PRELO & PELÍCULA | ASSASSINATO NO EXPRESSO DO ORIENTE – 90 ANOS

Por Adilson Carvalho

Há 90 anos que um seleto grupo de passageiros embarcou em uma luxuosa composição ficando confinados nela por força de uma tempestade de neve. Durante dias, até que pudessem retomar sua viagem, um dos mais ilustres passageiros: Samuel Ratchett – um riquíssimo empresário – aparece morto em sua cabine onde foi esfaqueado 12 vezes. Para que o assassino fosse encontrado, seria necessário correr contra o tempo, já que assim que a tempestade parasse, e o trem chegasse à parada mais próxima, o assassino poderia escapar. O detetive belga Hercule Poirot, a bordo do trem, assume as investigações que remontam ao sequestro e morte de uma criança, caso este não resolvido na época e que ganhara as manchetes internacionais.

Todo esse intrigante enredo foi fruto da fértil imaginação de Agatha Mary Clarissa Miller, nascida em 15 de Setembro de 1890, que alcançou a eternidade usando o sobrenome de seu primeiro marido: Agatha Christie (1890/1976). O referido livro que viria a ser chamar Assassinato no Expresso do Oriente, publicado pela primeira vez em 1º de janeiro de 1934, no Reino Unido. A história surgiu em sua mente quando a própria autora viajou a bordo do Expresso do Oriente durante uma viagem realizada em 1928. Além disso, o episódio do luxuoso trem preso durante uma tempestade de neve realmente ocorreu anos antes. O esmero da autora foi tamanho que ela incluiu detalhes sobre cada composição como a posição das maçanetas, a disposição das cabines e dos corredores inserindo em sua narrativa  precisão e realismo, dando aos seus leitores a sensação de também estar viajando junto aos magnatas e aristocratas, passageiros usuais do expresso.  A subtrama sobre o sequestro e a morte de um inocente foi retirada de um caso real: o dramático sequestro e assassinato do filho do aviador Charles Lindbergh que provocou comoção nos anos 30. Agatha escrevia movida por ideias surgidas de todas as formas e de todos os lugares. Durante sua estadia na Turquia,  hospedou-se no Pera Palas Hotel, onde escreveu o livro que seria publicado de forma seriada nas páginas do Saturday Evening Post em 1933, e com o título Murder on the Calais Coach até ser publicado pela primeira vez como romance em 1º de Janeiro de 1934 pela Editora Collins, lar das imaginativas histórias da Rainha do crime,  e contendo 256 páginas. Nessa época, a viagem no Expresso do Oriente havia atingido seu ápice de glamour e sofisticação, antes que a Segunda Guerra interrompesse o serviço do transporte. Na época,  Agatha  já era um sucesso editorial com mais de 20 livros publicados, além de contos publicados em várias coletâneas. Era uma celebridade no mundo das letras e Assassinato no Expresso do Oriente alcançaria a impressionante marca de 3 milhões de cópias vendidas na época. Agatha Christie (1890/1976) fez de seu detetive belga, Hercule Poirot, um dos maiores personagens do romance policial. Baixinho, com um indefectível bigode e sempre orgulhoso de suas pequenas células cinzentas, Poirot é até hoje a criação mais popular da autora britânica. Além de sua excentricidade e elegância europeias, Poirot é meticuloso em sua abordagem e nem um pouco modesto de sua capacidade dedutiva sendo comparável a Sherlock Homes. Tanto um quanto o outro dividem preferências, carregam uma legião de admiradores e estão no mesmo pódio entre os maiores investigadores da literatura.

