ENTREVISTA | EDWIN LUISI

Por Adilson Carvalho

Apresentação : Ele já foi Freud, Mozart, assassino, transexual e abolicionista, Um dos atores mais versáteis e premiados do teatro brasileiro agraciado com o Shell, o Qualidade Brasil, o prêmio da APCA e outros. Na TV esteve em novelas de alcance internacional, e também no cinema em papeis em Mauá: O Imperador e O Rei (1999) e  Aleijadinho: Paixão, Glória e Suplício (2003), sempre emprestando seu talento para as artes cênicas. Já encenou Tennessee Williams, Shakespeare, Sófocles e teve passagens marcantes pela teledramaturgia na Rede Globo e Record. Tenho o prazer de conversar com o incrível ator Edwin Luisi.

Adilson: Você viveu personagens históricos no teatro, como Amadeus e Freud. Como a composição de um personagem histórico difere da maneira de interpretar um personagem fictício ?

Edwin: Bom, tem duas coisas aí totalmente díspares. Tem a dificuldade e a facilidade. A facilidade é que você montar ou mergulhar num personagem que existiu, sobretudo pessoas muito conhecidas, tem muito material para isso. tem coisas que escreveram a respeito dele, os intelectuais, os biógrafos. Não foram os dois únicos personagens que eu vivi que são reais, pessoas de carne e osso. Eu mergulhei na obra tanto do Mozart quanto na obra do Freud. O Freud tem livros, tem cartas, muitas cartas, tem coisas que escreveram a respeito dele, o Jung, enfim, tem uma biografia imensa. E eu tive que mergulhar nisso. E o Amadeus a mesma coisa. Apesar de ele ter vivido há muito tempo, ele deixou uma obra tão vasta, tão incrível, que claro que todos os compositores da época e depois dele escreveram a respeito das composições e sobretudo no temperamento. E são dois temperamentos completamente opostos. Se você pegar a figura do Amadeus, praticamente uma criança irreverente, mimada, mal educada, debochada, falastrão. O Freud é o contrário, um personagem introvertido, um personagem maduro, um velho antes da velhice. Quando eu o fiz ele tinha 36 anos, essa é a idade dele. Aliás, eu tinha 36 anos na época também. Eu li muita coisa do Freud. Eu tive tempo para estudar, e eu gosto de estudar, eu gosto de mergulhar. E é muito engraçado que o Amadeus, antes do filme do Milos Forman, a personalidade dele não era conhecida, era conhecida a música dele. E quando eu estudei e quando veio a peça pra mim, era um personagem muito irreverente, um iconoclasta. E eu fiz de acordo com aquilo que nós, eu, Flávio Rangel (O diretor), arranjamos dentro daquilo que tinha na peça e nos inscritos a respeito dele. Eu me lembro quando eu estudei, apesar de ter ganho prêmios com a peça, eu me lembro que a crítica, algumas pessoas falavam que era uma coisa exagerada. da peça que você fez?

Tom Hulce em Amadeus

Adilson: Foi feito um filme sobre Amadeus em 1984, não ? Foi antes ou depois da peça que você fez?

