CICLO FRANK CAPRA |  ADORÁVEL VAGABUNDO

Por Adilson Carvalho

Você se enxerga como um João Ninguém ou como um Abutre? O humanismo  de Robert Riskin e Frank Capra definiu que no mundo temos dois tipos de pessoas: Aqueles que ajudam os outros, que se importam em promover o bem maior e acreditam na irmandade e no amor ao próximo. Então você assim é um João Ninguém. Abutres são aqueles que exploram seu semelhante, tiram vantagem e prejudicam todos em nome de sua ambição. Foi a partir dessa definição que Capra dirigiu Adorável Vagabundo (Meet Joe Doe) em 1941. Foi o primeiro filme que Frank Capra produziu independentemente dos estúdios de Hollywood, com a Warner fazendo a distribuição. Embora o filme parecesse estar pronto para gerar um belo lucro para Frank Capra e Robert Riskin, de acordo com as leis federais da época, eles eram obrigados a pagar impostos sobre a renda antes mesmo de receberem os lucros. Sem as despesas gerais do estúdio e um fluxo constante de filmes para manter o dinheiro entrando, eles tiveram que dissolver a empresa simplesmente para pagar os impostos sobre o filme. Por causa disso, Capra teria de adiar por anos o sonho de produzir seus próprios filmes.

Na história, a jovem repórter Ann Mitchell (Barbara Stanwyck) é demitida depois do jornal Bulletin depois que este é vendido para o empresário D. B. Norton (Edward Arnold) , de postura sensacionalista. Em seu último dia Ann na redação Ann escreve uma carta para o jornal, copiando o estilo de seu falecido pai, um homem de convicções e ideais humanitário. Na carta, o autor creditado por Ann como John Doe (João Ninguém) afirma que se suicidará na noite do Natal em protesto contra a corrupção e a pobreza. O jornal triplica sua tiragem, e Ann garante assim seu emprego de volta desde que encontre uma candidato para que se passe pelo autor das cartas, o que acaba sendo o mendigo e ex jogador de baseball Long John Willougbhy (Gary Cooper), sempre acompanhado de seu amigo O Coronel (Walter Brennan). O que se segue é uma campanha nacional, que transforma John em celebridade e porta voz das minorias. Norton usa o movimento John Doe como trampolim para suas ambições políticas, o que levará John a se rebelar ao custo de sua própria credibilidade a não ser que inesperadamente cumpra o prometido na primeira carta e se jogue do topo do Empire State Building.

Ann Sheridan foi a primeira escolha de Capra para o papel de Ann Mitchell, seguida de Olivia DeHavilland, que recusou e o papel ficou então com Barbara Stanwyck. Frank Capra não queria que ninguém fizesse o papel de John Doe, a não ser Gary Cooper, que aceitou o papel (sem ler um roteiro) por dois motivos: ele havia gostado de trabalhar com Capra em O Galante Mr. Deeds (1936) e queria trabalhar com Barbara Stanwyck. O elenco brilha cada qual em seu papel, mas quem rouba a cena é o personagem de Walter Brennan com sua língua ferina atuando muitas vezes com uma consciência crítica. O filme trata de questões ainda incrivelmente atuais como ética, manipulação política, culto à celebridade e o poder da imprensa, e isso em uma época muito anterior ao advento da internet e das redes sociais.

Frank Capra começou a filmar sem uma ideia clara de como o filme deveria terminar. Ele filmou ou editou cinco finais e pré-visualizou dois. Em um deles, o filme terminava com John sendo desonrado na Convenção de John Doe. O público da pré-estreia achou essa versão muito deprimente. Em outro final, John realmente cometeu suicídio, com o Coronel segurando seu corpo morto nos braços e dizendo: “Long John, seu pobre tolo. Seu pobre otário”. Robert Riskin preferia esse final, mas Capra não estava convencido e temia que o suicídio causasse problemas com a Igreja Católica. Ele também tinha uma versão em que Ann convence John a não cometer suicídio e uma variação em que empresário corrupto se redime diante do idealismo de John. Indeciso, Capra ficou com um quinto final, no qual alguns dos membros originais do John Doe Club aparecem para dizer a Willoughby que nunca deixaram de acreditar nele. Isso também permitiria a Capra lidar com outro problema apontado pelo público da pré-estreia e em cartas de fãs furiosos – a representação dos seguidores de Willoughby como um rebanho inconstante, facilmente influenciado pelos políticos corruptos do filme. Capra filmou o novo final e pediu que as cópias fossem devolvidas aos cinemas para que ele pudesse ser adicionado antes de o filme ser lançado. Um filme fabuloso que muito bem poderia ser refeito adaptado ao mundo de hoje, não menos assustador que o de 84 anos atrás, e quem sabe assim nos fazer resistir aos Abutres e nos descobrir um João Ninguém. Qual deles você quer ser?

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