ENTREVISTA | CLAUDIO GALVAN : O DUBLADOR DO PATO DONALD

Por Adilson Carvalho

Ator, bailarino, cantor lírico, dublador e diretor teatral brasileiro. É conhecido principalmente por ser a voz no Brasil do Pato Donald, fazendo-a desde 1996, e do Ursinho Pooh. Mas também dubla outros personagens conhecidos como o Pinguim Capitão da franquia Madagascar, Filmore da franquia Carros, a tartaruga Crush da franquia Procurando Nemo, voz do MegaMente, do Príncipe Edward de Encantada, do Kung Fu Panda e Lorde Farquaad da franquia Shrek, entre outos. Com vocês meu amigo Claudio Galvan:

Adilson: Você fez dança no Teatro Municipal, canto lírico no Conservatório Brasileiro de Música e curso de teatro no Tablado. De onde vem todo esse amor pela arte? Claudio: Desde pequeno quando tinha que ser um representante da turma no colégio, eu gostava de falar, eu gostava de representar os meus colegas, de botar a cara na frente e falar em nome do grupo. Acho que já era meu jeito desde cedo essa essa coisa de gostar de falar, de colocar a voz, de dialogar e eu já fazia teatro na escola aí eu tinha uma professora de literatura que foi na verdade o meu divisor de água. Ela levava os alunos que tiveram passagem na escola pública onde eu estudei meu primário e o ginásio e ela e ela era uma professora muito dedicada, ela nasceu para ser professora e modificar as vidas de seus alunos. Nos levava para assistir peças de clássicos , para ver uma exposição, para ouvir música música clássica e um belo dia ela me levou para assistir um Balé no Teatro Municipal. Então nisso eu já fazia teatro amador, eu devia ter 14 anos na época, quando entrei no Teatro Municipal pelo menos para conhecer porque é uma das casas mais lindas que a gente tem no Brasil, lembro que foi uma apresentação de Dom Quixote. Definitivamente eu nasci para isso, eu nunca deixei de fazer arte a minha vida inteira então eu não vejo outro caminho. É isso, o amor só foi desenvolvendo outras paixões dentro da arte né então depois que eu conheci balé aí eu fui me aprofundar no teatro, comecei a trabalhar em Teatro Musical também, eu tinha 22 anos então dali eu comecei a perceber o que eu precisaria. Eu já poderia usar aquilo que eu estava fazendo só como bailarino Eu poderia usar também a dança dentro do teatro. E você começa realmente alcançar coisas maiores, dali para frente eu nunca mais parei de fazer Teatro Musical, e são mais de 30 anos ao longo da carreira fazendo até hoje. 

Adilson: Cláudio, é fácil ou é difícil viver da arte num país que é tão pouco gente com aqueles que promovem a cultura : Cláudio : Comparando, claro, com outros países,  o Brasil não dá o devido valor ao seu artista porque o brasileiro tem memória curta, não cultua os seus próprios heróis, há fatores também de ordem social e financeira. Eu tenho duas coisas a dizer em relação a isso: Sim, é muito difícil viver de arte e é indubitável como a minha própria trajetória mostra isso, né. Eu durante uma boa quantidade de anos não consegui sobreviver somente da arte e tive que fazer outras coisas. Então eu trabalhei uma época vendendo coisas, comprando e vendendo coisas. Aí quando eu era bailarino, eu resolvi dentro daquele tentar arrumar uma forma de me capitalizar. eu venho de uma família bastante humilde, sou filho de uma costureira e de um motorista., morei na Tijuca , estudei  em escola pública minha vida quase inteira. Enfim,  eu sempre tive essa esse pensamento de que eu precisaria fazer arte, mas que eu teria que ganhar dinheiro , mas realmente tem muita dificuldade de se ganhar dinheiro, conseguir tempo para estudar e fazer e tentar fazer coisas que não dão dinheiro, mas fazer por experiência para você aprender. Durante um período que eu era bailarino, eu conheci um cara que ele fabricava sapatilha de balé, e eu aprendi a fazer sapatilha e dali eu comecei a vender. Comprei vários pares de sapatilhas da época inglesa arrebentou, comprei japonesa que era muito muito conhecido também, uma russa, comprei vários tipos de sapatilhas que só encontrava no mercado que era importado, as pessoas compravam de fora e eu desmontei essa sapatilha, todas e fui descobrindo os moldes certos e tal. Assim, fui criando uma sapatilha que foi uma mistura de várias sapatilhas que eu encontrava, comecei a fabricar em casa mesmo, eu sozinho depois a coisa foi crescendo um pouco aí eu abri um ponto pequeno. Minha mãe já trabalhava com essa parte também de costura, então a gente entrou de sociedade aí contratei costureira e tal eu aprendi a cortar e tal então eu aprendi a costurar, aprendi a cortar, comecei a fazer tudo e comecei a chamar pessoas que estavam na mesma situação, onde eles trabalhavam comigo e eles receberiam por produtividade.