Edwin: O filme surgiu um ano depois que eu o fazia no teatro. Era tão idêntico que eu me comovi tanto, eu chorava vendo o filme por aquilo que nós captamos no texto. Porque dois atores de culturas diferentes, de países diferentes, com idades diferentes, a gente captou a mesma essência, o mesmo, tudo aquilo que o Tom Hulce fazia era a mesma coisa que eu fazia e vice-versa. As coisas que eu fiz, teve épocas que eu achei que o Tom Hulce tinha visto a peça e me copiado, inclusive, porque era muito parecido. É engraçado isso, né? Só depois da peça e descobriram esse traço do Mozart, esse traço até digamos infantil. Como ele foi uma criança prodígio, eu acredito psicologicamente que ele ficou preso ao passado quando ele era uma criança, onde os reis e as rainhas punham ele no colo e ele tocava o pianinho dele e fez um grande sucesso pela Europa. Mas eu fiz um outro personagem biográfico também, que também me rendeu todos os prêmios, que é “Eu Sou Minha Própria Mulher.” Eu fiz um personagem, quer dizer, eu fiz uns 22 personagens, mas a figura central da peça era um travesti alemão chamado Charlotte von Masdorf. Masdorf é o nome de uma cidade na Alemanha. Esse personagem me deu muita alegria, eu o fiz já maduro, já tinha mais idade, então eu acho que foi um condensado de toda a minha carreira, para poder fazer 22 papéis com vozes, posturas diferentes, porque com um levantar do ombro e com uma outra inflexão. O público descobria qual personagem estava fazendo naquele momento. Não precisava me apresentar ou não apresentar, depois que já tinha sido apresentado. Foi uma peça incrível e era biográfica também, lia respeito, mergulhei nesse universo. Enfim, esse é o prazer do artista, do ator, é estudar e conseguir passar para o público aquele universo e através daquilo que a gente está representando, ele poder fazer a catarse, o entendimento, fazer a lição de vida, né. Porque o que nós vivemos no palco são as emoções que as pessoas vivem e às vezes elas não sabem que elas têm representantes que têm o mesmo sentimento que ele achava que era único. Sobretudo as taras, os fetiches, o lado sombrio que a gente tem, que muita gente não fala com o outro a respeito disso, guarda pra si. Aí vai ver e fala, graças a Deus, eu não sou o único, tem gente, e o ensinamento que esse personagem me deu, ou esse ator me deu, eu vou usar pra mim. Que bom.

Com Lucélia Santos em Escrava Isaura

Adilson: Sendo o ator mais premiado do teatro brasileiro como você se relaciona com todo esse sucesso?

Edwin: O prêmio que você falou no início, o APCA, é a Associação Paulístia de Críticos de Arte. Isso é uma coisa. Agora eu ganhei prêmios mais importantes do que você, do que alguns que você falou, porque eu ganhei todos, Mulher 2, Mambembe 2, e um prêmio que eu acho que é importante que se diga, que se chama Faz a Diferença, do Globo. É um prêmio que se dá para uma pessoa do ramo, então tem assim, entre cenógrafos, diretores, atores, atrizes, figurinistas, pessoas que incentivam o teatro. Aí eles tiram do ano o que foi o mais importante. Eu tive o privilégio de ganhar no ano que eu fiz, “Eu Sou Minha Própria Mulher.”. Mas acho muito difícil falar sobre essas coisas, né? Eu não tenho nenhum prêmio exposto na minha casa, nenhum. Eu doei tudo, eu não tinha antes, guardava numa prateleira, num armário, aí eu resolvi doar todas as minhas coisas pra uma casa de cultura, lá na glória de um amigo meu que é maravilhosa, nem sei o nome de espaço agora de cor, e eu doei tudo e tá lá, tudo exposto. Então eu tenho um lado meu, que é claro que eu tenho orgulho, satisfação e uma certa vaidade em ter ganho todos esses prêmios.

Adilson: Tendo feito Algemas de Cristal, de Tennesse Williams, que sempre primou por personagens densos, como a catarse gerada pelo texto atinge o público hoje em dia diferente de como era antes?

Edwin: Na nossa montagem, essa peça do Tennesse Williams se chamava à Margem da Vida. A nossa montagem era deslumbrante e tinha Chaplin na trilha sonora. Se montamos espetáculos teatrais com Shakespeare e Sófocles é porque são textos universais, falam sobre aquilo que o ser humano vive e sente em qualquer lugar. Já fiz algumas peças que ficaram datadas, mas as de Williams falam de sentimentos humanos, e estes são os mesmos. Mudou a tecnologia, a forma de nos comunicarmos, mas os sentimentos não mudaram, o medo, a violência, a solidão. Os textos do Williams são que eu mais gosto, na verdade, entre os autores contemporâneos. Há uns 15 anos a Cássia Kiss e o Kiko Mascarenhas fizeram um nova montagem da peça e foi um sucesso. Textos como O Auto da Compadecida podem ser encenados até na Rússia, e serão atraentes.

