura icônica do detetive dos filmes noir. Curiosamente, Ronald Reagan havia sido cotado para o papel de Rick. A sueca Ingrid Bergman havia recém chegado a Hollywood quando foi escalada para o papel de Ilsa Lund no lugar da inicialmente cotada Ann Sheridan. Bergman ganharia Três Oscars em sua carreira (dois como melhor atriz por A Meia Luz em 1945 e Anastacia a Princesa Perdida em 1957 e um de coadjuvante em 1974 por Assassinato no Expresso do Oriente. Foi o alvo de fofocas quando, no auge de seu sucesso em Hollywood,  deixou marido e filha e partiu para a Itália com o diretor Roberto Rossellini por quem tinha se apaixonado.

O Austro-Húngaro Paul Henreid teve, além do papel de Victor Lazslo, outro papel marcante no cinema protagonizando ao lado de Bette Davis A Estranha Passageira (Now, Voyager) também de 1942. Juntou-se a Humphrey Bogart e um grupo de opositores do MacCarthismo quando vários profissionais perdiam emprego por acusações de serem comunistas. Na década de 50, sua carreira cinematográfica começou a decair e dirigiu vários episódios da série de TV Alfred Hithcock Presents” O ator Inglês Claude Rains, o Capitão Renault, atuou em diversos filmes fosse como principal ou coadjuvante como O Homem Invisível (1933), O Fantasma da Ópera (1943), A Mulher Faz o Homem (1939), As Aventuras de Robin Hood (1938), Interlúdio (1946), O Lobisomem (1941) entre outros. Neste último interpretou o papel que coube a Anthony Hopkins na refilmagem de 2010. Lutou na Primeira Guerra e como consequência de um ataque era quase cego de um olho. Os atores Peter Lorre e Conrad Veidt vieram da Europa. Lorre era Áustro-Húngaro e protagonizou o clássico do expressionismo alemão M – O Vampiro de Dusseldorf de Fritz Lang em 1931, tendo trabalhado na primeira versão de O Homem que sabia demais de Hithcock em 1935, além de Relíquia Macabra (1941) –  em que contracenou também com Humphrey Bogart – 20000 Léguas Submarinas (1954) entre outros. Já Conrad Veidt era alemão e trabalhou também em vários filmes expressionistas como o clássico O Gabinete do Dr.Caligari (1920) , além de O Homem que Ri (1928), que serviu de modelo para Bob Kane criar o vilão Coringa nas histórias em quadrinhos do Batman. Veidt deixou a Alemanha por se opor ao partido Nazista mas fez poucos trabalhos no cinema americano morrendo de ataque cardíaco em 1943.

Ainda na década de 40, os Irmãos Marx com seu humor demolidor, já parodiavam o filme em Uma Noite em Casablanca, sendo uma entre as diversas paródias já realizadas. Nenhum outro filme alcançou aura tão mítica, entrando para a história do cinema americano com falas tão memoráveis, inclusive uma que nem sequer é falada no filme e que se popularizou com o passar do tempo : “Play it again, Sam” que serviu de título para uma comédia de Herbert Ross com Woody Allen (Sonhos de um Sedutor) em que este aparece tomando lições de sedução do espírito de Humphrey Bogart em pleno ano de 1972, mas com toda aquela atmosfera recriada direta de Casablanca. O apelo imortal do filme, produzido por Hal B.Wallis para a Warner Brothers, que recriou o exotismo do Marrocos em estúdio, mantém o mesmo fascínio que há 70 anos atrás , mostrando que o amor verdadeiro nunca vem dissociado do sacrifício e que as coisas que realmente importam permanecem enquanto o tempo passa.

Warner 100 continua na sexta com rebeldes sem causa no próximo artigo.

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