POR Leandro “Leo” Banner
Quando comecei a ler quadrinhos – em tenra idade – eu sempre via na página de créditos aquele nome que figurava geralmente ao lado dos nomes do roteirista e do desenhista, chamado de “arte-finalista”, ou simplesmente constando como “arte-final”. Não entendia bem o que era aquele cara que, em boa parte das histórias em quadrinhos, figurava como “arte-finalista”. E também não entendia como em diversas ocasiões eu via vários trabalhos do mesmo desenhista apresentarem diferenças gritantes entre si, e com o passar dos anos percebi que isso se devia à ARTE-FINAL, uma figura tão importante na produção de uma história em quadrinhos como qualquer outra, ainda que possa ser relegado muitas vezes como um papel menor e sem importância (e nada poderia estar mais longe da verdade).

Comecei a me aperceber dessa injustiça exatamente numa atitude de um dos personagens do hilário BARRADOS NO SHOPPING, filme de 1995 dirigido por Kevin Smith, estrelado pelo próprio Smith, Jason Lee, Ben Affleck e conta também com várias participações MUITO especiais. No caso, um dos personagens centrais do filme esbarra com um artista de quadrinhos que se dedica mais à arte-final e lhe diz de forma desdenhosa depois de reconhecê-lo “ah, você é o cara que ‘cobre’(…)”. De fato uma forma infeliz e nada acurada de se referir a uma das etapas mais essenciais da produção de uma HQ, até porque o arte-finalista nada mais é do que um(a) artista de quadrinhos que também desempenha uma atividade que exige muita técnica, preparo e muito conhecimento. Resumidamente, as primeiras etapas da produção de uma HQ se iniciam com a elaboração de um roteiro que é encaminhado para um determinado artista para transformar aquela trama em uma história ilustrada. Esse artista, a depender de vários fatores como prazo para entrega, remuneração etc, pode ou não realizar tanto os desenhos detalhados a lápis quanto a arte-final, que é a etapa do nanquim sobre o lápis. Hoje temos vários recursos tecnológicos que ajudam a agilizar esse processo como as fantásticas mesas digitalizadoras usadas por grande parte dos artistas, mas estou me atendo aqui ao método “clássico” da produção. Alguns artistas gostam de fazer a finalização do próprio lápis, ao passo que outros preferem abrir mão dessa função por acharem que a remuneração não é atrativa ou por algum outro motivo editorial como cumprimento de prazos.