Adilson; Voltando a personagens da vida real, que biografia você gostaria de poder fazer seja nos palcos ou nas telas ?

Edwin: Fiz dois austríacos né? Freud e Amadeus. Por que não um dia viver Hitler em uma peça? Talvez um dia.

Edwin em Tango, Bolero e Cha Cha Cha

Adilson: Durante um longo tempo você encenou Tango, Bolero e Cha Cha Cha. Esse papel foi um dos mais exigentes para você em termos de mergulho na psique de um personagem ? Foi difícil atuar com um tema tão delicado como viver uma mulher trans ?

Edwin: Foi um papel muito exigente fisicamente em primeiro lugar. Eu sempre fui um ator preparado fisicamente. Em 1976, o cooper começou a se popularizar, e lembro que praticávamos halterofilismo em espaço de hotéis em uma época em que não existiam academias como hoje. Cheguei a me tornar campeão de ginástica olímpica. Eu fui, enfim, atleta mas não era meu sonho continuar nisso, me tornar professor, enfim, Eu fui ao teatro, e isso ajudou a compor personagens como a Lana Lee. Não era somente andar de salto alto, havia toda uma preparação física, e precisei de um atleta para me preparar. Fiz a Lana em em duas montagens: Uma entre 2000 e 2002, e depois entre 2010 e 2012, quando eu tinha quase 60 anos. Na primeira a direção era da Bibi Ferreira. Lembro dela dizendo “homem não sabe andar de salto alto”. Ela queria que eu vestisse um salto baixinho, mas eu não quis. preferi o salto alto. De salto 2 passei a 7, depois a 10 e a 15. Ficava o dedão só no sapato praticamente. Essa é a parte corporal. Quanto à essência do personagem, usei minha observação para emular a maneira de uma mulher cruzar as pernas ou andar. Procurei não fazer um travesti, mas uma mulher. Eu demorava uma hora e meia para me vestir, era doloroso porque eu usava espartilho para afinar minha cintura, enchimento e cílio postiço, que era a pior coisa. Por mais másculo que seja um ator todos tem um lado feminino capaz de aflorar com a observação e a sensibilidade de tentar entender o universo feminino. Eu não fui a escolha inicial para o papel porque a Bibi me via mais como ator dramático, mas eu disse que poderia fazer comédia. Alguns colegas foram chamados, como o Bemvindo Siqueira e o Cecil Thiré, e ao final acabei sendo eu mesmo o escolhido.

Adilson: Cinema, teatro e TV. Qual seu favorito?

Edwin: Engraçado como são as coisas no Brasil, mas quando você faz uma novela, você é conhecido em todo o país. No meu caso, fiz papeis em novelas famosas como Escrava Isaura (1976), O Astro (1978) e Pão Pão Beijo Beijo (1983). As pessoas que moram fora do eixo Rio – São Paulo pensam que eu morri, porque não tem noção de que minha carreira é uma das mais profícuas que tem. Eu nunca parei de fazer teatro. As pessoas são desinformadas porque nosso país não investe na cultura, o sistema de educação é muito falho, a premissa de viver é maior do que buscar a informação. Logo, se você não faz televisão, você está morto. Muito complicado para mim porque a minha vida é só teatro. Gosto de representar na TV e no cinema, mas fiz escola de teatro porque amo teatro. É o que me faz feliz.

Com Ênio Santos e Dionísio Azevedo em O Astro

Adilson: Na TV lembro que seu personagem na novela Pao Pao Beijo Beijo (contracenando com a maravilhosa Elizabeth Savala) tinha o tema musical de Eduardo Duseki (Cabelos Negros), talvez voce nao lembre. Havia uma sinestesia na atuação: O olhar do ator, sua expressa corporal e a música que o acompanhava Por que isso hoje acabou? Não temos mais nas atuais produções de TV esta mesma mistura de emoções: visuais e auditivas.

