Por Leandro “Leo” Banner

Quando recebi o convite para integrar o seleto grupo do CINEMA COM POESIA, vi-me de certa feita inseguro, pois dividir espaço com verdadeiros gigantes gênios conhecedores da Sétima Arte como meu bom amigo Adilson Carvalho, o genial Paulo Telles e os não menos fantásticos Sérgio Cortez e Mauricio Rocha é algo bastante intimidador, quiçá, assustador. Reconheço que meus esforços iniciais beiravam a tosquice, ainda mais diante desse verdadeiro panteão de críticos de elevadíssimo valor. Mas uma coisa sempre me chamou a atenção desde que conheci o sítio CINEMA COM POESIA (nome magistralmente concebido por Paulo Telles), que foi justamente a genialidade desse epíteto! O que poderia ser mais adequado e perfeito uma vez que a Sétima Arte é repleta de momentos verdadeiramente líricos e poéticos?
Então, escusando-me de antemão pela audácia e pretensão de me imiscuir na área de expertise de meus confrades, gostaria de falar a respeito de alguns momentos lindos de determinadas produções cinematográficas, sempre conclamando nossa estimada audiência a nos ajudar com sugestões e ideias de mais momentos que nos remetam à essa linda dualidade “Cinema com Poesia”.
Para começar, escolhi um momento de um dos meus filmes favoritos de todos os tempos, A NOVIÇA REBELDE (THE SOUND OF MUSIC), de 1965, dirigido por Robert Wise. O filme, cuja história foi baseada no livro de memórias de Maria Augusta Trapp (The Trapp Family Singers), traz a história de uma noviça chamada Maria (Julie Andrews) que, com dificuldade de se adaptar à vida num convento de Salzburgo (Áustria), recebe da Madre Superiora (Peggy Wood) a missão de ser governanta na casa do Capitão George von Trapp (Christopher Plummer), viúvo amargurado em seu íntimo e pai de sete filhos travessos e muito rebeldes. Depois de passar pelos trotes dos rebentos do militar, Maria logo se acerta e se afeiçoa às crianças, e esse vínculo só aumenta quando o Capitão von Trapp viaja para encontrar sua noiva, a Baronesa Elsa Schrader (Eleanor Parker). Durante esse período de ausência do patriarca, Maria ensina aos filhos do rígido militar o verdadeiro significado de ser criança , com muitas brincadeiras e várias (lindas) músicas numa belíssima e divertida sequência. Ao retornar de forma inesperada de sua viagem em companhia da Baronesa, von Trapp tem uma severa discussão com Maria ao flagrar seus filhos usando “roupas de brincar” (costuradas pela própria governanta) ao invés dos antiquados uniformes que as crianças eram obrigadas a usar, enquanto Maria confronta o irascível militar austríaco expondo seus erros no trato para com as crianças e, sobretudo, por tratar os filhos como se fossem militares, mantendo-os sempre distantes enquanto tudo que queriam era apenas um pai presente e amoroso. Quando decide despedir Maria e mandá-la de volta para o convento, von Trapp ouve uma maravilhosa canção vinda de dentro da mansão e se surpreende quando Maria lhe diz que era a canção que ela havia ensinado às crianças para que cantassem para a Baronesa. Surpreso, o capitão adentra rapidamente a mansão a tempo de vislumbrar seus filhos cantando para sua noiva e, tocado por aquele belo momento, se junta às crianças na canção. Depois de, de certa forma, se retratar com seus filhos ao abraçá-los terna e carinhosamente, von Trapp se retrata também com Maria e lhe pede humildemente que permaneça na mansão, agradecendo à noviça rebelde por trazer a música de volta àquela casa. Assim sendo, os dias transcorrem com vários momentos musicais reaproximando cada vez mais o pai com os filhos, sempre com o auxílio de Maria que, ao se dar conta, se afeiçoara àquela família e a seu patriarca de formas que não poderia imaginar.
Desejando ser conhecida no círculo social de von Trapp, a Baronesa sugere ao Capitão que dê um baile em sua homenagem. E assim, finalmente chega o momento do filme em que o diretor Robert Wise nos brinda com um belo e poético momento.

No dia do baile de gala em homenagem à Baronesa Schrader, a Mansão von Trapp recebe os mais proeminentes representantes da sociedade austríaca, que vão desde empresários bem sucedidos até os mais altos escalões políticos e militares. Num determinado momento do baile, Maria encontra-se com as crianças numa das enormes varandas da mansão quando se inicia num salão contíguo uma dança que desperta a atenção e curiosidade de Kurt von Trapp (Duane Chase), um dos filhos do Capitão. Maria lhe explica tratar-se de uma dança típica austríaca chamada Landler, e o curioso menino pede que ela lhe mostre como se dança. Maria lhe diz que não se lembra de tudo, mas decide mostrar a ele do que se lembrava e, então, dançando com Kurt e lhe explicando cada movimento, os dois começam a dançar Landler de forma compassada e didática. E eis que nesse momento o Capitão von Trapp surge na varanda e se depara a situação. Ajeitando as luvas em suas mãos e um leve sorriso nos lábios, chega perto do filho dizendo “poderia me dar licença?” e para surpresa de Maria começa a dançar com ela. A partir deste momento se inicia a linda e delicada poesia dessa cena fantástica, marcada por uma coreografia impressionante e uma edição primorosa entregando sutilezas de sentimentos que, mais à frente na película, seriam corroborados. E Maria e von Trapp seguem dançando até que num determinado ponto ela para e se afasta dele (mas não de forma abrupta) e diz com toda doçura e delicadeza …. “eu não me lembro mais”…. Nesse momento, que deve durar dois segundos no máximo, é possível perceber um conjunto de fatores que tornam esse momento uma verdadeira POESIA cinematográfica, como a fotografia acurada, o jogo de luzes genial onde se percebe uma sutil iluminação incidental sobre o rosto de Julie Andrews realçando ainda mais o ar inocente e angelical da noviça Maria. Uma verdadeira PÉROLA cujo lirismo se sobrevém progressivamente a cada frame na medida que a dança entre Maria e von Trapp vai se desenvolvendo até chegar a esse clímax sensacional. Um detalhe digno de nota que certamente contribui ainda mais para a percepção de toda docilidade e meiguice de Maria é a fantástica dublagem do saudoso estúdio PERI FILMES, pois, ainda que o tom na fala original de Julie Andrews nos dê a impressão acima mencionada, a voz da sensacional e lendária dubladora NAIR AMORIM (hoje em dia nonagenária e felizmente ainda em atividade) ratifica com louvor essa impressão e transmite toda veracidade e sentimento exigidos pela cena. Uma verdadeira comunhão de fatores que contribuiu para um dos momentos mais poéticos e lindos da Sétima Arte. 😉
Vida longa e próspera e até a próxima!🖖🏻