Adilson: Você também foi professor de teatro, ne? Cláudio: Sim , fui professor, dei aula de teatro desde cedo,  dei aula de de dança, de canto e hoje em dia eu tenho escola de dublagem, então assim a vida inteira eu fiz a arte, mas tive que sobreviver e fazer outras coisas. Eu digo não é fácil você viver de arte por causa disso. Teoricamente o ideal é que você estude para uma profissão e que comece a trabalhar e a ganhar, que você sobreviva daquilo divinamente né então eu acho que eu sou até um ponto fora da curva porque a maioria dos meus colegas por exemplo de faculdade, da minha turma, eu acho que só tem os três assim que continuaram na carreira todos desistiram. Acho que é difícil falar sobre isso é muito difícil viver de arte, mas é muito difícil viver de várias coisas né. O cara que acorda 4 horas da manhã, pega um ônibus e viaja 3 horas trocando de ônibus às vezes, trabalha o dia inteiro, volta para casa pega mais 4 horas de ônibus e volta duro apertado ali quando chega em casa ele só tem disposição para bater a cabeça na travesseiro e dormir para depois voltar a fazer tudo de novo. Chegamos a conclusão que tudo é difícil para todos.

Adilson : Animação de um lado e live action de outro. Alguns filmes misturam ambos, como é o caso de Encantada. Você tem realmente alguma preferência ? Cláudio: Desde criança se fala do Pato Donald. Eu queria saber fazer o Pato Donald, eu imitava vendo e sempre tive facilidade de imitar vozes. Isso aí é uma coisa minha. Você precisa saber imitar vozes para ser dublador, navegar em diferentes timbres e diferentes tipos muito diferentes um do outro , então como eu tenho essa facilidade eu acabei entrando no mercado. Ah cara tem que fazer uma voz que é de um urubu, não sei mais o quê. Ah agora ele é um pato, ele é um ratinho que não sei o quê, então o mercado foi entendendo que eu tinha essa facilidade de fazer vozes diferentes isso não é uma coisa muito comum né. Nem todo dublador tem essa facilidade Às vezes eu vejo isso muito por causa de alunos né. Eu dou aula e eu vejo aqui na minha escola que quando a gente vai ter uma aula de animação, a gente passa por todos os estilos né então quando chega no estilo de animação é maior dificuldade. Então eu acho que isso é uma questão que eu eu soube aproveitar para mim, e mostrar essa minha facilidade para o mercado da dublagem e o mercado ficou entendendo isso então realmente eu acabei fazendo mais animação mas preferência não tem não eu amo fazer bons atores independente do que for porque aí você aproveita muito para você ver as escolhas que aquele ator faz precisa estudar bem ele ali naquele período que você tá vendo ele então para mim não tem uma preferência não eu realmente tenho só mais facilidade.

Adilson: O que você da concorrência entre o streaming e a TV ? Sem dúvida nenhuma ele compete né com a TV aberta, não há dúvida mas a gente tem que lembrar que nós somos mais de 200 milhões. A GloboPlay antigamente era aquele Portal só da Globo né depois ela foi entendendo que ela precisava ter um um streaming. eu não sei os números deles, mas eu acredito que nem todo mundo no Brasil consegue ter acesso a tantas plataformas de streaming, tem a Globoplay.  além de Netflix e todas essas outras, então vai vendo TV aberta mesmo. TV Globo ainda é campeã de audiência.  Então eu acho até que há uma crise autoral no meio, mais do que propriamente do veículo. Fazem 20 anos que eu fiz a novela Cabocla em 2004 e essa novela tava há pouco tempo passando aí no Vale a pena ver de novo. Agora as próprias plataformas de streaming começam a investir muito em novelas turcas e que a gente dubla muito, tem as novelas mexicanas que são grande sucesso, então acho que a novela né vai sempre ter o seu lugar ali para quem gosta de ver e comentar. O canal Viva ta passando  Rock Santeiro de novo e vai ser um sucesso.

Adilson: Voce fez o Tio Fester na adaptacao do teatro de A Familia Adams. O teatro é uma dimensão maravilhosa e infelizmente ainda não tem o reconhecimento que deveria de ter do público em geral. O que poderia ser feito para dinamizar essa relação do público com os palcos?  Cláudio: O teatro também é um ponto fora da curva, mas  o público de teatro vai muito assistir musical e a gente tem até bastante público. Os grandes musicais da Broadway são um espetáculo. Então esse tipo de espetáculo quando a gente estreia, já estreia lotado, como se diz em inglês SOLD OUT, porque as pessoas têm essa coisa Tupiniquim né, o brasileiro é louco para ir ver uma boa música como na Broadway, mesmo que seja só para tirar uma foto e mostrar no Instagram que ele estava lá na frente. Então quando vem o espetáculo igual à Família Adams, eram 1900 lugares e a gente lotou com muitas pessoas assistindo por um ano e meio. Fiz o Rei Leão durante quatro anos também e quase todas elas cheias no teatro .

