Por Juliana “Supertramp” Diniz e Wanderson Clayton.
Na Natureza Selvagem (Into the Wild), é uma extensão de um artigo publicado em 1993 na revista Outside pelo escritor e alpinista estadunidense Jon Krakauer. O livro conta a trajetória do jovem Christopher McCandless (que mais tarde adotou o pseudônimo Alexander “Supertramp”, agora revelado, tal como eu), ao longo de sua odisséia pelos Estados Unidos que culminou em uma aventura final no Alasca. A obra também explora alguns aspectos da infância de Christopher, sua relação com sua família, carreira e dinheiro, buscando compreender um pouco mais sobre os motivos que o levaram, no verão de 1990, aos 24 anos, ao abandono quase completo da civilização e seu adentramento na natureza.

Em 2007, a história de Alex foi popularizada com sua chegada aos cinemas. Protagonizado por Emile Hirsch e com uma trilha sonora impecável composta por Eddie Vedder, vocalista do Pearl Jam, o filme é um retrato comovente dos dois anos de estradas percorridas por Alexander e dos encontros marcantes que ocorreram ao longo do caminho. Terminando na sua ida ao Alasca, o filme retrata os belos e melancólicos dias finais de Christopher e sua estadia no famoso ônibus Fairbanks 142 (conhecido como “Magic Bus”), que serviu como sua moradia durante esse período. Atingindo um grande público desde o seu lançamento, e responsável por influenciar pessoas até hoje, essa narrativa inspirou diversos viajantes e até mesmo amadores, sem preparo algum, a percorrem a mesma trilha remota de Alex pelo Alasca até o ônibus que se tornou um dos símbolos mais conhecidos por qualquer jovem, louco e rebelde que se preze. Infelizmente, em 2020, por conta de uma série de acidentes que acarretaram em operações de resgate de alto custo e até mesmo algumas mortes, a Guarda Nacional do Alasca determinou a retirada do ônibus como uma medida de segurança pública para tentar evitar essas ocorrências contínuas. O local para o qual o ônibus foi transferido não foi divulgado, as informações somente dão conta de que ele se encontra preservado em memória à família de Alex.
Entretanto, apesar desse grande impacto e admiração, a história de Christopher também é alvo de grandes críticas, principalmente vindas de alasquianos e viajantes mais experientes. Após 112 dias vivendo totalmente isolado na mata, o corpo de Aex, completamente abatido e nos estágios iniciais de decomposição, foi encontrado por dois caçadores que estavam passando pela região. Com a notícia de sua morte, o jovem foi rotulado de arrogante, presunçoso, soberbo para com a terra e despreparado para viver na natureza, principalmente nas inóspitas regiões selvagens do Alasca. Na época, acreditava-se que o motivo por trás da morte de Alex teria sido a ingestão de uma planta venenosa. Christopher teria confundido uma batata selvagem comestível com uma espécie muito próxima e parecida, porém tóxica, conhecida como ervilha-de-cheiro silvestre. A convicção de que ele cometera esse erro ingênuo contribuiu ainda mais para sua reputação de jovem indolente, perdido, estúpido e incompetente. Hoje, sabemos o quão precipitadas foram essas conclusões e Jon Krakauer, em seu novo posfácio na edição do livro publicada em 2015, fez questão de esclarecer essa história.

Christopher chegou naquela região do Alasca no inverno e durante as primeiras semanas que viveu lá teve sucesso em suas caças, complementando sua nutrição com o arroz que ele havia levado. Com essa alimentação um pouco mais regular Alex, mesmo já estando em um estado de semi-inanição, conseguiu viver bem. Entretanto, conforme as semanas foram avançando, McCandless, que já havia decidido retornar à civilização mas não conseguiu passar pelo rio voraz que não estava mais congelado, encontrava cada vez mais dificuldade em conseguir carne. Dessa forma, utilizando seu livro de botânica sobre plantas comestíveis, Alex passou se alimentar das raízes de uma espécie de batata selvagem, Hedysarum alpinum. Esse regime não ocasionou nenhum problema, mas a situação mudou subitamente quando ele começou a colher e ingerir as sementes dessa planta e não as raízes, conforme relatado em seu diário. A partir do momento em que as sementes passaram a constituir uma parcela significativa de sua já escassa dieta, Alex começou a apresentar uma queda vertiginosa de sua saúde física, relatando estar em uma condição de fraqueza extrema que o impedia de sair caminhando, deixando-o literalmente preso na floresta.

O que ocorreu é que apesar das raízes da planta serem comestíveis, suas sementes contêm uma alta concentração de L-canavanina, um antimetabólito armazenado em muitas espécies de leguminosas como mecanismo de defesa contra predadores. Esse aminoácido afeta o consumo e digestão de vários nutrientes, impedindo o corpo de transformar o que come em fonte de energia utilizável, fadando o organismo a morrer de fome mesmo que ele se alimente. Desse modo, a ingestão de quantidades relativamente grandes dessa toxina e o consequente acúmulo no corpo já fragilizado de Christopher, parecem ter sido determinantes para sua morte. Tendo isso em vista, é essencial ressaltar que mesmo quando se sabe que determinada parte de uma planta é comestível, outras partes da mesma espécie podem não ser, tendo concentrações perigosas de componentes tóxicos, que também podem podem variar de acordo com a localidade e estações do ano. E, para finalizar, na época em que Alex morreu não havia descrição na literatura científica sobre a presença desse componente na Halpinum, relatos de casos sobre humanos intoxicados após sua ingestão e muitos menos um aviso “cuidado com as sementes, pois elas contêm um constituinte de planta secundário altamente tóxico” no livro em que McCandless utilizava como guia.
Alexander “Supertramp” não foi um jovem ignorante, soberbo e egoísta. Ambicioso demais, talvez… pela busca de uma revolução espiritual, claro. Perto do fim, imerso na solidão a que se auto impôs, teve uma espécie de epifania. Completamente livre, experimentou momentos de felicidade genuína, mas entendeu que, essa felicidade, só poderia ser real e plena se pudesse ser compartilhada. Ele mirou o céu, se queimou no caminho e colidiu com as águas no final. Uma queda tão intensa quanto sua ascensão. Sua jornada foi incrível, corajosa e arrebatadora. Quantos de nós poderemos dizer o mesmo?
Eu sou Juliana “Supertramp” Diniz, e agora te convido a expandir sua mente e contemplar a
ciência que eu vi em “A Natureza Selvagem”.
Música: Guaranteed- Eddie Vedder
Conceitos científicos: Classificação Botânica ; Toxicologia Vegetal