Por Adilson Carvalho

Atriz, cantora, dançarina e artista de vaudeville, considerada por muitos uma das principais estrelas da era de ouro de Hollywood dos filmes musicais. Garland recebeu o Oscar Juvenil, um prêmio especial em reconhecimento pela sua atuação em O Mágico de Oz (The Wizard of Oz) de 1939, ganhou um Globo de Ouro por Nasce Uma estrela (A Star Is Born) de 1954 e foi a primeira mulher a receber o Prêmio Cecil B. DeMille em 1962 pelo conjunto da obra na indústria cinematográfica, bem como um prêmio Grammy Lifetime Achievement Award, em 1997, e um Tony Award Especial, em 1952. Tanto talento e tantos prêmios acumulados contrastam com uma vida pessoal atribulada e sofrida, que gradativamente a levou a um fim triste, distante do glamour que Judy representou.

Nascida Frances Ethel Gumm, Judy Garland era a filha mais nova de Frank Avent Gumm (1886–1935) e Ethel Marion Milne (1893–1953). Em 1928, junto às irmãs Mary Jane e Dorothy Virginia formou as Gumm Sisters aparecendo em shows até conseguirem aparecer em curtas vitaphones (processo de gravação da banda sonora num disco que posteriormente era sincronizado quando da exibição do filme). No final de 1934, o Gumm Sisters havia mudado seu nome para Garland Sisters e Frances mudou seu nome para Judy, inspirada numa canção de Hoagy Carmichael. Várias histórias persistem em relação à origem do nome Garland. Uma é que foi criada após ter visto a personagem Carole Lombard, de Lily Garland ; outra é que o trio escolheu o sobrenome por causa do crítico Robert Garland. Anos mais tarde, a filha de Judy, Lorna Luft, declarou que a mãe escolheu o nome quando o produtor e cantos George Jessel anunciou que o trio de cantores “parecia mais bonito do que uma grinalda de flores“. Outra variação surgiu quando Jessel foi convidado do programa de televisão de Judy em 1963. Ele alegou que a atriz Judith Anderson enviou um telegrama contendo a palavra “Garland” (grinalda) e ela ficou na sua mente.

Judy foi uma criança prodígio, dividiu o protagonismo de uma série de fitas com Mickey Rooney até ser escolhida para viver a Dorothy de O Mágico de Oz quando tinha 17 anos. Era um sucesso atuando, cantando e dançando, mas era depreciada constantemente pelo próprio Louis B. Mayer, chefão do estúdio. O sucesso destes três filmes somados aos gravados em 1941, garantiu sua posição como maior estrela da MGM. Nesta época sofreu constante assédio sexual de diretores, produtores e atores. Judy tentou desistir da carreira artística, não suportando mais conviver nesse meio, onde sempre criticavam seu peso e sua aparência, e agora lhe assediavam, porém foi pressionada por sua mãe a continuar. Sob constante estresse profissional e pessoal, desenvolveu ansiedade e pânico, o que a levou ao alcoolismo, e vício em cigarros e barbitúricos. Judy e o músico David Rose casaram-se em 27 de julho de 1941. A atriz logo engravidou, porém sua mãe e os produtores a convenceram a fazer um aborto, através de remédios, para que não atrapalhasse sua carreira. Com medo, acatou a decisão, apoiada por seu marido, tendo até mesmo a alimentação controlada pelo estúdio. O casamento acabou algum tempo depois, mas não demorou para encontrar um novo amor quando conheceu o grande diretor Vincent Minelli, com quem se casou em 1945, aos 23 anos. Minelli a conduziu por sucessos como Agora Seremos Felizes e O Pirata. Do primeiro veio sucessos como The Trolley Song, The Boy Next Door e Have Yourself a Merry Little Christmas. Desse relacionamento nasceu de parto normal, em Los Angeles, a filha do casal, Liza Minnelli. Durante as filmagens de O Pirata, em abril de 1947, Judy sofreu um colapso nervoso, devido a síndrome de burnout, e foi internada em um hospital psiquiátrico para poder descansar. Nesta época tornou-se dependente de antidepressivos e ansiolíticos. Após recuperada, completou as filmagens, mas em julho desse ano após ser agredida pelo marido, por causa de ciúmes e controle constante a sua vida pessoal e profissional, onde Judy tentou o suicídio após beber muito, cortando os pulsos com o vidro da garrafa que havia quebrado, após beber. Garland nunca conseguiu se livrar de uma carência crônica que a acompanhava desde que nasceu em 1922. Não se achava bonita, bebia compulsivamente e se viciou em barbitúricos que gradativamente debilitavam sua saúde. Só o talento nunca a abandonou e foi mostrando esta garra que Judy estrelou com Fred Astaire o musical Desfile de Páscoa (1948), o filme mais lucrativo da MGM naquele ano, dirigido por Charles Walters. Este também veio a dirigir o último filme de Judy Garland para a MGM, o ótimo Casa, Comida & Carinho (Summer Stock), reunindo-a com Gene Kelly.

