PRELO & PELICULA | CARRIE A ESTRANHA

Por Adilson Carvalho

O cinema e a TV descobriram desde cedo o poder de Midas de Stephen King. Quando Carrie foi adaptado para o cinema em 1976, o livro que inaugurou a bem sucedida carreira do escritor contava dois anos de publicação. A princípio o autor tinha escrito apenas uma passagem (a do chuveiro na escola) com a intenção de fazê-la um conto para possível publicação.  Frustrado por não saber que direção seguir,  e por não ter conseguido publicar nenhum dos outros manuscritos que fizera antes, King jogou seu rascunho de Carrie no lixo. Na época, King trabalhava como professor e amargava um sentimento derrotista, um período de vacas magras e desconforto, com um carro quebrado e varias dívidas. Estimulado pela esposa Tabitha, que retirou as páginas de Carrie do lixo, o autor ampliou a história dando-lhe o formato de um romance epistolar, construído  em torno de notas de diários e noticias a respeito da jovem Carrie White, uma adolescente rejeitada pelos colegas, oprimida pelo fanatismo religioso de sua mãe e detentora de uma descontrolada habilidade psíquica. Os múltiplos narradores relatam os efeitos do poder de Carrie provocado pelo constante bullying sofrido, incompreensão e desajuste seja entre seus iguais, ou em casa. A protagonista, Stephen a criou tendo como base sua lembrança de duas garotas que estudaram com ele no passado, já falecidas na época em que Stephen escrevera. Foi a esposa de King quem enviou o texto final para a editora Doubeday. Mesmo depois de ser bem pago pelo livro, King sempre reclamou que a história era “crua” demais, abaixo do que ele pretendia de fato. O sucesso do livro, que chegou ao Brasil pela editora Nova Fronteira, levou à três adaptações para o cinema, sendo a primeira em 1976, dois anos depois do lançamento do livro, dirigido por Brian De Palma, com Sissy Spacek, em sua estreia nas telas aos 26 anos. Todo esse sucesso tem um revés: o livro é até hoje banido das escolas americanas pelo seu teor extremamente assustador. Houve uma refilmagem para a TV em 2002 com Angela Bettis e outra para o cinema em 2013 com Chloe Grace Moretz. Essa é a primeira adaptação para as telas em que Carrie é interpretada por uma adolescente de verdade. Chloë Grace Moretz tinha 15 anos durante as filmagens, enquanto Sissy Spacek e Angela Bettis, que interpretaram o papel em Carrie, a Estranha (1976) e Carrie, a Estranha (2002), respectivamente, tinham 25 e 28 anos quando interpretaram Carrie.  A maior diferença entre a versão cinematográfica de Carrie, e o romance de 1974 está na forma como é contada. O livro é uma narrativa epistolar, contada principalmente por meio de relatos retrospectivos ou testemunhos, apresentados como documentos, como artigos de jornal, entrevistas e relatórios policiais. O livro também é contado por meio de um livro de memórias que Sue Snell, interpretada no filme por Amy Irving na primeira versão para as telas, publicou após o tumulto de Carrie no baile de formatura; Sue foi a única sobrevivente da noite. O filme, por sua vez, é contado como uma história normal com começo, meio e fim, pois seria difícil contar de outra forma na tela.

A última versão com Chloe Grace e Julianne Moore

O caráter e a psique de Carrie são explorados mais profundamente no livro do que no filme. Embora Sissy Spacek tenha uma atuação icônica no filme, a versão romanceada de Carrie permite que os leitores entendam melhor o medo intenso que ela tem da mãe e o constante conflito interno relacionado a agradar a mãe e ser uma adolescente normal. Além disso, a aparência de Carrie é diferente no livro; ela é descrita como acima do peso e com acne, dois motivos pelos quais sofre bullying na escola. No filme, porém, ela é pequena e magra. Além disso, o livro explora mais profundamente os poderes de Carrie. Por exemplo, há um flashback no livro em que Carrie faz chover pedras sobre a casa depois que sua mãe a repreende e, mais tarde no livro, ela ameaça que fará as pedras caírem novamente se sua mãe não a deixar ir ao baile de formatura. Essa cena não pôde ser incluída no filme porque era muito difícil de ser retratada na tela. A morte de Carrie também é modificada no filme, no qual ela morre em sua casa – que ela telekineticamente desmorona sobre si mesma e sobre sua falecida mãe – em vez de no chão de um estacionamento, com Sue ao seu lado e gritando por sua mãe. A versão do livro de sua morte é certamente mais dramática, mas a casa em ruínas poderia ter sido difícil de retratar na tela. Seja no livro ou na tela, a história de King é uma vigorosa história de terror, uma que mexe com a essência dos pesadelos.

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