Por Leandro “Leo” Banner
Às vésperas da estreia do filme de Kraven o Caçador vamos relembrar uma das melhores hqs do personagem.

O roteirista J. M. DeMatteis, por volta de 1984, teve a ideia de uma história que envolvia o conceito de “volta do túmulo”, e então apresentou a proposta de uma minissérie do MAGNUM (Wonder Man) para a Marvel na qual o então integrante dos Vingadores era derrotado por seu irmão Ceifador, acorda num caixão e descobre que esteve enterrado por meses. Tom DeFalco, na época editor executivo da Marvel, rejeitou prontamente a ideia. No entanto, aquele conceito de “volta do túmulo” continuava martelando na mente do roteirista, que tentou apresentá-lo à DC por duas vezes como uma história do BATMAN, também sem sucesso.
No final de 1986, DeMatteis viu sua última oportunidade de apresentar uma história com tal conceito ao ser convidado para ser o roteirista regular do título PETER PARKER, THE SPECTACULAR SPIDER-MAN. A princípio, o escritor havia planejado introduzir um novo vilão na trama, mas depois de ler sobre KRAVEN, O CAÇADOR no Official Handbook Of The Marvel Universe e descobrir sua origem russa, entre outros detalhes, DeMatteis encontrara o vilão adequado para sua trama, ainda mais por ser o roteirista um grande admirador da cultura e literatura russas. E justamente por muitos autores russos retratarem a alma humana de forma tão contundente e profunda, bem como suas crises e vazios existenciais, nenhum outro personagem poderia estrelar a história que se formou na mente de J. M. DeMatteis que não fosse o amargurado SERGEI KRAVINOV… daí nasceu aquela que seria uma das MELHORES histórias do Homem-Aranha de todos os tempos: HOMEM-ARANHA: A ÚTIMA CAÇADA DE KRAVEN. Uma vez estabelecida a trama, a equipe artística escalada foi composta pelo grande MIKE ZECK como desenhista – certamente o ponto alto de sua curta carreira -, BOB McCLEOD como arte-finalista e colorização a cargo de JANET JACKSON, BOB SHAREN e do próprio MIKE ZECK.

Republicada inúmeras vezes em formato encadernado, A ÚLTIMA CAÇADA DE KRAVEN foi publicada originalmente em WEB OF SPIDER-MAN #31-32, THE AMAZING SPIDER-MAN #293-294 e PETER PARKER, THE SPECTACULAR SPIDER-MAN #131-132, em 1989, e traz KRAVEN, O CAÇADOR ciente de que sua existência se aproxima do fim. Esse pensamento faz com que Sergei Kravinov mergulhe em reflexões que o levam a encarar o fato de que a maior frustração de sua longa vida é jamais ter vencido aquele que se mostrou seu maior oponente: o HOMEM-ARANHA. Em suas reflexões, Kravinov enxerga a figura da “Aranha” como aquele grande inimigo ou elemento opositor fundamental da vida de um homem, de um grupo de pessoas ou até mesmo de uma nação… a “Aranha” de seu país (em figuras semelhantes a Stálin, Lenin etc) ocasionou a fuga de seus pais para América enquanto ele era ainda uma criança… na América viu o país também enfrentar sua “Aranha” de várias formas até que, já na idade adulta, ele mesmo se deparou com a sua própria, na pessoa do Espetacular Homem-Aranha, que lhe infligiu inúmeras derrotas ao longo dos anos. Dessa forma, Kravinov começa a se preparar para uma derradeira caçada, um acerto de contas definitivo com o Escalador de Paredes.
Sendo assim, KRAVEN se lança na sua mais ferrenha caçada ao Homem-Aranha num estado alterado de consciência por conta das ervas de que se utiliza para otimizar seus sentidos e habilidades, lançando mão de um poderoso rifle de caça que, aparentemente, leva nosso herói à morte. Kraven enterra o Homem-Aranha e assume seu lugar ao vestir seu traje e agir como o vigilante por várias semanas, atuando de forma brutal e violenta como o verdadeiro aracnídeo jamais agiria. Na mente do Caçador, essa atitude de eliminar seu inimigo e tomar seu lugar e sua vida seria a maior vitória que poderia desejar. Mary Jane, então recentemente casada com Peter Parker, se desespera pelo sumiço do marido e cogita pedir ajuda a Joe Robertson, mas muda de ideia e passa por longas e tortuosas semanas na expectativa de que seu amado possa ter finalmente perecido em algum combate.

Duas semanas se passam e o “retorno” do Aranha à vida é uma excelente e marcante sequência, retratado em poucas páginas mas com muito significado, sobretudo no que se refere ao amor de Peter por Mary Jane, que, no fim das contas, se mostra como um essencial ponto de apoio para nosso herói resistir e desejar voltar a viver.
O reencontro entre Peter e Mary Jane é cercado de ternura, mas é logo interrompido pela necessidade do herói em deter o aparentemente enlouquecido Kraven. O que se segue é uma quebra de paradigma no embate final entre os dois personagens, mas as razões KRAVEN são colocadas para um perplexo e enfurecido Homem-Aranha que, no fim, se depara com a promessa do Caçador de que ele jamais caçaria novamente a partir daquela noite.
A ÚLTIMA CAÇADA DE KRAVEN é uma das melhores histórias do Homem-Aranha de todos os tempos, a despeito do que digam seus eventuais detratores (que na verdade são poucos), porque, além de nos brindar com uma trama intrigante, mergulha como nunca antes na mente de um personagem tido até então como apenas mais um da galeria de vilões do aracnídeo, aproveitando a onda de histórias mais maduras que estavam em alta nos quadrinhos mainstream na época, para conferir muito mais camadas e complexidades a Sergei Kravinov. A única crítica possível a essa grande história, talvez, seja o desfecho com Rattus, vilão irrelevante apresentado nas histórias do Capitão América produzidas na época pela dupla DeMatteis e Zeck, uma vez que sua presença acrescenta muito pouco à trama.
De qualquer forma, é uma história que envelheceu muito bem e ainda permanece como uma excelente opção de leitura e releitura para novos e velhos leitores pelo seu bom texto e sua arte primorosa, estando disponível para venda atualmente pelo selo MARVEL ESSENCIAIS da Editora Panini Comics.