MEMÓRIAS DE CINÉFILO | O CINEMA DE RUA

Por Adilson Carvalho

A primeira vez que eu entrei em um cinema na minha vida foi no saudoso Cine – Paz, em minha cidade natal, Duque de Caxias. A sala de exibição, que ficava na Praça do Pacificador, onde hoje existe uma mega loja C&A, trazia em cartaz o filme O Trapalhão nas Minas do Rei Salomão. Era o ano de 1977 e minha mãe não tinha a mínima noção do amor que acenderia quando as luzes se apagaram e o filme começou. O Cinema Imperator, por exemplo, inaugurado em 1954 na rua Dias da Cruz, no Meier, tornou-se referência para o público da zona norte. Abrigava até 2,4 mil pessoas e viveu seu auge exibindo filmes protagonizados por nomes como Elvis Presley e James Dean. Em 1986, encerrou suas atividades de exibição e, na década de 1990, transformou-se numa importante casa de shows que funcionou até 1996. Em 2012, reabriu como Centro Cultural João Nogueira sob responsabilidade da prefeitura, e hoje contando com três salas menores, com preço ainda popular, mas nada comparável aos velhos tempos.

Era uma época diferente em que com um ingresso único podíamos assistir dois filmes seguidos, já que era comum sessões duplas sendo oferecidas. Algumas vezes era um lançamento seguido de uma reprise, ou de um filme que já estava no circuito há mais tempo. Assim, lembro de ir com os amigos assistir Aliens – O Resgate, de James Cameron, e em seguida assistir Rocky IV. Outra vez assisti A Hora do Espanto e compondo a sessão dupla era La Bamba. As combinações da sessão dupla eram bem ecléticas e divertidas. A diversão era grande principalmente porque os preços eram bem populares e eu conseguia ir ao cinema com uma mesada limitada, e ainda garantia um saco de pipoca bem baratinho. Nada personalizado ou parte de um combo, que hoje em dia é mais caro muitas vezes que a própria entrada.

Sinto falta também de não ter cadeira numerada, era mais livre escolher o assento e ficarmos juntos pois eu ia em bando, um grupo de adolescentes vibrando com a luta de boxe da franquia Rocky, como se fosse uma luta real, nos contorcendo com os efeitos impactantes de A Mosca (1986), consagração do “cinema-nojo” na época. Se fosse um filme de terror tínhamos várias horas de espanto e medo com pesadelos kruegerianos que hoje fazem rir as plateias atuais. Acho que a experiência de ir ao cinema era mais intensa, mais ingênua até, e a expectativa em torno do que escolhíamos assistir pulsava em longas filas na calçada, já que era cinema de rua, parecia a comoção de estar em uma fila para ver um show de Rock, em resumo era um evento e tanto até porque não havia streaming na época, muito menos internet, e mesmo o mercado de home video ainda não se desenvolvera. Se perdessemos o filme, teríamos que esperar muito até que o filme fosse exibido na TV.

Nada disso parece compreensível para uma geração acostumada ao cinema de shopping, ingresso único, cadeira numerada e lançamento breve no streaming. Com a chegada da internet e do streaming, o cinema reduziu o número de salas e o cinema de rua praticamente se extinguiu trocado pelas redes Cinemark, Cinesystem e outras que cobram um valor muitas vezes exorbitantes, que inibem famílias a irem até às salas de exibição, preferindo outros programas e deixando o filme para ver no celular, no tablet ou na smartv depois de alguns meses. Mesmo com recursos 3Ds, descontos no ticket ou sessões mais baratas nos horários mais vazios, a experiência de se assistir um filme mudou sua configuração afetiva, e todas essas e outras estratégias para cativar o público ficam muito longe do que já foi um dia a diversão mais popular, ou como diria a frase usada por Luiz Severiano Ribeiro “Cinema é a Maior Diversão“!.

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