Por Adilson Carvalho

Há 90 anos um roteiro que os atores principais não queriam filmar, pelo estúdio da Columbia (que diga-se logo não acreditava no projeto), entrou para a história como o primeiro filme a conquistar os 5 principais Oscars, ou seja, melhor filme, melhor diretor para Frank Capra, melhor roteiro original, melhor ator para Clark Gable e melhor atriz para Claudette Colbert. E tudo isso aconteceu na noite de 27 de fevereiro de 1935 com o filme de sugestivo título Aconteceu Aquela Noite.

Faziam sete anos do advento do cinema falado e até as comédias eram basicamente todas puro pastelão, ou seja, marcadas pelo humor físico. Com a evolução do diálogo verbal para condução de narrativas, os filmes viram surgir na época um estilo que se convencionou chamar de Screwball Comedies, caracterizadas pelo ritmo acelerado, diálogo espirituoso, situações farsescas e histórias românticas que geralmente envolvem uma batalha entre os sexos. Aconteceu Naquela Noite inaugura este sub-gênero, desacreditado na ocasião mas que evoluiu tornando-se extremamente popular e rentável já que tinham orçamento moderado e lucros altos, graças ao poder de fogo representado pelos astros do período do Star System. O filme de Frank Capra também foi um dos últimos que fosse estabelecido o Código Hays, um conjunto de normas e restrições visando zelar pela moralidade. No caso de Aconteceu Aquela Noite tínhamos um repórter ambicioso e cínico interpretado por Clark Gable, então com 33 anos, que casualmente vem a ajudar uma desconhecida em fuga, a mimada herdeira Ellie Andrews (Claudette Colbert). Fingindo não reconhecê-la ele a ajuda com intenção de garantir um furo de reportagem. O que se segue é a hoje clássica relação ódio e desprezo que vira paixão à medida que os dois viagem de ônibus ou carona, o que escandalizou os moralistas já que era a figura de um casal, que não era casado, mas que tinha que passar uma noite juntos.

Algumas cenas em particular geraram burburinho na época: Depois de frustrantes tentativas de pegar carona, Ellie (Colbert) levanta a lateral de sua saia, deixando suas pernas à mostra. A atriz não queria fazer a cena a princípio mas quando Capra escolheu uma dublê de corpo, Claudette teria dito “Minhas pernas não são assim“, e decidiu fazer a cena. Suspiros não faltaram na cena em que Clark Gable fica sem camisa, indo contra o costume na época. Reza a lenda que por conta disso as vendas de camisetas teriam caído. O diretor Frank Capra teve a ideia sobre a cena da barreira de lençois para separar Gable de Colbert na hora da troca de roupa porque Claudette Colbert se recusou a se despir na frente da câmera, uma decisão um tanto intrigante, considerando que a atriz fizera anos antes uma cena de banho de leite nu como Imperatriz em Cleópatra , realizado no mesmo ano.

Nem Gable nem Colbert foram a primeira opção para os papéis principais. Miriam Hopkins e Loretta Young rejeitaram o papel de Ellie. Robert Montgomery e Myrna Loy foram então convidados, mas ambos recusaram o roteiro. Mais tarde, Loy observou que a história final filmada tinha pouca semelhança com o roteiro que ela e Montgomery haviam recebido. Margaret Sullavan também rejeitou o papel. Já Constance Bennett estava disposta a aceitar o papel se ela mesma pudesse produzir o filme, mas a Columbia Pictures não concordou com essa condição. Bette Davis quis o papel, mas ela tinha contrato com a Warner Brothers e Jack L. Warner se recusou a emprestá-la. Carole Lombard não pôde aceitar porque o cronograma de filmagem proposto pela Columbia entraria em conflito com seu trabalho em Bolero, da Paramount.

Consta que Gable foi cedido pela MGM contra a vontade do astro, que teria chegado ao escritório de Capra completamente bêbado, e agressivo no tom de voz, o que não impediu Capra de ainda assim escalá-lo, ficando amigos até o fim. Clark Gable deu o Oscar que ganhou por sua atuação nesse filme a uma criança que o admirava, dizendo-lhe que o que importava era a conquista da estatueta, não possuí-la. A criança devolveu o Oscar à família Gable após a morte de Clark. Anos depois a mesma estatueta voltou a aparecer sendo vendida, e foi adquirida por Steven Spielberg que a doou à Academia de Artes e Ciências de Hollywood. Somente 40 anos depois um filme veio a repetir o feito de levar as 5 principais estatuetas do Oscar, no caso de Um Estranho no Ninho, e depois também igualado por O Silêncio dos Inocentes (1989). Embora seu ritmo narrativo tenha envelhecido para os padrões atuais, o filme de Capra mantem o impacto de sua ousadia e a importância de explorar histórias que mesmo aparentemente simples, guardam o valor de agradar ao público justamente por isso. O filme está disponível na Oldflix.

Na semana que vem vamos conhecer o galante Sr. Deeds.