Por Adilson Carvalho
Nas Montanhas da Loucura é uma novela literária de horror e ficção científica escrita em 1931 por H.P Lovecraft, e publicada somente em 1936 após inúmeras rejeições. Hoje considerado um de seus melhores trabalhos, a história, narrada pelo geólogo William Dyer, acompanha sua expedição com um grupo de cientistas pela Antártica, e a série de desfortúnios e revelações perturbadoras que essa viagem acarreta.

Desde pequeno Lovecraft apresentava um fascínio pelo o continente Antártico, escrevendo diversas histórias que se passavam nesse local. Em um de seus livros, S.T Joshi, um dos seus principais biógrafos, diz que em 1920 a Antártica “era considerada uma das últimas regiões inexploradas da Terra em que grandes extensões de território nunca tinham visto pés humanos. Seus mapas contemporâneos mostravam uma série de espaços em branco, provocativos, e Lovecraft poderia exercitar sua imaginação ao preenchê-los… com pouco medo de contradição imediata”. Instigando mais ainda essa sua fascinação, umas das maiores expedições para a Antártica foi realizada entre 1928 e 1930, logo antes do livro começar a ser escrito, sendo esse acontecimento considerado umas das maiores inspirações para a história, já que Lovecraft incorporou na narrativa observações geológicas feitas na época, citando repetidamente dados coletados durante essa expedição. Além disso, sabe-se também que Lovecraft tinha uma hipersensibilidade ao frio, possuindo um sentimento odioso e repugnante em relação a ele que é transpassado de forma palpável para sua escrita. Outros dois fatores importantes que contribuíram para a construção desse livro foram o autodidatismo e o entusiasmo pela ciência que Lovecraft cultivava desde jovem, sendo considerado e aclamado por ser um dos primeiros autores a misturar histórias góticas clássicas de terror com elementos da ciência moderna (mas não vamos esquecer que Mary Shelley já havia feito isso um século antes com seu arrebatador Frankenstein, mas vamos guardar isso para um outro paralelo…). Desse modo, as experiências pessoais de Lovecraft e suas inspirações na ciência da época, são o que constroem a ambientação devastadora, sufocante e explosiva de “As Montanhas na Loucura”, fazendo com o que livro tenha um equilíbrio perfeito e inquietante entre ficção e realidade.
Bem, como dito acima, Lovecraft construiu essa história com base nos dados científicos de sua época. Dessa forma, a história, além de ter como personagens principais biólogos, geólogos, físicos e químicos, a todo momento nos traz discussões explícitas envolvendo tópicos da biologia celular, botânica, fisiologia, morfologia e evolução. Por conta disso, confesso que apesar da leitura estimulante e da alegria de ver esses temas sendo tão bem abordados numa obra ficcional, fiquei um pouco desnorteada com as inúmeras possibilidades de conceitos que poderiam ser explorados, das mais variadas formas, e se transformarem em vários paralelos únicos. Mas, depois de muito debate interno, decidi trazer os temas que permeiam a obra do início ao fim: a geologia e a paleontologia. Afinal, o absurdismo e terror da história tem seu estopim na descoberta de um fóssil que desafia todo o nosso conhecimento sobre a história evolutiva da Terra.
Antes de exemplificar com alguns trechos do livro, precisamos primeiro entender brevemente como a história do nosso planeta é dividida. Primeiro, é importante termos em mente que as maiores divisões do tempo geológico da Terra são chamadas de Éons. O mais antigo da escala é o Hadeano, que compreende o intervalo entre a origem da Terra e o surgimento das primeiras evidências de vida, existindo poucos registros rochosos conhecidos dessa época. Depois, temos o Arqueano, período no qual o planeta começou a resfriar e os núcleos rochosos e um clima primitivo começaram a se formar. As evidências de vida dessa época são muito escassas, mas foram identificadas em pequenos microfósseis de origem provavelmente bacteriana que viviam no mar por conta da toxicidade da atmosfera. Por fim, tem-se o Éon Proterozóico, período marcado pelo surgimento de algas que deixaram um grande registro fóssil em rochas calcárias e, consequentemente, aumento da concentração de oxigênio na atmosfera. Esses três Éons compreendem o período conhecido como pré-Cambriano que, de forma geral, abrange o início da vida na Terra e seu lento desenvolvimento até ao Éon Fanerozóico. Esse, por sua vez, é o mais bem conhecido atualmente, sendo subdivido em três eras: Paleozóico, Mesozóico e Cenozóico. Esse Éon é conhecido por sua grande “explosão” biológica na qual os organismos existentes começaram a evoluir para formas de vida mais complexas, expandindo-se pelos oceanos, para o ambiente terrestre e disseminando-se para o resto do globo. Por conta disso, as rochas desses períodos possuem diversas conchas e outros tipos de registros fósseis que são bem conhecidos.

Durante o livro, nós acompanhamos os relatos das descobertas feitas pelos pesquisadores ao longo da expedição, e todos eles são extremamente detalhados com os tipos de fósseis encontrados e a qual época eles pertencem. Logo na chegada da equipe na Antártica, temos o seguinte relato do biólogo da equipe “[…] Mas o mais importante de tudo era o vasto depósito de conchas e ossos que em alguns lugares quase obstruem a passagem. Arrastada de selvas desconhecidas formadas por fungos e samambaias mesozóicas, florestas de cicadotróficas do Terciário, palmeiras e angiospermas primitivas, essa mistura óssea continha ainda representantes dos períodos Cretáceo e Eoceno, além de outras espécies animais que nem mesmo o maior dos paleontólogos poderia classificar em um ano. Moluscos, carapaças de crustáceos, peixes, anfíbios, répteis, pássaros, e mamíferos primitivos- grandes e pequenos, conhecidos e desconhecidos [..]”. Esse trecho é finalizado com a certeza de que essas descobertas são como um portal recém-descoberto para os segredos de uma Terra oculta e Éons esvaecidos. Existem mais passagens como essa, sempre relacionando os organismos encontrados com o período em que existiram e o deslumbre dos personagens com suas descobertas nesse local inexplorado.
Entretanto, na época em que o livro foi escrito não tinha-se conhecimento acerca da existência de organismos microscópicos e unicelulares no período pré-Cambriano. Dessa forma, o início dos acontecimentos perturbadores do livro começa com a descoberta de rochas que apontam ser dessa época e traçam a criaturas altamente desenvolvidas em termos de cultura, tecnologia e organização social, denominadas na narrativa como “os Antigos”. Esse primeiro relato é descrito no seguinte trecho: “[…] Enfatize a importância da descoberta na imprensa. Representará para a biologia o que Einstein representa para a matemática e física. Alinha-se com meu trabalho anterior e amplifica suas conclusões. Parece indicar, como suspeitei, que a Terra presenciara um ou mais ciclos complexos de vida orgânica antes daquele conhecido, que tivera início com as células arqueozóicas. Evoluiu e se especializou há não menos que um bilhão de anos, quando o planeta jovem recentemente habitado por qualquer forma de vida ou estrutura protoplasmática normal. Pergunta-se quando, onde e como tal desenvolvimento ocorreu.” Depois desse ponto, as descobertas começam a se mostrar cada vez mais contraditórias e um ciclo de acontecimentos atordoantes inicia-se, levando os personagens a loucura e o leitor a se questionar sobre a vastidão e complexidade da origem da vida no universo.
Eu sou Juliana “Supertramp” Diniz, e agora te convido a expandir sua mente e contemplar a ciência que eu vi em “As Montanhas da Loucura”.
Música: Symphony No.9 in D minor Op. 125- Molto Vivace