Adilson: O que você acha da hegemonia dos filmes de super-herói nos cinemas? Você tem um heroi favorito ? Cláudio: Bom, eu confesso que eu não sou profundo entendedor e leitor dos quadrinhos de super-heróis. Esse pessoal assim que é muito estudioso da Marvel né da DC também, é legal que eles sabem todos os detalhes e tal, mas eu gosto bastante de super-herói mas é difícil dizer um favorito. Não sei te responder, eu gosto muito de Superman, gosto do Batman também, gosto do Homem-Aranha também. É difícil né você falar assim mas cadsa um tem seu poder legal, o Homem de Ferro também é incrível Nossa eu não consigo ! Tá ótimo já ficou uma lista boa aí Homem de Ferro, Capitão América.

Adilson: E sobre a questão da inteligência artificial ? O perigo é tão grande assim ? Cláudio: Olha perigo se a gente disser que não existe está mentindo né, mas eu acho que assim como eu passei a minha vida inteira em cima de uma corda bamba vivendo na arte, eu sinceramente acho que as mudanças elas vão acontecer e acho que a gente tá fazendo o que tem que ser feito em relação aos dubladores. Eu acho que a gente tem uma categoria que está se unindo bem, inclusive internacionalmente com associações levando PLs para Brasília para fazer audiências públicas, se aliando a deputados e vereadores para que a gente consiga pensar numa legislação que permita a regulamentação, porque um dos problemas é esse jeito que querem usar as vozes da gente para clonar e usar ao seu bel prazer, como quiserem, em qualquer produto e isso precisa ser entendido como contra a lei. O direito de voz é um direito preciosíssimo. A tecnologia tem que ser usada como ela é, ou seja, uma ferramenta pelo ser humano igual uma chave de fenda, que não cria nada sozinha. Então tá vamos lá as empresas foram se desenvolvendo lá e aí podem fazer tudo, mas se ninguém mais precisa fazer nada então ninguém mais precisa trabalhar portanto ninguém recebe dinheiro nenhum não é questão curiosa ? 

Adilson: Vamos falar um pouco sobre a voz do Pato Donald. Como é dar voz a um personagem tão querido ? Cláudio : Eu posso dizer o Pato Donald é um personagem que eu já imitava desde criança, então são aquelas coisas que a vida nos traz quando você vai imaginar que um dia você será a voz daquele desenho que você viu quando era criança. Eu li as revistas e ouvi os desenhos, eu era louco pela Disney desde aquela época que passava a Disneylândia na TV. Domingo passava especial da Disney e naquele tempo eram poucas possibilidades que a gente tinha porque você não tinha streaming, não tinha nada então as coisas da Disney vinham especificamente naquele momento no domingo de tarde.

Adilson: Você tem um podcast excelente, o Desfoque onde você entrevista atores e dubladores. Há quanto tempo você faz o Desfoque ? Cláudio: A gente tá com 132 mil inscritos depois de 2 anos e meio ininterruptos e a gente nunca deixou de fazer nenhuma semana com programa novo, então eu tenho uma equipe que trabalha comigo aqui no estúdio editando, fazendo cortes, ajeitando tudo. O programa é ao vivo as terças-feiras e ao longo da semana a gente solta 7 a 8 cortes daquele programa que também gira nas nossas redes sociais, Tik Tok,, nosso Instagram, o Apple Deezer e outras plataformas, mas todas elas se você quiser ouvir o nosso podcast é só você entrar em qualquer outra plataforma de áudio tem lá o Desfoque podcast no nosso canal YouTube.

Adilson: Agora tenho o questionário de Bernard Pivot que foi muito usado no programa Inside The Actors Studio. Qual o som que você mais gosta ? Cláudio: Som de uma maneira geral, acho que som o som do mar para mim é maravilhoso. Adilson: E que som você não gosta de ouvir ? Cláudio: Não gosto de ouvir grito nem choro. Adilson: Qual profissão além da sua própria você adoraria ter experimentado? Cláudio: Eu hoje já tenho certeza absoluta que eu não faria, mas eu quando era jovem tive muita vontade de ser jornalista e até acabei fazendo um pouco disso né no Desfoque, que é um programa jornalístico. Amo repórteres amo, amo jornalistas que são âncoras. Adilson: Que profissão você jamais em hipótese alguma teria ? Cláudio: Professor de matemática. Adilson: O que você gostaria de ouvir de Deus no momento que você chegasse ao paraíso ? Cláudio: Continua lá.

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