CLÁSSICO REVISITADO | IRMA LA DOUCE

Por Adilson Carvalho

Jack Lemmon & Shirley MacLaine

Prostitutas no cinema já foram figuras mais ingênuas tal qual Julia Roberts em Uma Linda Mulher (1989) que encarnou uma prostituta com ares de Cinderela, ou Audrey Hepburn misturando um ar frágil, mas cativante no clássico Bonequinha de Luxo (1965). Nenhuma foi mais cômica ou mais doce, no entanto, que Shirley MacLaine em Irma La Douce, do mestre Billy Wilder,

O roteiro é adaptação de um espetáculo da Broadway assinado por Alexandre Breffort que fez muito sucesso no início da década de 60 encenado nos palcos por 524 apresentações e que chegou a ser indicado ao Tony, o Oscar do teatro americano, na categoria de melhor musical. Quando assumiu a direção, Billy Wilder (1906-2002) tirou os números musicais por não se sentir à vontade para filmar números de canto e dança que ficaram registros a uma única cena em que Irma dança em cima de uma mesa de sinuca durante uma comemoração. Na história, A chegada de Nestor Patu (Jack Lemmon – 1925 / 2001), um policial honesto e ingênuo, a um bairro parisiense em que a prostituição é a mercadoria mais valiosa. A mais cobiçada delas é Irma (Shirley McLaine aos 29 anos em seu 17º filme) – sempre trajando roupas verdes de suave tonalidade que lhe moldura a sensualidade atenuada por um cãozinho em seu colo que lhe confere um ar falsamente pueril. Quando Nestor faz uma batida no sugestivo Hotel Casanova, extremamente sugestivo, que serve de reduto para as meninas, o ingênuo homem da lei leva todas para a delegacia acompanhadas de seus clientes, entre eles o próprio comissário de polícia. Demitido da força policial, Nestor acaba acidentalmente se tornando o “protetor” de Irma e o bonzão do pedaço. As coisas seguiriam tranquilas não fosse o fato de que cafetão e meretriz se apaixonam e Nestor se corrói de ciúmes a cada “cliente” de sua amada.

Irma & Lord X

A aparente solução vem de um estratagema inventado com a cumplicidade do barman local, chamado simplesmente pelo apelido “Bigode” (Lou Jacobi – 1913 / 2009) que rouba a cena com sua ironia e vivência destilada em comentários espirituosos do tipo “Esse é o tipo de mundo em que vivemos. O amor é ilegal, não o ódio. Isto você pode fazer em qualquer lugar, com qualquer um…” ou “Ser excessivamente honesto em um mundo desonesto é como depenar uma galinha contra o vento. Você acaba com a boca cheia de penas.” Com o auxílio de Bigode, Nestor passa a trabalhar à noite – sem que Irma saiba – no mercado local e usa o dinheiro durante o dia para transar com Irma disfarçado como Lorde Inglês. Nestor torna-se, então, prisioneiro do próprio esquema já que Irma o julga desinteressado nela enquanto Nestor explode de ciúmes dele mesmo quando descobre que Irma planeja fugir com o falso Lorde. O que se segue é uma série de mal-entendidos no mais puro estilo farsesco, evidente principalmente quando Nestor ouve os conselhos de Bigode, que por trás de sua fachada de barman esconde um picareta da mais alta classe com várias identidades : militar, crupiê, advogado ou obstetra, que conforme o próprio faz questão de frisar por último “Isso já é outra história”.

Lou Jacobi – o sarcástico Bigode

Quando começou a desenvolver o filme, Wilder pensou em Marilyn Monroe como Irma e Charles Laughton (com quem havia trabalhado em “Testemunha de Acusação”) como Bigode, mas ambos faleceram antes o início das filmagens. O nome de Elizabeth Taylor surgiu em seguida, mas foi recusado por Wilder por temer que o relacionamento polêmico entre Taylor e Richard Burton prejudicasse o filme. Foi quando, Wilder chamou Shirley McLaine e Jack Lemmon ( com quem já havia trabalhado três anos antes em “Se Meu Apartamento Falasse” ) para o casal de protagonista. Shirley aceitou o papel sem ler o script, movida pela vontade de trabalhar novamente com Wilder e Lemmon, mas acabou desgostando do papel ao qual definiu como grosseiro e deselegante filme, chegando a se declarar surpresa quando foi indicada ao Oscar justamente pelo papel de Irma la Douce, sua terceira indicação pela qual declarou que caso ganhasse teria ficado embaraçada. O sucesso gera momentos curiosos já que apesar da repudia de MacLaine, o papel a levou até para a capa da revista “Life” . O filme também foi a estreia nas telas do ator James Caan e a primeira aparição no cinema do ator Bill Bixby, que interpretou o Dr.David Banner na clássica série de TV “O Incrivel Hulk”. O filme, lançado em 5 de Junho de 1963, custou em torno de US$5.000.000 e foi um sucesso, tendo conquistado o Oscar de melhor score musical, a cargo de Andre Previn. Visto hoje, apesar de algumas situações retratadas se prolongarem desnecessariamente, o filme se mantém como deliciosa diversão carregada do mais puro nonsense principalmente pela confusão causada pela dupla identidade de Nestor e pela sintonia do elenco orquestrado pelo mestre Billy Wilder, que consegue gerar simpatia mesmo para com personagens moralmente discutíveis. Já exibido na TV várias vezes, eu assisti pela primeira vez nas madrugadas do Corujão, há muito tempo, é possível achar o filme no formato de DVD, uma boa oportunidade para rever um filme que mostra, que ainda que não tenha sido perfeito, consegue ser uma lição do mestre Wilder de como divertir sem cair na vulgaridade, coisa que muitas comédias de hoje parecem não saber fazer.

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