Por Leandro “Leo” Banner

Meu primeiro contato com CONAN foi no magistral filme CONAN, O BÁRBARO, de 1982, dirigido por John Milius e estrelado por Arnold Schwarzenegger, James Earl Jones e Max von Sydow, o que obviamente me motivou algum tempo depois a procura por quadrinhos do personagem. Em decorrência disso, adquiri o título ESPADA SELVAGEM DE CONAN da Editora Abril, em algum ponto da segunda metade da década de 1980, e logo depois, com algumas edições especiais coloridas da mesma editora que traziam ótimas e empolgantes histórias daquele subgênero conhecido como “espada e feitiçaria”, originalmente publicadas no título THE SAVAGE SWORD OF CONAN, lançadas pela Marvel Comics Group que detinha os direitos de publicação do personagem desde o início da década de 1970, me tornei grande fã do bárbaro. Desde então passei a adquirir alguns títulos em quadrinhos do personagem, priorizando sempre os especiais e/ou republicações com histórias fechadas, e até tentei iniciar a coleção de A ESPADA SELVAGEM DE CONAN quando a Abril reiniciou a publicação do título pelo número #1. Algum tempo depois , no começo dos anos 2000, a Abril perdeu os direitos de publicação do CONAN, que também saíram da Marvel e foram para a Dark Horse em 2003, onde permaneceram por vários anos, retornando à Casa das Ideias em 2018. Esse retorno ocasionou diversas republicações da “era Marvel” do gigante de bronze no formato de OMNIBUS, inclusive no Brasil, e o acesso a essas obras me reacendeu um grande desejo de muitos anos, que era ler as histórias de CONAN escritas por seu criador, o texano ROBERT ERWIN HOWARD, originalmente publicadas na histórica WEIRD TALES, revista pulp norte-americana especializada em histórias de horror, ficção fantástica, magia, terror etc, que surgiu em 1923. Por ela passaram grandes nomes da literatura mundial como H. P. Lovecraft, Jules de Grandin, Robert Clark, Clark Ashton Smith e o próprio Howard entre vários outros. Certamente o cimério não foi a primeira criação do escritor texano, que já havia criado personagens como REI KULL, SOLOMON KANE, BRAN MAK MORN e várias outras histórias de diversos gêneros. Entretanto, a primeira história do bárbaro de Howard, que seria sua mais famosa criação, surgiu de uma história do Rei Kull originalmente rejeitada pelo editor Farnsworth Wright intitulada “By this axe I Rule”. Superando o desânimo por essa rejeição (que não foi a única), Howard mudou nomes e adaptou situações que culminaram na história chamada A FÊNIX NA ESPADA (THE PHOENIX ON THE SWORD), primeira história de CONAN publicada na WEIRD TALES em dezembro de 1932, que mostra o rei CONAN da Aquilônia (a mais poderosa nação civilizada da pseudo-histórica Era Hoboriana criada por Robert E. Howard) lutando contra intrigas e ameaças sobrenaturais para manter seu trono, num conto que se utiliza de vários elementos de aventura e magia. Basicamente a história se baseia numa trama engendrada por conspiradores que, objetivando expulsar o Cimério do trono da Aquilônia, arregimentam um ladrão que tem sob seu jugo um antigo mago estígio chamado Thoth-Amon.

