Por Leandro “Leo” Banner

Uma das melhores histórias em quadrinhos dos últimos tempos, REINO DO AMANHÃ (KINGDOM COME) foi originalmente publicada em 1996 no formato de minissérie, aportando no Brasil pela primeira vez em 1997 pela Editora Abril (no mesmo formato), sendo republicada inúmeras vezes depois em formato encadernado pela própria Abril, Panini Comics e Eaglemoss, fazendo dela uma das histórias mais republicadas no Brasil nos últimos 25 anos. Partindo do argumento e conceitos de ALEX ROSS – então alçado ao estrelato por sua participação em MARVELS – , REINO DO AMANHÃ foi roteirizada por MARK WAID e maravilhosamente pintada por Ross, com uma trama que poderia render um tratado em função de sua riqueza temática e das inúmeras referências incutidas em cada painel. Entretanto, dada a exiguidade do nosso espaço e desejando oferecer aos que nos brindam com sua valiosa atenção uma visão mais concisa dessa bela obra, nos ateremos tão somente aos seus aspectos principais. A trama se passa num possível futuro distópico do Universo DC – 20 anos à frente, aproximadamente – onde os heróis da velha guarda se encontram reclusos, afastados ou restritos à sua própria área de atuação, e seus descendentes são os combatentes ativos contra a criminalidade naquele momento; entretanto, a progênie dos grandes heróis não prima pela segurança dos inocentes, chegando ao absurdo de travarem combates entre si apenas pela diversão, utilizando seus dons e poderes de forma totalmente inconsequente.
Nesse futuro caótico e aparentemente sem esperança, Wesley Dodds, o Sandman original da Era de Ouro, já com idade muito avançada e em seus últimos momentos de vida, transfere, pouco antes de falecer, seu poder premonitório em sonhos para o pastor Norman McKay, líder de uma Congregação religiosa, que ao lado do Espectro, se torna um espectador invisível para testemunhar e julgar os eventos que se seguirão, e que possuem enorme potencial de conduzir ao Armagedom previsto na Bíblia. Não por acaso a história traz várias citações do Apocalipse, último livro do Novo Testamento, sobretudo acerca da “vitória definitiva do bem sobre o mal(…)”, com a referida citação inserida numa cena que retrata uma batalha onde não é possível distinguir os combatentes.

Dez anos antes desses eventos em que a trama se inicia, o Coringa, num de seus inúmeros surtos psicoticos, matou toda a equipe do Planeta Diário, inclusive Lois Lane, fazendo com que o Superman fosse ao seu encalço. Porém, um novo e violento herói chamado Magog consegue encontrar o vilão antes do Homem de Aço e, conforme seu deturpado senso de justiça, decide puni-lo por seus crimes assassinando o vilão. Depois de testemunhar a absolvição de Magog pelo assassinato do Coringa, o desiludido e desacreditado Superman decide se afastar e se retirar da vida de combate ao crime, se isolando na fazenda de sua família em Smallville. Magog, por sua vez, arregimenta um grupo de heróis que partilha de seus métodos violentos, e ao promover uma intensa perseguição ao vilão Parasita, ocasiona um acidente nuclear no meio-oeste norte-americano; Magog desaparece, mas sua influência atinge a nova geração de heróis, que atua lançando mão de métodos violentos e inconsequentes nos anos que se seguiram.
Nesse futuro de caos iminente de super-humanos fora de controle, passados dez anos desses acontecimentos, a Mulher-Maravilha recorre ao isolado Superman para que retorne à civilização a fim de que possa ensinar e inspirar essa nova geração de superpoderosos transviados inconsequentes, uma vez que Kal-El sempre serviu de referência e exemplo para todos os demais heróis. Amargurado e desgostoso, o reticente kryptoniano resolve sair de seu auto imposto exílio e, junto com a Mulher-Maravilha, decide arregimentar velhos heróis para restabelecer a Liga da Justiça e colocar a nova e poderosa geração de heróis sob controle. Entretanto, os acontecimentos tomam uma direção inesperada pelo Homem de Aço, pois além da pressão política advinda da assembleia das Nações Unidas, a Mulher-Maravilha assume uma postura pouco apreciada pelo Superman no que concerne ao tratamento a ser dado aos rebeldes.

Paralelamente a tudo isso, depois da recusa em se juntar às fileiras do Superman, Batman e seu grupo de velhos heróis clandestinos se juntam à chamada Frente de Libertação da Humanidade, capitaneada por um ancião Lex Luthor, ladeado por antigos vilões do calibre de Vandal Savage, Edward Nigma, Selina Kyle , Ibn al Xu’ffasch (neto de Ra’s al Ghul, filho de Tália al Ghul e Bruce Wayne) e Billy Batson, o amadurecido Capitão Marvel, entre outros, cujo objetivo é libertar o mundo da chamada “tirania” dos heróis que acham que devem governar o mundo e lhe impor sua vontade. As razões do Batman são expostas na terceira parte da trama, justamente quando a situação envolvendo a nova geração de super-humanos sai do controle e a ONU toma uma decisão extrema para conter a ameaça iminente. Superman, então, se lança numa empreitada desesperada e salvadora para se manter fiel à sua maior convicção, que é a preservação de toda vida a qualquer custo, mesmo que para isso precise sacrificar a própria vida.
A conclusão é simplesmente fantástica e apoteótica, com um titânico confronto que antecede uma explosão nuclear, cujas consequências são as piores possíveis para o Homem de Aço. Seguindo a linha de outros posts, aqui se evitará maiores detalhes sobre a conclusão da trama para aqueles que porventura ainda não a leram e que pretendam fazê-lo eventualmente – ainda mais por conta do mais recente relançamento dessa obra no novo formato “pocket” da Panini.
Basta dizer, a título de registro, que é, não apenas uma ode ao conceito clássico de herói virtuoso em contraponto à enxurrada de personagens erráticos e imperfeitos criados aos borbotões no final da primeira metade da década de 1990, mas também uma das melhores HQs de todos os tempos, com uma ideia sensacional, que remonta à clássica “O Mundo realmente precisa do Superman?”, que aqui tem seu escopo elevado aos super-humanos de uma forma geral, abordando ainda, de forma brilhante, outros temas de caráter filosófico e existencial, contrapondo também ideias de um messias salvador ao iminente Armagedom previsto na Bíblia, sem relegar as implicações políticas advindas de tal cenário. Um texto verdadeiramente rico e primoroso de MARK WAID – na opinião deste escriba, seu melhor trabalho – associado à então revolucionária arte de ALEX ROSS, que, não obstante sua indefectível capacidade narrativa, consegue nos brindar não apenas com sequências impactantes de tirar o fôlego com seu estilo fotorrealista, como também nos regala com cenas repletas de emoção, significado e sensibilidade poucas vezes retratados de forma tão sublime numa obra em quadrinhos. A Edição Definitiva (assim como a Absoluta) da Panini Comics é repleta de extras fabulosos contendo detalhes por trás da concepção da obra, notas explicativas, textos dos autores e caderno de esboços de Alex Ross e de outros artistas que contribuíram na sua produção.
Uma das melhores e maiores histórias de todos os tempos que pode facilmente ser considerada uma autêntica OBRA-PRIMA.
Vida longa e próspera e até a próxima!🖖🏻