Há 40 anos estreou a melhor versão de um livro de Dame Agatha, título de nobreza que lhe foi concedido pela Rainha da Inglaterra em 1971. Em 24 de Novembro de 1974 chegou às telas Assassinato no Expresso do Oriente (Murder on The Orient Express) dirigido por Sidney Lumet, que demorou para convencer a autora a permitir a adaptação que se tornou a melhor sucedida de um livro da Rainha do Crime. A produção recriou o requinte e o luxo dos vagãos do Orient Express nos famosos Estudios Pinewood em Londres, já que a composição original não mais existia. O filme reuniu um super elenco encabeçado pelo ator inglês Albert Finney (então com 38 anos) no papel de Hercule Poirot. Finney, que na época se apresentava no teatro em horário próximo ao das filmagens, seguia de ambulância para o estúdio e no caminho tinha a maquiagem, que o transformava em Poirot, aplicada em seu rosto enquanto o ator ainda dormia. Na lista de passageiros / suspeitos investigados pelo detetive belga estavam personagens interpretados por Sean Connery, Anthony Perkins, Martin Balsam, Michael York, Sir John Gieguld, Vanessa Redgrave, Jaqueline Bisset, Jean-Pierre Cassell, Lauren Bacall e Ingrid Bergman, tendo esta última ganhado por seu papel o Oscar de melhor atriz coadjuvante. Sua grande cena no filme, no entanto, se restringe a uns cinco minutos em cena, durante o interrogatório de Poirot. Curiosamente, Ingrid Bergman contracena com Lauren Bacall que na vida real era viúva de Humphrey Bogart, par romântico de Bergman no clássico Casablanca. O roteiro de Paul Dehner manteve o elemento envolvente da obra de Agatha e fez mudanças mínimas no material original como mudança nos nomes de personagens menores na trama, além da nacionalidade do diretor da linha férrea que de francês virou italiano. O filme foi indicado para um total de 6 Oscars, além da honraria de ser indicado para o BAFTA, o Oscar Inglês.  Na mesma época, Agatha já era a autora mais lida do mundo, e aos 84 anos aprovou a atuação de Finney como Poirot. Ela  compareceu à estreia do filme, satisfeita pela primeira vez com uma adaptação de uma obra sua para o cinema.  Essa seria sua última aparição pública antes de falecer de causas naturais em Janeiro de 1976. Assassinato no Expresso do Oriente ainda seria refilmado para a Tv em 2001 com Alfred Molina como Poirot. Essa adaptação subaproveitou a trama reduzindo o número de suspeitos e incluindo o interesse amoroso de uma mulher por Poirot, o que não existe no livro. Em 2010 uma nova adaptação , também para a TV, com David Suchet em elogiada atuação na série britânica que leva o nome do personagem. Entre dezembro de 1992 e Janeiro de 1993 ainda houve uma adaptação para a rádio BBC, dividida em 5 partes, com Poirot na voz de John Moffatt. Em 2017, Kenneth Branagah dirigiu e protagonizou a versão mais recente de Assassinato no Expresso do Oriente (Disponível no Star +), com roteiro de Michael Green, reunindo Tom Bateman, Lucy Boynton, Olivia Colman, Penélope Cruz, Willem Dafoe, Judi Dench, Johnny Depp, Josh Gad, Manuel Garcia-Rulfo, Derek Jacobi, Marwan Kenzari, Leslie Odom Jr., Michelle Pfeiffer, Sergei Polunin e Daisy Ridley. O filme serviu de primeiro de um Agathaverso que já conta com três filmes.

Tanto sucesso não significa que Agatha não tivesse seus detratores. Alfred Hithcock dizia desprezar seu estilo de narrativa que convencionou-se chamar pejorativamente de “whodunit” (quem fez isso?) . Contudo, inegável é o fato que Agatha Christie (1890/1976) tornou-se sinônimo do gênero literário que escreveu. Sua narrativa serviu de inspiração para diversos imitadores. Novas adaptações de seus livros são frequentes na mídia e indicam sem sombra de dúvida que se o crime não compensa, certamente ele cria seguidores, e entre tantos autores notórios Agatha Christie se destaca como uma excelente analista da natureza humana, nossas fraquezas e ambições que há décadas alimentam a imaginação de gerações de leitores.

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