CIÊNCIA COM POESIA | LARANJA MECÂNICA

Por Juliana “Supertramp” Diniz & Wanderson Clayton

Laranja Mecânica, um dos pilares da trindade distópica da ficção científica do século XX,  é um romance publicado em 1962 escrito por Anthony Burgess. O livro acompanha a história de Alex, jovem líder de uma gangue violenta da Inglaterra, em sua diversificada rotina de crimes, assaltos, estupros e assassinatos. Eventualmente, Alex é preso e, para diminuir sua pena, se voluntaria a participar de um “tratamento” inovador criado pelo Estado que promete remover impulsos destrutivos e reformar criminosos. O livro é estruturado em três blocos de sete capítulos, divisão baseada no monólogo clássico de Shakespeare sobre as sete idades do homem, na peça “As You Like It”. O total de 21 capítulos também simboliza, na cultura anglo-americana, o alcance pleno da idade adulta.  Desse modo, fazendo jus a Burgess, esse paralelo também está organizado em três atos compostos por sete estrofes de três versos. Uma pequena brincadeira que absolutamente não pude deixar de fazer. Além disso, foi impossível não incluir uma pequena parcela da linguagem singular de Laranja Mecânica. O “Nadsat”, dialeto próprio das gangues de rua  criado por Burgess, é uma junção de termos eslavos, inglês coloquial, rhyming slang (gíria rimada) e um falar pseudo elizabetano (uma tentativa de aproximação do rigor formal feito por Alex). Para finalizar os pequenos easter-eggs, a trilha sonora de fundo do vídeo é a Sinfonia no. 9 composta por Ludwig van Beethoven, ídolo supremo de Alex, citado ao longo de toda a narrativa.

Laranja Mecânica acabou se tornando um dos grandes marcos da literatura pós-industrial, sendo considerada até hoje como uma das obras de maior impacto sobre a  crítica e público do século passado. Discutindo temas como alienação, violência, liberdade, escolha e os limites da relação entre Estado e indivíduo, esse clássico recebeu a icônica adaptação para o cinema em 1971 por Stanley Kubrick. O filme se baseia na primeira edição americana do livro, entretanto, com a supressão do último capítulo sob a alegação de que, um final “otimista”, não combinaria com o resto da narrativa cinematográfica.  Apesar das críticas, a adaptação de Kubrick trouxe Laranja Mecânica de volta ao cenário popular, permitindo que a obra consolidasse definitivamente sua posição como um marco eterno da cultura pop.

Bem, apesar de todo o fascínio que os tópicos linguísticos, sociais e filosóficos presentes em Laranja Mecânica exercem sobre mim, e  que poderiam, incansavelmente, ser analisados e discutidos, nosso foco está na fundamentação científica por trás das teorias comportamentais presentes no  “Ludovico”, o método de “reprogramação cognitiva” estatal a que Alex é submetido. Nesse contexto, a ficção de Burgess assemelha-se à “Teoria do Condicionamento Clássico” (Condicionamento Operante) criada pelo médico fisiologista russo Ivan Pavlov que, por meio do método científico, idealizou  uma série de experimentos que  evidenciaram que reações de homens e animais podem ser moldadas através de uma rotina sistematizada de treinamento. O experimento clássico de Pavlov consistia em apresentar a cães um  alimento qualquer (estímulo condicionado) logo após uma campainha ser acionada  (estímulo neutro), o que produzia nos animais o estímulo salivação (reflexo incondicionado). Dessa forma, observando que os cães salivam a qualquer alimento que lhes é apresentado, Pavlov passou a tocar uma campainha em todas as refeições do animal. Após alguns dias, os cães passaram a salivar apenas escutando o som da campainha. Ou seja, o que antes era apenas um estímulo neutro, a campainha, sempre que acionada e sem existência de qualquer alimento,  agora tornava-se um reflexo condicionado capaz de estimular a salivação dos cães, uma resposta totalmente fisiológica!

Paralelamente, antes de cada sessão, Alex era injetado com drogas (estímulo incondicionado) que ocasionavam náuseas e enjoos. Depois, era levado a uma sala de projeção onde, amarrado em uma cadeira com a cabeça imobilizada e pálpebras abertas, passava por intermináveis sessões de exibição de conteúdo extremamente violento (estímulos condicionados) exibidas em uma tela. Como resultado desta reprogramação cognitiva, depois de liberto, Alex continuou a apresentar, mesmo sem as drogas, os sintomas de desconforto e dor (reflexo incondicionado) quando presenciava situações de violência e ouvia as músicas de Beethoven, que eram usadas como plano de fundo durante suas sessões. Esses experimentos iniciais de Pavlov foram a base para o desenvolvimento de uma nova corrente da psicologia no século XIX, o Behaviorismo, que tem como base o meio externo como o principal modulador do comportamento humano. Daí deriva a máxima ” O homem é  produto do meio…” Burgess, mais tarde, afirmou que Laranja Mecânica é um romance propositalmente crítico ao Behaviorismo. Ainda nesse contexto, o título da obra deriva da expressão cockney “As queer as a clockwork orange”, que pode ser traduzida como “Tão estranho quanto uma laranja mecânica”. No seu ensaio “Clockwork Oranges”, Burgess diz  que “este título seria ideal para uma história sobre a aplicação dos princípios de Pavlov, ou um organismo mecânico que, como uma fruta, possui cor e doçura”. Desse modo, o título da obra faz alusão às, agora condicionadas, reações desconfortáveis experimentadas por Alex quando exposto à cenas, ações e sensações de violência. Na obra, o método científico de reprogramação comportamental induzido pelo “Estado”, teve êxito em retirar de Alex a capacidade de seguir sua moral inata e abjeta, transformando-o, contudo, em nada mais do que uma laranja mecânica.

Eu sou Juliana “Supertramp” Diniz, e agora te convido a expandir sua mente e contemplar a ciência que eu vi em “Laranja Mecânica”.

Glossário:

Drugui: amigo

Horrorshow: ótimo, excelente, legal

Tia pecúnia: dinheiro

Videar: observar

Vecchio: velho

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