Por Adilson Carvalho

Magnificamente encarnado pelo hoje recluso Jack Nicholson, o detetive J.J. Gittes de Chinatown (1974), saiu da imaginação do roteirista Robert Towne, com colaboração do diretor Roman Polanksi. Sua inspiração, no entanto, data de décadas passadas, da linhagem investigativa do Philip Marlowe de Raymond Chandler e do Sam Spade de Dashiel Hammet. Cínico, cético e perspicaz, J.J é contratado para investigar um caso de adultério e se vê envolvido em uma teia de intrigas, mentiras e pistas falsas, no melhor estilo da estética noir, só que em cores. Roman Polanski usou cores para realizar um thriller investigativo nos moldes das produções B dos anos 40, no ciclo que foi de Relíquia Macabra (1941) até A Marca da Maldade (1958). Polanksi, contudo, preferiu não usar a narração em off, típica do gênero, fazendo o público acompanhar cada passo da investigação de Gittes (Nicholson).

Primeira produção independente de Robert Evans (vice presidente da Paramount), que fez deste o segundo filme de Polanski gravado nos Estados Unidos (o anterior foi O Bebê de Rosemary), conseguindo uma meticulosa recriação da Los Angeles da década de 30. O próprio John Houston, que dirigira Relíquia Macabra (1941) aparece no filme como o milionário Noah Cross, pai da conflituosa Evelyn Mulwray (Faye Dunaway). Reza a lenda que a atriz não teria se entendido muito bem com Polanski, que chega a fazer uma rápida aparição no filme como o capanga que corta o nariz de J.J. Outra situação inusitada foi a atriz Angelica Houston, que iniciou então um relacionamento com Jack Nicholson. Na cena do interrogatório com John Houston, pai dela na vida real, a pergunta “Mr. Gittes…do you sleep with my daughter” (Sr. Gittes, você dorme com minha filha?) ganha um curioso tom irônico. Curioso que o título do filme se refere ao bairro chinês em Los Angeles, que não existia em 1937, ano em que se passa a história, já que a original foi demolida em 1936, e só reconstruída em 1938. Em 1990, Jack Nicholson dirigiu A Chave do Enigma (The Two Jakes), fraca sequência de Chinatown, escrita pelo próprio Robert Towne. O filme de Polanski permanece como uma sutil parábola do mecanismo do poder, e dos paradoxos da América capitalista. Um clássico que merece ser revisto, disponibilizado para aluguel no Apple TV.