Edwin: Acredito que seja uma questão de custo. Antigamente uma novela alcançava um ibope altíssimo, 90 ou 80 pontos, mas hoje chega a 30 . Na época, o plim plim da Globo no intervalo das novelas parava o país. O jovem de hoje não assiste novelas, mesmo as minhas que foram reprisadas recentemente, não chamam a atenção de uma geração que está no tik tok, na rede social enfim. É um mundo que mudou muito. Acho que o capricho mudou também. Como o ibope alto trazia muito dinheiro, a novela tinha mais investimento, era mais cuidadosa e artesanal. Tudo hoje é mais apressado.

Adilson: Entre seus papéis mais lembrados estão o Álvaro de Escrava Isaura e o Felipe de O Astro. Este último foi peça de um engenhoso whodunit que moveu o país na época. Textos românticos e de mistério ainda tem um apelo forte diante do público na sua opinião? Qual dos dois gêneros mais te agrada como ator?

Edwin: O ator gosta de um bom papel antes de mais nada. Os galãs românticos são muito maniqueístas. E antigamente era mais maniqueísta ainda, já que em tempos atuais eles são mais humanizados que os da minha época que tinham que ser exageradamente perfeitos. Eu prefiro personagens mais densos, que tenham alguma distorção. O herói romântico, por outro lado, te dá mais retorno do público. Uma novela como O Astro tinha história de amor além de mistério. Eu fui contratado pela Globo para ser um galã, eu estava em uma festa com uma amiga minha que era diretora de elenco de Globo, a Guta, e ela me apresentou à Janet Clair, em seu aniversário. Certa hora eu fui chamado e a Janete me deu o papel de um assassino. Eu quis logo, claro. Eu não aguentava mais fazer galã. Ela me advertiu que não contasse para ninguém para manter o segredo. Durante meses, o mistério de quem matou Salomão Ayala (Dionísio Azevedo) moveu o país. Tinha vários atores mais tarimbados do que eu para carregar esse mistério como a Ida Gomes, o Francisco Cuoco, a Dina Sfat, o Rubens de Falco, todos consagrados. Todos ficaram de suspeitos e tive dúvida se realmente seria eu mesmo que iria ficar com um personagem daquela importância na narrativa. Todos me perguntavam e nem mesmo para minha mãe eu disse. Depois de algum tempo, voltei a falar com a Janete e ela confirmou que seria eu mesmo o assassino. Muito leal da parte dela com um jovem ator como eu e ela manteve a palavra e me deu esta oportunidade. Foi fantástico, eu estava na época de O Astro me apresentando em uma peça de teatro com a Susana Vieira e a Natália do Vale. Não tinha ninguém na rua até o Teatro Glória porque todos queriam saber quem matou Salomão Aayala. Saiu na primeira página do jornal na época, dividindo espaço com a sucessão presidencial. Era o efeito de uma novela naquela época. Anos depois reencontrei o Dionísio Azevedo nas filmagens de Pão Pão Beijo Beijo, e fiz o Júlio, filho do personagem do Dionísio, e fiquei muito amigo dele e da esposa dele a Flora Geni.

Adilson; Falando de cinema, quais atores são seus ídolos? Que filmes você mais gosta?

Edwin: Eu diria Robert DeNiro, Al Pacino e Dustin Hoffman. Eles sempre me inspiraram.

Usando o questionário de Bernard Pivot, tradicional  nas entrevistas do Actors Studio, por favor diga:

Qual som você mais gosta de ouvir e qual você menos gosta de ouvir? Não gosto de barulho porque tenho hiper sensibilidade auditiva. Por isso digo que o som que mais gosto é o som do silêncio. Vou ao céu quando ouço Gal Costa e Emilio Santiago.

Que profissão, que não a de ator, você gostaria de ter seguido? Fotógrafo, oceanógrafo ou astrônomo, talvez um sapateiro, algo artesanal assim ou marceneiro.

Que profissão você jamais seguiria? Político

O que você gostaria de ouvir Deus te dizer no momento em que você chegasse ao Paraíso? A resposta mais séria seria ouvir Deus dizer ” Missão cumprida “, e a menos séria seria Deus dizer “O que? Você chegou mais cedo, Volta !”

Muito obrigado querido ator.

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