Por Adilson Carvalho

Apresentação: Ator, dublador, diretor de dublagem, um dos maiores talentos que compõe a constelação de vozes famosas do Brasil. Elcio Romar é reconhecido onde quer que vá como a voz principal de Michael Douglas e Woody Allen no Brasil. Dublou Christoph Waltz em Django Livre (2012), Liam Neeson em Batman Begins (2005), Sam Neill em Jurassic Park, Gary Oldman em Harry Potter e o Prisioneiro de Askaban (2003) além de animações como Batman The Animated Series (Voz do Charada), Liga da Justiça (o vilão Vandal Savage), Thundercats (Snarf) entre muitos outros. No mundo dos games dublou League of Legends, a saga Assassin’s Creed, Call of Duty: Black Ops III e The Witcher 3: Wild Hunt.Tenho o imenso prazer de conversar com Elcio Romar.
CCP: Você nasceu no Meier e passou pela carreira militar além de ser bacharel em direito. Como foi essa passagem para a vida artística ? Sim, nasci no Méier. Sou bacharel em direito, mas nunca trabalhei na área. Fui funcionário público também por 11 anos até me decidir por investir na minha carreira, na carreira que eu gosto. Para mim, para a gente começar a ser feliz, ou você faz o que você gosta ou você gosta do que faz. Se não for assim, você não vai ser feliz. Fiz direito, sou bacharel, mas nunca exerci. Saí do emprego público e comecei a me aventurar. Passei por dificuldades, não foi brincadeira não. Mas, consegui. Se você sente que tem talento, tem competência, você se estabelece. Senão, eu teria que estar fazendo outra coisa até hoje. Mas graças a Deus faço aquilo que eu gosto.
CCP: Elcio, durante o tempo que tem dublado, você desenvolveu alguma preferência entre dublar animação ou live-action? Tanto faz, não há diferença. Eu adoro dublar, seja live-action, animação ou game. Cada trabalho eu encaro como um desafio. Claro que existe diferença entre dublar um filme americano, ou japonês, ou italiano, ou francês, mas não faço distinção nenhuma.

CCP: Como foi dublar personas tão diferentes como o humor de Woody Allen e a voz de Michael Douglas, que fez vários filmes de ação? Muda a partir do momento que um faz um trabalho mais sério como o Michael Douglas e o outro é um comediante, como Woody Allen. Quando fui chamado para um teste como a voz do Woody Allen, botei uma voz mais anasalada. E emplacou. Adoro os filmes do Woody Allen, seu humor crítico. Ele improvisa muito nos filmes, então eu tenho que improvisar também. No Michael Douglas eu faço uma voz mais grossa, é diferente porque a voz dele é mais próxima da minha voz, não tem muitas surpresas; mas olha Woody Allen não é brincadeira não.
CCP: Você foi a voz de Elvis Presley em cerca de 9 filmes. Como foi fazer a voz de um ídolo imortal como Elvis? Você gostou do filme recente sobre a vida do cantor? Foi uma emoção. Elvis fez parte de minha infância, mas o primeiro filme do Elvis que dublei foi Saudades de um Pracinha (1960), mas nele eu não fiz a voz do Elvis, fui a voz de um dos amigos dele. Quem dublava o Elvis alí era o Carlinhos Marques. Depois recebi esse presente de ter dublado o Elvis. Como disse, foi uma emoção muito grande. Um ídolo para mim, mais do que Os Beatles. O filme do Elvis eu ainda não vi, mas pretendo assistí-lo em breve, não só pelo Elvis, mas também pelo Tom Hanks, extraordinário ator.
CCP: Um dos meus filmes favoritos de aventura é Scaramouche (1952), onde você dublou O Marques DeMaynes (Mel Ferrer), os filmes clássicos eram mais difíceis de gravar em face da tecnologia mais limitada que a atual? Era mais divertido, no sentido de que a gente se encontrava e era como uma família, dois, três, quatro na mesma bancada dublando. Hoje em dia, você dubla sozinho, porque a tecnologia permite isso. Naquela época não permitia, mas as dublagens antigas não ficam nada a dever às mais atuais. Outro dia revi O Crepúsculo dos Deuses (1950), um dos trabalhos que tive, e cuja qualidade é impecável, sem nada a dever aos de hoje. Tínhamos na equipe o trabalho do operador, do diretor, do mixador de som e outros que ajudavam a fazer uma gravação de qualidade. Som perfeito, interpretação perfeita.

CCP: Você atuou em cerca de 30 novelas. Entre elas, ficou muito marcado para mim em minha memória o Zé Mário de A Gata Comeu (1986), contracenando com Laerte Morrone, Mayara Magri e Roberto Pirillo, mas também esteve em Marina (1980), Barriga de Aluguel (1990), Zazá (1997) na Rede Globo, e mais recentemente Bellaventura (2017) na Record. Qual desses trabalhos te marcou mais? Tive carinho por todos, todas elas me marcaram, mas A Gata Comeu teve uma dimensão extraordinária, existe fã-clube também até hoje da novela, foi um trabalho maravilhoso, o elenco foi muito bom mas devo dizer que um dos trabalhos que mais me marcou foi a novela A Sombra dos Laranjais, que fiz em 1977, fantástico e que se passava em um circo. Eu ficava com os palhaços, o mágico, o engolidor de fogo. Era uma festa trabalhar nessa novela, até porquê adoro o mundo do circo.
CCP: Em 1984 você dublou uma série de TV, que é uma das minhas favoritas até hoje: O Homem que Veio do Céu, no papel do anjo Jonathan Smith (Michael Landon). Saiba que mesmo que Michael Landon tenha sido dublado por outros, é a sua voz que sempre identifiquei com Michael Landon, um dos meus atores favoritos. Que lembranças você tem do trabalho nessa série? As melhores lembranças possíveis. Eu ia dublar aquela série com prazer. Eu adorava a mensagem da série, o ator, as histórias. O Michael Landon fazia um anjo sempre querendo ajudar alguém. Em vários episódios eu me emocionava, cheguei a escrever uma carta na época para o Michael Landon, mas nunca foi respondida. Nem sei se ele sequer leu.