Num primeiro momento tais nomes (sobretudo das cidades e países)podem causar uma certa estranheza àquele leitor de primeira viagem, mas na medida que a leitura progride vai surgindo um senso de familiaridade que nos impele a continuar desbravando os acontecimentos que vão se sucedendo. O personagem foi um sucesso absoluto, e em resposta à sua boa aceitação foram surgindo novos contos de CONAN na histórica WEIRD TALES até (e também após)o trágico suicídio de Howard em junho de 1936, e são esses contos que são reunidos nos volumes I a III de CONAN, O BÁRBARO da Editora Pipoca e Nanquim, relançados no final de 2023, uma vez que a tiragem anterior dos três volumes originais da editora com os contos de Howard já se encontrava esgotada há tempos. A diferença básica entre os lançamentos de 2017 é que, diversamente dos daquele ano, com os três volumes lançados separadamente, agora os volumes com os contos foram relançados de uma única vez, basicamente na mesma configuração, mas desta vez acompanhados com um belo box de papelão para acomodá-los. Inconveniente para quem não adquiriu os três volumes e agora deseja apenas um ou dois para completar sua coleção, porque os tomos disponibilizados nesse relançamento não são vendidos separadamente. O box também traz um livreto com rascunhos e sinopses de obras de Howard, bem como a transcrição de uma carta endereçada a P. Shuyler Miller, contemporâneo do autor texano que também escrevia para revistas pulps. Nessa carta, de 1936, é possível ver algumas informações interessantes sobre como Howard pretendia encaminhar a trajetória de CONAN , bem como detalhes de seu passado se tivesse continuado a escrever as aventuras do cimério.
Para aqueles que não tem maiores conhecimentos sobre o personagem, vale dizer que as histórias de CONAN imaginadas por Robert E. Howard foram escritas nesses primeiros anos de forma totalmente atemporal, ou seja, FORA de qualquer ordem cronológica. Não obstante, esse detalhe não compromete o prazer de ler e conhecer essas aventuras. A prosa de Howard é poderosa e contundente, rica em detalhes sem ser exagerada, revelando e entregando exatamente o necessário para uma narrativa dinâmica e fluida, revelando também sua grande destreza na escrita. Muito da personalidade do autor é percebida nesses textos, sobretudo acerca de sua concepção de a moralidade dos bárbaros suplantarem a suposta nobreza das nações civilizadas, e isso se reflete de forma cristalina na conduta de CONAN que, a despeito de ser beberrão, indisciplinado e abrutalhado, traz dentro de si um código moral e de convicções que transcendem as hipocrisias arraigadas no cerne das supostas “sociedades civilizadas”. CONAN de fato é um bárbaro, e como tal, em função das diversas fases de sua vida, vendeu suas enormes habilidades com a espada e sua considerável força física a quem estivesse disposto a pagar por elas, sendo também, além de mercenário, ladrão, soldado, bucaneiro e, finalmente, rei da mais poderosa nação civilizada da Era Hiboriana. As histórias estão dispostas da seguinte forma, na ordem que foram originalmente publicadas na WEIRD TALES:
VOLUME I:
A Fênix na Espada, A Cidadela Escarlate, A Torre do Elefante, O Colosso Negro, Xuthal do Crepúsculo e O Poço Macabro. Os extras compreendem o poema “Ciméria”, o ensaio “Anais da Era Hiboriana” e o conto “O Deus da Urna”.
VOLUME II:
Inimigos Em Casa, Sombras de Ferro ao Luar, A Rainha da Costa Negra, O Demônio de Ferro e Os Profetas do Círculo Negro.
Os extras desse volume contém duas histórias originalmente recusadas de Howard e que só vieram a ser conhecidas e publicadas anos após sua morte, que são “A Filha do Gigante de Gelo” e “O Estranho de Preto”.
VOLUME III:
Uma Bruxa Nascerá, Os Servos de Bit-Yakin, Além do Rio Negro, As Negras Noites de Zamboula, A Hora do Dragão e Pregos Vermelhos.
Aqui nesse último volume os extras se constituem de notas de Howard sobre os vários povos da Era Hiboriana e mais uma história póstuma do autor intitulada “O Vale das Mulheres Perdidas”.
