Por Adilson Carvalho

O cineasta brasileiro Walter Salles tem lutado com idiomas durante toda a sua vida. Ele cresceu no Rio de Janeiro e em Paris e estudou na USC, tornando-se fluente em seu português e francês nativos, além do inglês. Quando deu sequência ao filme Central do Brasil (1998), indicado ao Oscar e vencedor do Urso de Ouro, com Diários de Motocicleta (2004), tornou-se fluente em espanhol. “Eu não poderia fazer ‘Diários de Motocicleta’ sem ter um conhecimento profundo de espanhol”, disse Salles no Zoom, ”porque dirigir atores tem muito a ver com precisão, com a capacidade de encontrar aquela palavra que pode desencadear algo novo e inédito. Sempre que você tem que se estender racionalmente, criar uma frase, em vez de usar aquela palavra específica que desencadeia algo, você perde uma oportunidade.” Mas depois de ter dificuldades com sua adaptação em inglês de 2012 de Na Estrada, de Jack Kerouac, um romance amado, ele não fez outro longa-metragem por 12 anos. “Não sou tão preciso em inglês quanto gostaria de ser”, disse Salles. “Depois de passar por essa experiência, percebi que admirar algo não é suficiente para permitir que você adapte esse material específico. Um diretor americano ou franco-canadense estaria mais preparado para fazer o filme do que eu.” Agora, depois de anos desenvolvendo o filme brasileiro que concorreu ao Oscar, Ainda Estou Aqui (Sony PIctures Classics), Salles reúne a estrela de Central do Brasil, Fernanda Montenegro, com sua filha, Fernanda Torres, que lidera o conjunto em uma dramatização de uma história real que o próprio Salles vivenciou em sua adolescência no início dos anos 70. O filme está ganhando força na corrida pelo Oscar; Torres recebeu uma indicação ao Globo de Ouro esta semana. Quando Salles retornou ao Brasil em 1969, o país estava sob uma ditadura militar. Durante esse período, Salles passou a conviver com a família de Eunice e Rubens Paiva e ficou amigo da filha deles, Nalu, a do meio de cinco filhos. “Na casa da família Paiva, as portas estavam sempre abertas, as janelas abertas, o que era o ângulo inverso do que representa a ditadura militar”, disse Salles. “Aquela casa era extraordinariamente polifônica. A política estava em toda parte. As discussões estavam em toda parte, nos diferentes grupos que se misturavam naquela casa. Sempre havia gente nova, diversos grupos estavam lá. A música brasileira estava tocando o tempo todo. Então, o que encontrei naquela casa me permitiu entender mais sobre meu país, assim como o cinema, de uma maneira diferente, me informou sobre o mundo. E então, um dia, ocorreu a tragédia, a tragédia que o filme compartilha, e isso estipulou o antes e o depois na vida de todos que estiveram naquela casa.” O livro de Marcelo Rubens Paiva, Ainda Estou Aqui, de 2015, levou Salles a transformar a história de longa data em um filme. Adaptado do livro por Murilo Hauser e Heitor Lorega, o filme é estrelado por Torres e Montenegro como a jovem e a idosa Eunice Paiva, a mãe ativista do político dissidente Rubens Paiva, que é levado pela polícia em 1971. Ele nunca mais voltou.