Por Leandro “Leo” Banner

A exemplo de Policarpo Quaresma no livro O Triste Fim de Policarpo Quaresma de Lima Barreto, em que o protagonista tem um senso de patriotismo tão arraigado em seu espírito a ponto de, por exemplo, se recusar a chamar determinados alimentos por nomes internacionais e “chiques”, guardadas as devidas proporções, poderíamos perceber sem medo de errar a mesma predisposição em FLÁVIO BARBOSA MAVIGNIER COLIN – ou apenas FLÁVIO COLIN – saudoso artista brasileiro que escreveu e ilustrou O BOI DAS ASPAS DE OURO da Editora Skript, de 2022, ora objeto de desse post, uma vez que o autor em sua prolífica e magnífica carreira SEMPRE valorizou a cultura e personagens nacionais em detrimento dos importados Batman, Superman, Homem-Aranha etc., e não é difícil perceber a razão disso quando se conhece seu trabalho.
Sem desmerecer outros grandes talentos nacionais da Nona Arte – eles existem e não são poucos – FLÁVIO COLIN, na opinião deste escriba, é um dos maiores quadrinistas brasileiros – se não O maior – de todos os tempos, pois as despeito de todas as dificuldades, conseguiu nos abrilhantar com inúmeras pérolas de quadrinhos nacionais como O BOI DAS ASPAS DE OURO, baseada numa lenda folclórica sul-riograndense cheia de camadas e significados. Não é uma história longa, tem pouco mais de 20 páginas, mas desde quando qualidade está atrelada à quantidade?

A trama, publicada originalmente em 1997 pela Editora Escala, se baseia numa lenda folclórica que envolve a crença de que quem detiver o boi dos chifres de ouro conquistará a felicidade. Sendo assim, a história começa com um estancieiro viúvo e sem filhos partindo na busca do mítico animal até conseguir capturá-ló. Em seguida o velho estancieiro, proprietário de considerável riqueza e várias terras, se dá conta de que manter o boi em questão não será fácil, uma vez que não possui ninguém na vida, e abrir mão do animal seria abrir mão da própria felicidade. Sendo assim, decide lançar uma série de desafios a fim de encontrar uma pessoa para auxiliá-lo e, eventualmente, cuidar do Boi das Aspas de Ouro. Os desafios envolvem coragem, habilidade no trato com animais e honestidade. Um improvável concorrente consegue superar os desafios e o velho estancieiro acha que finalmente encontrará a paz ao deixar o boi dos chifres de ouro sob a guarda do honesto vencedor das contendas. Tudo parecia se encaminhar a contento quando surgem algumas pessoas (um homem e três mulheres)alegando serem parentes do velho estancieiro, e começam a fazer de tudo para corromper a determinação e o caráter do jovem guardião do mítico animal no sentido de se apoderarem da herança do viúvo. Dessa forma se resume basicamente os três momentos da história magistralmente desenvolvida por COLIN, com um texto conciso, expressões típicas e recheada de referências e detalhes que não passarão despercebidos por um observador mais atento. A arte é um atrativo à parte, pois o traço de COLIN é uma mescla de técnicas e traços que erroneamente podem dar a impressão de algo simples, mas aglutinam estilos que flertam com o cubismo sem desconsiderar o arredondamento de formas quando necessário, e as xilogravuras típicas das ilustrações de cordel, que resultam numa arte simplesmente única, estilizada e marcante em todos os aspectos onde cada quadro merece ser apreciado em todas as suas nuances e detalhes.

FLÁVIO COLIN é um dos grandes gênios dos quadrinhos nacionais que, infelizmente , no seu tempo não teve – ao menos no Brasil – o devido reconhecimento nem tampouco o incentivo necessário, mas remando contra a maré de todas as adversidades, teve uma considerável e prolífica produção, sobre as quais ainda falaremos em outros posts, considerando que várias editoras além da Skript estão trazendo de volta várias obras desse verdadeiro gênio brasileiro da Nona Arte, que sempre valorizou o folclore e cultura nacionais. Essa valorização salta aos olhos na leitura da pérola O BOI DAS ASPAS DE OURO (e quem nos lê nesse momento provavelmente já percebeu que “aspas” também é sinônimo de “chifres”, pois não?😝), que se trata não apenas de uma (belíssima ) quadrinização de uma lenda típica do sul do Brasil, mas também de uma imersão cultural verdadeiramente genuína. A edição da Skript reproduz com fidelidade a época em que o texto foi escrito, trazendo algumas diferenças entre grafias de algumas palavras e algumas referências que talvez pareçam estereotipadas ao leitor atual, mas não se deve esquecer que esses detalhes refletem a época em que a obra foi concebida; além da adaptação, também há na edição o prefácio do professor Lucas Souza, uma excelente entrevista com Flávio Colin feita por Samir Naliato para o Universo HQ em 2001 e um roteiro do mestre de uma adaptação da lenda amazônica “Boiuna” (infelizmente com apenas uma página remanescente quadrinizada por Colin). A edição tem uma bela capa dura num formato maior e diferenciado, que valoriza sobremaneira a arte do autor, papel offset de excelente gramatura, um fitilho que faz as vezes de marcador de página e uma linda guarda com vários trechos aleatórios da arte interna. A única crítica é quanto ao acabamento, pois algumas páginas pareciam não estar muito bem coladas na parte interna da lombada, devendo-se manusear o exemplar com bastante cuidado.
Altamente recomendável. Vale muito a pena não apenas em virtude do apelo cultural da obra, mas também pelo conhecimento e divulgação da obra de FLÁVIO COLIN, verdadeiro expoente dos quadrinhos nacionais cuja fantástica obra ainda voltará a abrilhantar este espaço.
Avaliação: 4,5/5.
Vida longa e próspera e até a próxima!🖖🏻