ENTREVISTA COM O CRÍTICO DE CINEMA MÁRCIO SALLEM.

Por Adilson Carvalho

Às vésperas da cerimônia de entrega do Oscar 2024, converso com o meu amigo, o crítico de cinema Marcio Sallem, que desde fevereiro de 2010, criou o site Cinema com Crítica. Professor do Clube do Crítico e do Clube da Meia Noite, coautor dos livros 100 melhores filmes brasileiros (Letramento, 2016), Documentário brasileiro: 100 filmes essenciais (Letramento, 2017), Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais (Letramento, 2018) e Trajetória da Crítica de Cinema no Brasil (Letramento, 2019).

Adilson: Começou seu amor com a arte cinematográfica ?

Márcio Sallem: Curiosamente, há pouco tempo assisti a um programa de rádio onde uma pesquisa que dizia que a arte tem a ver com felicidade. Quanto mais você se expõe à arte, mais você deixa a felicidade te invadir. E o cinema é a arte que mais nos envolve. Minha paixão começa com meus irmãos que tinham o costume de alugar fitas VHS para assistirmos todos em casa. Eu devia ter seis ou sete anos de idade, eles me deixavam escolher um filme e nós assistíamos juntos. Eu também frequentava muito o cinema de rua, logo o cinema virou um programa familiar em minha vida, quase todos os domingos à noite. Assisti muito aos filmes dos Trapalhões. Minha paixão por cinema começou assim desde os tempos das saudosas locadoras até os dias de hoje.

Adilson: Os Trapalhões fazem parte da formação de um público cinéfilo no Brasil. As bilheterias dos seus filmes eram respeitosas, atraindo grande número de pessoas nas décadas de 70 e 80, não é ? Eu mesmo fui ao cinema pela primeira vez na minha vida foi para assistir O Trapalhão Nas Minas do Rei Salomão (1977). Você também assistia muito, não ?

Márcio Sallem: Certamente, de fato pessoas nascidas naquela época, como eu também, e que estávamos em grandes cidades, todos nós tivemos uma forte exposição ao cinema ao assistirem aos filmes dos Trapalhões, mesmo havendo movimentos como o Cinema Boca do Lixo, e outros, não há dúvida que foram os filmes dos Trapalhões e seu apelo familiar que carregavam as maiores bilheterias do país. A principal experiência das pessoas com o cinema brasileiro deve muito aos filmes dos Trapalhões.

Adilson: Hoje em dia, estamos dominados ainda pelas bilheterias advindas de filmes de grandes franquias, dos super heróis principalmente. Nada contra o gênero já que adoro os quadrinhos de super heróis, que coleciono. Mas vendo isento disso, o público já demonstra estar se cansando do gênero. Neste ano, tivemos Madame Teia que decepcionou o público, ano passado a Marvel ficou muito abaixo do esperado com As Marvels, e a Dc com The Flash. Esses filmes estão presos a uma fórmula, e não estão inovando. Você acha que será fácil para o gênero se reinventar diante do público? Qual será o caminho a seguir ?

Márcio Sallem: Interessante a pergunta. O último filme rentável do gênero foi Guardiões da Galáxia Volume 3, ano passado, último do James Gunn para a Marvel, antes dele assumir os projetos da DC. O filme dos Guardiões inclusive ficou entre as 10 maiores bilheterias de 2023. Tem um efeito de saudosismo, e de expectativa por uma conclusão do arco de histórias daqueles personagens, que caíram no gosto popular. Na animação tivemos um resultado muito positivo com Homem Aranha Através do Aranhaverso. Mas fora desses dois filmes, todos fracassaram. Se analisarmos a história do cinema, vemos que sempre foi assim: Um gênero ou sub-gênero alcança um destaque mas acabam provocando uma fadiga no público, pois repetem temas e fórmulas. Penso logo no Faroeste, gênero prolífico nas décadas de 40 e 50 até morrer aos poucos ao longo dos anos 60. Aí ele se reinventa no modelo do faroeste italiano e se renova diante do público. Nesse momento valores de produção diferentes passam a ser encontrados em contraponto aos filmes épicos de John Ford e Howard Hawks. É necessário que os filmes de super herói dêem um passo para trás pois trazem orçamentos inflados demais, tornando-se difíceis de se pagarem na concorrência com outras produções. Precisam diminuir sua escala e dar atenção maior à dimensão dos personagens. Você tem uma ênfase muito grande em sagas de universo compartilhado, viagens espaciais, efeitos especiais, mas pouco foco no indivíduo, no personagem. Voltar ao básico acho é o caminho. Particularmente não é meu gênero favorito, mas nunca torço contra, apenas me incomodo com a maneira como estes são feitos. Gosto de ver bons filmes sejam dramas húngaros ou até mesmo filmes de super herói. Nesse ano ainda teremos Kraven o Caçador, Deadpool & Wolverine. Vamos ver como será.

Adilson: Ano passado tivermos dois fenômenos de bilheteria com Oppenheimer e Barbie. Será que em 2024 teremos outro fenômeno comparável a Barbenheimer, captando esta insatisfação do público com estas franquias cansativas, e oferecendo algo mais conteudista como Oppenheimer, capaz de abrir um leque de discussões, ou como Barbie, divertido mas como uma mensagem. Como você vê isso?

Márcio Sallem: Sem sobre de dúvida, esse fenômeno chamado Barbieheimer será até estudado daqui pra frente. Em uma indústria que sabemos ser muito sexista, destinando os melhores orçamentos para filmes dirigidos por homens, ter um filme como Barbie, da Greta Gerwig se destacando é uma vitória e tanto. Por outro lado, Oppenheimer traz uma figura controversa como Robert Oppenheimer, o criador da bomba atômica, um sucesso de público e crítica. este ano temos em breve a estreia de O Dublê, com Ryan Gosling, dirigido pelo talentoso David Leitch, do primeiro John Wick. este filme vem com a promessa de devolver ao cinema de ação a coroa dos blockbusters clássicos. Temos Furiosa, a prequel de Mad Max, Planeta dos Macacos – O Reinado, Deadpool & Wolverine, que embora seja do gênero super herói, é voltado para um público mais adulto. Posso mencionar ainda o Gladiador 2, de Ridley Scott e Coringa 2. Entre as séries, o sucesso de Yellowstone é digno de nota, retomando elementos de um moderno faroeste. O Kevin Costner, inclusive, lança ainda no primeiro semestre o faroeste épico Horizon, em duas partes e Coppola promete com o vindouro Megalóplis. Este segue uma linha mais autoral tal qual Assassinos da Lua das Flores, do Scorcese, que vem se destacando nas premiações.

Adilson: Então podemos esperar surpresas para 2024, não?

Márcio Sallem: Sim, até porque devemos lembrar que ninguém sabia o que esperar do filme da Barbie. O trailer entregava muito pouco da história, e o estúdio soube como explorar bem o marketing para atrair o público às salas de cinema. Já Oppenheimer se ancora mais no prestígio notável do Christopher Nolan como realizador. O espectador quer entretenimento, e se o filme levar a alguma reflexão isto é um a mais, essencialmente o público quer se divertir.

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