Por Adilson Carvalho

Não há verdade absoluta e tudo que nos cerca depende de como olhamos para o objeto de cena. Tal afirmativa alimentou a imaginação do excelente Joseph L. Mankiewicz (1909/1993) que escreveu e dirigiu A Condessa Descalça (The Barefoot Countess) em 1954. O filme expõe as contradições e as vicissitudes de Hollywood, sem fazer concessões. Na história, o cineasta Harry Dawes (Humphrey Bogart) recebe uma segunda chance de estrelato quando ele descobre a camponesa Maria Vargas (Ava Gardner) dançando em uma boate em Madri, Espanha. Instigado por seu produtor, o financista Kirk Edwards (Warren Stevens), Harry a convence a fazer um teste e, em seguida estrelar em seu próximo filme. Mas quando a natureza possessiva de Edwards e as realidades do estrelato pesam sobre Maria, ela procura um amante genuíno com quem ela possa escapar, se apaixonando pelo conde Vincenzo Torlato-Favrini (Rossano Brazzi). O filme fascina em sua narrativa composta de flashbacks contraditórios contados pelas pessoas que cercam a protagonista, inspirada na figura de Rita Hayworth (1918/1987), que foi casada com o Príncipe Aly Khan. Maria Vargas é encarnada com uma sensualidade irresistível por Ava Gardner (1922/1990), no auge de sua beleza aos 32 anos. Outra figura reconhecível é o produtor milionário Kirk Edwards (Warren Stevens), um simulacro da figura mítica de Howard Hughes (1905/1976).

Embora Humphrey Bogart e Ava Gardner tenham tido uma boa química na tela, fora dela Bogart não ficou particularmente impressionado com ela como atriz. Ele comentou que Gardner não lhe dava nada com que trabalhar quando estavam atuando juntos. Alguns acreditam que os sentimentos desfavoráveis de Bogart em relação a Gardner se devem ao divórcio entre Gardner e seu amigo íntimo Frank Sinatra. A estátua de Ava Gardner usada no filme foi feita pelo artista búlgaro Assen Peikov. Após o filme, Frank Sinatra comprou a estátua e a instalou no jardim de sua casa em Coldwater Canyon. Embora a estrela nunca tivesse dançado na tela antes, ela ensaiou o número por três semanas. Quando a máquina de reprodução quebrou durante as filmagens, ela não perdeu um passo, dançando enquanto os figurantes batiam palmas no ritmo. Essa foi a primeira produção de Joseph L. Mankiewicz como roteirista, diretor e produtor, embora ele já tivesse produzido e dirigido ou produzido e escrito vários filmes. Foi também o primeiro de sua própria produtora, a Figaro, Inc., que teve apoio financeiro da United Artists, e seu primeiro filme em cores. Linda Darnell (1923/1965), que estava profundamente apaixonada por Joseph L. Mankiewicz, esperava que ele mantivesse o personagem Maria Vargas para ela. Perdê-la foi a maior decepção de toda a sua vida. Seu relacionamento com o diretor terminou logo em seguida.

O filme foj premiado com o Oscar de melhor ator coadjuvante para Edmund O’Brien, que também levou o Globo de Ouro na mesma categoria. Lamentavelmente perdeu o prêmio da Academia de melhor roteiro original, justamente um dos melhores da Hollywood clássica. A cada depoimento sobre Maria Vargas, um lado da fama é desnudado, analisado e dissecado, o que destoa da cultura da celebridade que temos hoje. Nunca temos os fatos narrados pela própria Maria Vargas, mas é justamente sua rebeldia, sua inquietude e sua beleza que impacta esta história de Cinderela no divã e uma mostra de uma Hollywood que desapareceu. Disponível na Prime Video.