Ao longo de sua trajetória, CONAN encontrará mulheres que marcarão sua vida, como Bêlit em “A Rainha da Costa Negra”, Valéria em “Pregos Vermelhos” e Zenóbia em “A Hora do Dragão”, conto publicado em diversas partes ao longo de cinco edições de WEIRD TALES (dezembro de 1935 a abril de 1936), considerado, inclusive, o único romance completo do personagem escrito pelo seu criador em função de sua estrutura e grande número de páginas, tendo sido, inclusive, republicado ao longo dos anos sob a forma de livro por várias editoras.

E por que não citei Red Sonja? Porque a Red Sonja contemporânea de CONAN nos quadrinhos NÃO foi, necessariamente (frise-se), uma criação de Robert E. Howard, mas sim uma adaptação da autoria de Roy Thomas e Barry Windsor-Smith quando a Marvel adquiriu os direitos de publicação das histórias do Cimério no começo da década de 1970. Na verdade, a personagem tem sua essência criada pelo autor texano, uma vez que Thomas e Windsor-Smith basearam-se na personagem RED SONYA OF ROGATINO, guerreira russa do século 16 do conto “The Shadow Of The Vulture”, de 1934, que ao lado de Gottfried Kalmbach, procura defender a Áustria da violenta invasão do Império Otomano. Nas HQs, Thomas desejava uma guerreira que se igualasse a CONAN, mas como na ocasião ainda estava retratando a juventude do cimério, não poderia dispor de Bêlit ou Valéria, de tal forma que criou RED SONJA, guerreira da Hyrkânia (país da Era Hiboriana de Howard, localizado ao leste do Mar de Vilayet ou Mar Interno), cujas características foram inspiradas na guerreira russa criada por Howard, que o gigante de bronze veio a conhecer quando se alistou no exército de Turan (país a oeste do Mar de Vilayet, que tem conturbada relação com a Hyrkânia).
Ainda falaremos dessas adaptações oportunamente (se os que nos brindam com sua preciosa atenção assim o desejarem, claro), mas para não perdermos o foco evitaremos demasiadas digressões por outras paragens midiáticas e nos ateremos aos contos, embora já tenhamos dito tudo o que julgávamos necessário mencionar sobre os contos de Conan escritos por Robert E. Howard por ora.
E ainda que louvável a iniciativa da Editora Pipoca e Nanquim em trazer esses contos para conhecimento da audiência moderna, faz-se necessário tecer algumas considerações sobre alguns detalhes. O objetivo desse lançamento era focar apenas nos contos de autoria de Howard, e quando de seu trágico suicídio, o autor deixara inacabados vários contos com o personagem, que posteriormente foram retomados e concluídos por L. Sprague de Camp, Lin Carter e outros. Achamos que esses contos poderiam ter sido incluídos num eventual quarto volume nesse novo lançamento. Outro ponto que senti muita falta nesses livros foi a ausência de um mapa da Era Hiboriana, detalhe que, acredito, teria sido de grande valia para enriquecer ainda mais a experiência de tão fascinante leitura.
Por fim, vale mencionar que ao longo das décadas que se seguiram ao falecimento de Howard, vários autores como os já citados de Camp, Carter, o próprio Roy Thomas da Marvel entre outros grandes escritores e especialistas em Robert E. Howard e sua obra, conseguiram através de um árduo trabalho de pesquisas e consultas às anotações e esboços deixados pelo autor texano, estabelecer uma coerente linha cronológica da vida de CONAN, e grande parte desses esforços começam a se materializar no título CONAN, THE BARBARIAN, de outubro de 1970, quando a Marvel Comics adquire pela primeira vez os direitos de publicação do personagem, iniciando a retratação da vida de CONAN em quadrinhos como um guerreiro adolescente em seus 16/17 anos. Mas isso é, como já dito, para outro momento.
De qualquer forma, os livros com as histórias completas de CONAN escritas por Robert E. Howard da Editora Pipoca e Nanquim valem muito a pena sobretudo para aqueles que gostam e apreciam boas histórias com uma escrita acurada regadas a boas doses de ação, magia e violência.
Recomendo.
Vida longa e próspera e até a próxima!🖖🏻