O lendário JOHN BUSCEMA, por exemplo, via de regra, não finalizava seus próprios desenhos a lápis por considerar que a remuneração não valia a pena; ao invés disso, preferia desenhar outros títulos concomitantemente a fim de melhorar seus ganhos, e um exemplo disso era que Buscema na década de 1970 conseguia desenhar os títulos dos Vingadores, do Quarteto Fantástico e do CONAN praticamente ao mesmo tempo. E ainda tomando esse grande artista como exemplo, seus trabalhos tinham como arte-finalistas outros excepcionais artistas como seu irmão SAL BUSCEMA, JOE SINNOTT, TOM PALMER, ERNIE CHAN, TONY DeZUÑIGA e o fenomenal ALFREDO ALCALA (artista sobre o qual ainda pretendo falar num post específico), entre vários outros. E é interessante perceber o estilo e a personalidade de cada um desses artistas sobre o traço de Big John, mas a arte-final de seu irmão, Sal, era o complemento perfeito ao seu lápis, uma vez que parecia que John B. fizera a própria arte-final. Outra lenda que teve um rol de fantásticos artistas parceiros foi JACK KIRBY, dentre os quais podemos destacar VINCE COLLETTA e JOE SINNOTT, respectivamente nos títulos THE MIGHTY THOR e FANTASTIC FOUR na Marvel Comics; mas foi quando de sua fase na DC COMICS que Kirby encontrou aquele que – na opinião deste escriba – é seu MELHOR parceiro artístico de todos os tempos: MIKE ROYER. Testado e aprovado pelo próprio “Rei dos Quadrinhos”, Royer passou a finalizar os desenhos a lápis de Kirby nos números finais dos títulos que compunham o chamado QUARTO MUNDO. O casamento de estilos era perfeito, e Royer, reverente ao estilo único de JACK KIRBY, fazia uma arte-final seguindo rigorosamente o delineamento do traço do mestre, impondo pouquíssimo ou nada do seu estilo pessoal nos desenhos, deixando-os praticamente como se fossem finalizados pelo próprio Kirby. A parceria deu tão certo que Mike Royer, além de ter finalizado todas as edições de ETRIGAN escritas e desenhadas por Kirby entre 1972 e 1973, e algumas edições de KAMANDI e OMAC, acompanhou o “Rei” quando de seu retorno à Marvel nos títulos CAPTAIN AMERICA, THE ETERNALS, THE MACHINE MAN, BLACK PANTER e DEVIL DINOSAUR. Mike Royer sem dúvida foi o melhor artista parceiro de Jack Kirby. 😉
Outro caso digno de nota é o do saudoso NEAL ADAMS, que em sua passagem pela Marvel teve como parceiro de arte-final o não menos fantástico TOM PALMER nos títulos INHUMANS, THE UNCANNY X-MEN e THE AVENGERS; na DC , Adams teve vários parceiros de arte-final, mas podemos dizer sem medo de errar que seu “gêmeo artístico” era o lendário DICK GIORDANO que o acompanhou na maioria de suas produções na Editora das Lendas. E é possível perceber essa sinergia pois, praticamente não se percebe diferenças significativas, salvo um ou outro pequeno detalhe, entre a arte de NEAL ADAMS finalizada por ele mesmo e seus desenhos finalizados por GIORDANO nos títulos GREEN LANTERN, DETECTIVE COMICS, THE BRAVE AND THE BOLD e BATMAN. Além de serem parceiros e amigos, fundaram o estúdio THE CRUSTY BUNKERS, que contava com inúmeros talentos, além dos deles próprios.
Temos também artistas consagrados que começaram na arte-final, como é o caso de JIM LEE, cuja carreira teve seu início finalizando os desenhos de CARL POTTS nas três primeiras edições do título PUNISHER WAR JOURNAL em 1988. Quando assumiu os desenhos a partir da quarta edição, não demorou muito para Lee encontrar aquele que seria seu parceiro artístico ideal, SCOTT WILLIAMS, que o acompanha até os dias de hoje, ainda que seu cargo atual na DC COMICS não lhe permita mais se dedicar como antes às ilustrações. Outra parceria fantástica é a da linda e talentosa NICOLA SCOTT com o artista TREVOR SCOTT (apesar do mesmo sobrenome, não há qualquer parentesco entre ambos) em algumas edições de SUPERMAN (vol. 3) dos NOVOS 52, mas particularmente prefiro os desenhos de Nicola finalizados por ela mesma, uma artista absurdamente talentosa. Também digna de nota a parceria do nosso talentosíssimo IVAN REIS com o artista JOE PRADO, que se configura numa arte simplesmente fantástica não apenas no título do AQUAMAN dos NOVOS 52, mas em todos os demais títulos em que essa incrível dupla atuou e continua atuando nos dias de hoje.
Esse é um tema extremamente ingrato porque não mencionei aqui muitos outros artistas fenomenais que gostaria de ter mencionado, mas já não é de hoje que sentia a necessidade de abordar a questão neste singelo espaço e chamar a atenção para os artistas que predominantemente atuam na arte-final, que devem ser reconhecidos e valorizados tanto quanto os artistas responsáveis pelos desenhos a lápis na produção de uma HQ, pois não se tratam, como dito no filme, de ser apenas “o cara que cobre”, mas sim de artistas excepcionais que em boa parte das vezes conseguem MELHORAR algo que já é bom, ou às vezes, nem tanto(sim, há casos em que a arte-final PIORA os desenhos a lápis de um artista, mas creio não ser possível falar sobre isso agora sob pena de este texto se alongar excessivamente)! Àqueles que nos brindam com sua preciosa atenção, aconselho que passem a reparar nos artistas e nos seus diferentes estilos, sobretudo naqueles que trabalham predominantemente na arte-final. Acreditem, é uma grande descoberta e nos ajuda a apreciar ainda mais o aspecto artístico das HQs. 😉 Vida longa e próspera e até a próxima!🖖🏻

Ual 😳, como sempre surpreendente. Parabéns!
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