CCP: Você foi a primeira voz de Sonny Corleone, o papel de James Caan em O Poderoso Chefão, que depois foi redublado depois. Por que os estúdios insistem em redublar trabalhos já consagrados como esse? Eles simplesmente decidem às vezes refazer algumas dublagens. Vejo muitas vezes alguns filmes dublados há muitos anos e com qualidade ainda fenomenal. No caso de O Poderoso Chefão, por exemplo, você tinha o Silvio Navas, fabuloso fazendo a voz do Marlon Brandon. Não há um motivo que justifique algumas redublagens. Claro, que gravações de sessenta anos atrás, de quando a dublagem começou, perderam qualidade, ficando chiados e o barulho do projetor de fundo, mas trabalhos de um passado mais recente são redubladas sem necessidade.
CCP: Você chegou a encontrar pessoalmente um dos atores que você já dublou? Certa vez estava em Nova York e vi o Woody Allen, à distância, tocando jazz em um hotel. Ele é um excelente músico, mas não consegui chegar perto dele. Woody entra e sai do lugar e não deixa uma oportunidade de falar com ele.
CCP: A dublagem no Brasil já recebeu elogios e também críticas negativas daqueles que gostam do som original. Como um profissional do ramo da dublagem, como você analisa esta comparação? Não há necessidade atualmente de ficar reclamando, pois a tecnologia permite você selecionar o canal de áudio desejado, em inglês com legendas, ou em português. Mas para ver um filme em sua totalidade, o essencial é ver sem se preocupar em ter que ler as legendas, que distraem a percepção da cena. É onde a dublagem ajuda. Há vários trabalhos elogiados onde a dublagem melhora a atuação dos atores em cena como o Mário Monjardim, que dublou o Festus, o assistente do xerife na série clássica Gunsmoke. Trabalho maravilhoso do Monjardim.
CCP: Qual personagem você não dublou mas gostaria de ter dublado? Por quê? Nenhum em especial. Acho que dublei tudo que quis em minha carreira. O que vier, claro farei o melhor trabalho possível, mas não tenho algo específico que eu queira demais.
CCP: Você já dublou um super herói, da Marvel lou da DC ? Já dublei também o Superman do George Reeves, a série em dvd, mas não sou muito fã dos filmes de super herói.
CCP: Você tem alguma referência que lhe inspire na arte da dublagem? Um ídolo ou profissional do ramo que muito você vem a admirar? Tem muita gente especial. A minha paixão quando criança era o rádio teatro, programas como Jerônimo – O Herói do Sertão, as Aventuras do Anjo, depois fui trabalhar na Rádio Nacional, e tive aí o prazer de trabalhar com os atores que eu admirava. Eu aprendi com os mestres. Na escola de teatro você aprende a teoria, mas é com os colegas, na prática que você de fato aprende a fazer seu ofício. Tenho, no entanto, um carinho especial por um ator e dublador que foi meu vizinho, que foi o Castro Gonzaga. Tenho uma saudade dele. Conheci a família dele, e me correspondi com o filho dele o Reynaldo Gonzaga. Aprendi muito com o Castro, recebi muitos conselhos dele.
CCP: Você foi um dos diretores de dublagem da Herbert Richers e, depois na Som de Vera Cruz. Como você vê a diferença entre as casas de dublagem de hoje e as do passado? Os estúdios de hoje são bem mais aparelhados que os de antigamente. Há também estúdios que não ficam nada a dever aos da Herbert ou da VTI. Temos a AudioCorp, a Delarte e outros que são estúdios maravilhosos. Eles inclusive ofereceram uma grande comodidade aos dubladores, pois antigamente dublávamos em pé, e hoje dublamos sentados. É muito mais comfortável. Logo, a modernidade é a grande diferença. Mas todas têm a magia.

CCP: Qual é a grande dificuldade para encaixar sua voz em personagem animado como o Snarf de Thundercats? E os games também? Não havia dificuldade. Era uma dublagem normal, já os games você dubla não através de uma boca, mas em um gráfico e você não pode ultrapassar aquela extensão. Na verdade, dublar um game é até mais fácil de dublar que um filme. Acho que hoje em diria eu nem faria aquela voz do Snarf (risos), mas foi divertido. Aquele desenho foi um sucesso.
CCP: Qual conselho você daria para os que gostariam de seguir a profissão de dublador? Primeiro lugar, tenha um registro de ator. Todo dublador é um ator, mas nem todo ator é um dublador. Depois de tirar seu registro de ator, faça um curso de dublagem. A dublagem não tem caminho do meio, ou ela é muito fácil ou ela é impossível. Aí começar a se inserir no mercado, claro.