Por Adilson Carvalho

Durante um longo tempo eu fui um noveleiro, sempre na companhia de minha mãe e lembro que me impressionou a versatilidade e a plasticidade de Glória Menezes vivendo uma mulher de três personalidades distintas, a reprimida Lara, a selvagem Diana e a equilibrada Marcia, na novela Irmãos Coragem (1970/71). Nascida Nilcedes Soares em 19 de outubro de 1934, a atriz recebeu quatro Troféus Imprensa, um Prêmio APCA e um Mambembe, foi laureada com o Troféu Mário Lago pelo seu conjunto da obra em 2004 entre outras merecidas honrarias que seu nome artístico lhe conferiu. Gloria Menezes completou 90 anos com um invejável legado artístico passando pelo teatro, televisão e cinema. Foi casado por 59 anos com o saudoso Tarcísio Meira com quem fez Os Irmãos Coragem, além da série Tarcísio & Gloria (1988), na qual interpretou a extraterrestre Ava, e vários outros trabalhos em uma amorosa parceria que unificava uma vida dentro e fora dos palcos. Na TV, Gloria teve passagem pelas hoje extintas TV Excelsior e TV Tupi, chegando à Globo em 1967, onde começou fazendo a sedutora Doña Sol na adaptação de Sangue & Areia, em papel vivido por Rita Hayworth no cinema, enquanto Tarcísio fazia Juan Gallardo, papel que foi de Tyrone Power.
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A atriz fez o episódio Meu Primeiro Baile (1972) do programa de antologia global Caso Especial, primeiro integralmente exibido em cores na TV brasileira. Gloria sempre foi capaz de imprimir credibilidade e naturalidade em qualquer dos papeis que fez, desde a batalhadora Ana Preta de Pai Herói (1979), a feminista Roberta Leone de Guerra dos Sexos (1983) ou a vingativa Tereza Fonseca de Corpo a Corpo (1984). Mas, um dos papeis mais populares é a vilanesca Laurinha Figueroa de Rainha da Sucata (1990). Junto da saudosa Marília Pera, Gloria fez rir com seu papel em Brega & Chique (1987), e enfrentou vampiros como a médium Zoroastra de O Beijo do Vampiro (2002), onde Tarcisio fazia o vampiro Boris. Em 2008, fez parte do elenco de A Favorita, de João Emmanuel Carneiro. Em 1995, foi um dos personagens assassinados em A Próxima Vítima (1995) de Silvio de Abreu. No cinema, aos 28 anos, fez Rosa, a esposa de Zé do Burro (Leonardo Vilar) no aclamado O Pagador de Promessas (1962), vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes, além de ter carregado um Prêmio Especial do Juri no Festival de Cartagena, na Colombia e ter sido indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro. Em 1972, interpretou a Marquesa de Santos em Independência ou Morte, contracenando com Tarcísio Meira no papel de Dom Pedro I. Foi o filme brasileiro mais assistido daquele ano com cerca de 2 924 494 espectadores. No cinema, seu último trabalho foi como Vivinha na comédia Se Eu Fosse Você (2006), contracenando com Tony Ramos e Gloria Pires.

Mas foi no teatro que Gloria começou sua carreira, aos 23 anos na peça Devoção à Cruz de Henry Gheon. Nos palcos, Gloria encenou textos de dramaturgos prestigiados como As Bruxas de Salém (1959) de Arthur Miller, Julio César (1966) de William Shakespeare, brilhando em Tudo Bem no Ano Que Vem, de Bernard Slade, que ficou em cartaz de 1976 a 1981; Navalha na Carne (1981), de Plínio Marcos; Um Dia Muito Especial (1988), de Ettore Scola, e Ensina-me a Viver, de Colin Higgins, encenada de 2008 a 2016, neste em papel correspondente ao de Ruth Gordon no clássico filme de 1971. Em 2000, teve uma atuação extremamente emotiva em Jornada de um Poema, na qual interpretou uma paciente terminal de câncer.

Gloria é assim, intensa, diversa, cômica e dramática, uma força da natureza que atravessa gerações com um talento ímpar, nos palcos, na TV ou nas telas de cinemas, ela nos toca com a força de sua arte e nos conquista, nos eleva a uma catarse de emoções que nos preenchem, coisas de Laurinha, coisas de Glorinha, a quem deixo aqui meu muito obrigado, você nos marcou.