POr Adilson Carvalho

Feios (Uglies), a última grande adaptação cinematográfica da Netflix de um romance para jovens adultos, se passa em uma sociedade distópica na qual os adolescentes devem se submeter a uma cirurgia estética extrema aos 16 anos para se tornarem ‘bonitos’. Originalmente, o filme foi criticado on-line por sua escolha de escalar atores convencionalmente atraentes para os papéis principais de “feios”, mas o diretor McG (As Panteras Detonando) esclareceu que há um bom motivo para isso. Como ele explicou em uma entrevista ao The Wrap: “Estamos dizendo que nunca é suficiente […] Acho que, se você falar com algumas das pessoas mais universalmente consideradas bonitas do mundo, elas são algumas das pessoas com a dismorfia corporal mais intensa. Ninguém está imune a essa toxicidade que existe: ‘Nunca é suficiente. Você sempre pode ter uma cintura mais fina, quadris maiores, lábios mais cheios”. Faça sua escolha. Você vê isso todos os dias, e este filme pretende ser o antídoto para essa forma de pensar.” Com certeza, Feios (Uglies) não é necessariamente uma história sobre o valor da beleza, mas também sobre a ideia de que a beleza não é algo objetivo. Os procedimentos cosméticos obrigatórios não são ruins apenas porque a beleza física não deveria ter tanta importância na sociedade, mas também porque os padrões de beleza estão em constante evolução, de uma forma impossível de ser definida. Ou, como diria Rod Serling, o criador de Além da Imaginação (The Twilight Zone), a beleza está nos olhos de quem vê. Por isso, não é de surpreender que a série clássica tenha sido uma grande inspiração para o autor de Feios (Uglies), Scott Westerfeld.

A suposição óbvia é que sua história foi inspirada no episódio “The Eye of the Beholder”, de 1960 sobre uma mulher que é considerada horrível pela sociedade em que vive, mas que se revela um verdadeiro show de beleza de acordo com nossos padrões. Acontece que “bela” nessa sociedade significa ter características faciais semelhantes às de um porco, o que todos os médicos e enfermeiras compartilham. Todos se lembram da cena da grande revelação, mas não se fala tanto sobre o final quase feliz do episódio, em que a heroína tem a chance de aproveitar a vida em uma comunidade separada com todos os outros rejeitados “horríveis”. Claro, ninguém nesse episódio aprende nenhuma lição sobre a subjetividade da beleza, mas pelo menos no final a personagem principal não é forçada a sacrificar sua humanidade para se encaixar. Feios (Uglies) presta uma homenagem explícita a esse episódio em uma sequência em que sua personagem principal, Tally (Joey King), entra sorrateiramente na Pretty Town disfarçando-se com uma máscara de porco – que lembra muito as máscaras de ‘Eye of the Beholder’. É bom saber que, apesar de o episódio ter sido lançado há 64 anos, ele ainda exerce uma influência tão forte na cultura pop. Uma boa história realmente pode permanecer na consciência pública por muito mais tempo do que qualquer pessoa na época poderia imaginar. Mas talvez a comparação mais óbvia com Feios (Uglies) seja o episódio da 5ª temporada de Além da Imaginação (The Twilight Zone), “Number 12 Looks Just Like You”. Esse episódio se passa em uma sociedade em que todos os adolescentes são forçados a passar por um processo chamado “transformação”, que os torna bonitos à custa de matar sua individualidade e sua capacidade de empatia. Assim como em Feios (Uglies), a personagem principal inicialmente resiste ao procedimento, apenas para descobrir que permanecer fiel a si mesma nesse mundo é ainda mais difícil do que parecia. Westerfeld chegou a escrever uma postagem em seu blog em 2008 sobre o episódio, dizendo que ele “não via essa joia desde que era criança, por isso havia esquecido todos os detalhes”. Seria de se esperar que ele ficasse na defensiva contra possíveis alegações de imitação, mas Westerfeld apontou, com razão, que Além da Imaginação (The Twilight Zone) também não deve ter sido o primeiro programa a abordar o assunto.