O fim de seu casamento com Vincent Minelli veio em uma época de grande esgotamento físico e emocional para Judy. Mas em 8 de junho de 1952, casou-se com Sidney Luft em Hollister, na Califórnia. O casal teve dois filhos: Lorna Luft, nascida em Santa Mônica, em 21 de novembro de 1952, e Joey Luft, nascido em Los Angeles, em 29 de março de 1955. Toda sua vida Judy experimentou o sucesso artístico na mesma medida que seguidas vezes sofria revezes. Seu primeiro álbum alcançou a posição de número 3 na Billboard 200. O concerto Judy at Carnegie Hall figurou por 73 semanas na lista da Billboard (incluindo 13 semanas na posição número 1), ganhando disco de ouro, além de ter ganhado 5 Grammy Awards (incluindo Álbum do Ano e Melhor Performance Vocal Feminino). Contudo, entrou para a história do Oscar ao protagonizar na vida real uma das maiores injustiças já cometidas pela Academia: Judy estava internada depois de ter dado a luz, enquanto seu nome era apontado como o favorito para o prêmio de melhor atriz por Nasce Uma Estrela. Os repórteres invadiram seu quarto no hospital, mas a vencedora anunciada acabou sendo Grace Kelly. O constrangimento e a decepção abriram mais uma chaga no coração da estrela, um sentimento de rejeição que ela nunca conseguiu superar. O sentimento de rejeição só piorou quando em 1961 perdeu o Oscar de melhor atriz coadjuvante por sua participação em Julgamento em Nuremberg (Judgement in Nuremberg). Dois anos depois Garland pediu o divórcio a Luft em 1963, alegando crueldade como motivo. Sua última atuação foi em Na Gloria e Na Amargura de 1963, título que parecia lhe sugerir um epitáfio. Ainda em 1964, Judy iniciou um namoro com o promotor de sua turnê, Mark Herron, em uma viagem de barco ao largo da costa de Hong Kong, mas se separaram em 1969. Em 22 de junho de 1969, Judy Garland foi encontrada morta por Deans no banheiro de sua casa alugada em Londres. O legista, Gavin Thursdon, declarou no inquérito que a causa da morte foi “uma auto-overdose não intencional de barbitúricos“. Thursdon salientou que a overdose foi acidental e que não havia nenhuma evidência para sugerir que ela havia cometido suicídio. A autópsia revelou que não houve inflamação do revestimento do estômago dela e nenhum resíduo de drogas em seu estômago, o que indicou que a droga havia sido ingerida por um longo período, em vez de uma dose. Seu atestado de óbito indicou que sua morte foi “acidental“. Mesmo assim, um especialista britânico que tinha assistido Judy disse que ela tinha um tempo de vida limitado devido à cirrose hepática. Garland tinha completado 47 anos apenas 12 dias antes de sua morte. Sua co-estrela em O Mágico de Oz, Ray Bolger, comentou no funeral de Judy, “Ela simplesmente se consumiu“.

Em 2001 foi produzida a mini-série Minha Vida com Judy Garland – Eu & Minhas Sombras com Judy Davis vivendo o papel principal que lhe garantiu naquele ano o Globo de Ouro de melhor atriz em Minisérie. Em 2019, Rene Zellweger levou o Oscar de melhor atriz por sua interpretação no filme biográfico Judy. Certamente que o filme não consegue fazer um apanhado mais aprofundado na vida deste ícone do cinema Hollywoodiano, mas alcança um foco respeitoso para que a atual geração possa descobrir quem foi Judy, permitindo que sua essência toque o ritmo do coração tal qual na maravilhosa “The Trolley Song”, e quem sabe nos descobrir muito além do arco-íris, no lugar ao qual pertence as lendas como Judy.