Por Adilson Carvalho

A vida é cheia de atribulações, obstáculos e nos escapa o alívio de entender que apesar desses pesares a vida é bela, e merece ser preenchida com alegria e gratidão. É movido por esse pensamento que toda vez que assisto Cantando na Chuva (1952) me sinto reenergizado, estimulado a encontrar a alegria escondida e abafada pelos problemas que carregamos Assim foi em 1952, sete anos apenas após o fim da segunda guerra e foi no final dos anos 20 quando artistas precisaram se adaptar à transição do cinema mudo para o cinema falado. As dificuldades não eram apenas técnicas, mas também a própria voz de diversos atores destoava da imagem que projetavam nas telas. O roteiro de Adolph Green e Betty Comden evocou o glamour das estrelas do passado, e o lado grotesco das adaptações de microfones para captação das vozes. O produtor Arthur Freed encaminhou várias das canções que compôs com Nacio Herb Brown para que fossem reunidas e costuradas em torno de uma história. As canções foram compostas no final dos anos 20 e já haviam sido empregadas em outros filmes. Somente Make’em Laugh e Moses Supposes foram originalmente escritas para o filme. No caso de Make’em Laugh surgiram na época várias acusações de que esta era plágio de Be a Clown de Cole Porter.
A direção foi dividida entre Stanley Donen e Gene Kelly, este único responsável pelas coreografias. Na história do filme, Don Lockwood (Gene Kelly) e Lina Lamont (Jean Hagen) são dois dos astros mais famosos da época do cinema mudo em Hollywood. Seus filmes são um verdadeiro sucesso e as revistas apostam num relacionamento mais íntimo entre os dois, o que não existe. Porém o cinema falado chega para mudar totalmente a situação de ambos no mundo da fama. Com a ficticia Monumental Studios decidida a produzir um filme falado com o casal mais famoso do momento, Don e Lina precisam entretanto superar as dificuldades do novo método para conseguir manter a fama conquistada e principalmente lidar com o fato de que a voz de Lina é simplesmente horrível. A solução sugerida por Cosmo Brown (Donald O’ Connor) é usar uma outra voz enquanto a estridente Lina só mexe os lábios, nascendo assim a dublagem. Esta acaba sendo a voz da desconhecida Kathy Selden (Debbie Reynolds, então com 19 anos), por quem Don se apaixona. Assim como Lina Lamont, com a chegada do cinema sonoro, muitos atores do cinema mudo perderam suas carreiras porque suas vozes não combinavam com suas personalidades nas telas. Um exemplo famoso é o astro do cinema mudo John Gilbert (1897-1936). No entanto, não foi o som de sua voz que acabou com sua carreira, mas sim as falas ridiculamente floridas que ele tinha que dizer. As falas que o personagem de Gene Kelly diz em The Dueling Cavalier são baseadas nos tipos de falas que mataram a carreira de John Gilbert.
Os números musicais são fabulosos e não apenas a contagiante canção título, gravada com Gene Kelly ardendo em febre, em uma única tomada, usando água misturada a leite. Donald O’ Connor brilha ao som de Make’em Laugh, depois de uma exaustiva sequência de tomadas que culminaria com Donald saltando sobre a parede do cenário. Gene Kelly era exigente com a coordenação dos números musicais, levando Donald ao hospital e fazendo a inexperiente Debbie Reynolds (a mãe de Carrie Fisher, a Princesa Lea de Star Wars) chorar para conseguir acompanhar o ritmo esperado. O próprio Gene Kelly depois se desculpou com Debbie por isso. Ainda assim o trio encantou em Good Morning, gravada depois de 40 tomadas. O que dizer então do duelo de sapateado em Moses Supppses e a fantástica Broadway Melody com Gene dançado aos pés da belíssima Cyd Charisse ? Ela foi maquiada para se parecer com Louise Brooks (1906 – 1985) e teve que fazer uma dieta para eliminar os quilos extras que acabara de ganhar durante sua recente gravidez. Charisse, uma dançarina de balé que nunca havia trabalhado com saltos altos, teve que ajustar consideravelmente seu estilo de dança para combinar com o jazz de Kelly. O filme ocupa a primeira colocação na Lista dos 25 Maiores Musicais Americanos de todos os tempos, idealizada pelo American Film Institute (AFI), uma obra prima capaz de conquistar gerações. Simplesmente irresistível como sair na chuva cantando a alegria de se viver !
Filme dublado nos estúdios da Herbert Richers : Newton da Matta (Gene Kelly), Fátima Mourão (Debbie Reynolds), Nelson Batista (Donald O’Connor), Sonia Ferreira (Jean Hagen), Orlando Drummond (Millard Mitchell), Francisco José (Douglas Fowley).