MEMÓRIAS DE CINÉFILO | PAULO PERDIGÃO

Por Adilson Carvalho

Um dos maiores especialistas em cinema, jornalista e crítico de cinema nos deixou há quase 18 anos. Hoje esquecido pelo público, que cada vez mais se afasta da mídia física, mas ainda lembrado por muitos, como eu, que acompanhavam suas detalhadas sinopses e textos informativos publicados nas páginas do Globo, um legado para qualquer um gosta de escrever e ler sobre cinema. Falo de Paulo Perdigão. Eu tive contato com seus textos pela primeira vez quando desfolheava uma edição de domingo do jornal “O Globo” e encontrei a “Revista da TV”. E foi em um domingo como tantos esses que toda uma geração na qual me incluo tinhamos contato com tantas informações de cinema desse verdadeiro imdbman. Aos 10 anos eu já era um cinéfilo, tendo sido criado com a Tv como babá eletrônica, assistindo a filmes e séries. Nesse suplemento dominical fiquei impressionado com a quantidade de informação reunida nas seções “Filmes de Hoje” e “Filmes da Semana” que desde 9 de setembro de 1979 começou a ser publicado. É necessário ressaltar na época não existia a internet, computadores pessoais ou celulares que trouxessem a informação ao alcance de nossas mãos. Eram jornalistas como Paulo Perdigão que nos contavam os detalhes das produções exibidas pela telinha, dos atores, diretores e bastidores dos filmes. Paulo era assim o “imdb man” e durante mais de 10 anos cumpriu esse papel com louvor destacando os melhores entre os cerca de 30 filmes que eram programados pelos canais da época. Engraçado quando comparamos com a quantidade de filmes hoje disponibilizados na Tv por assinatura e nos serviços de streaming, mas a Tv analógica era então o único difusor do cinema em casa.

Os livros escritos pelo autor e crítico

Paulo Perdigão nasceu em 1939 e se apaixonou cedo pelo futebol, tendo ficado marcado em sua memória a derrota sofrida pelo Brasil para o Uruguai em 1950 na Copa sediada em solo nacional. Paulo tinha 11 anos e foi ao Maracanã com os pais assistir aquele jogo fatídico sobre o qual muitos anos depois ele escreveria no livro “Anatomia de uma Derrota”, originalmente publicado em 1986. Além de minuciosa análise, ele inclui no final um conto em que um menino viaja ao passado e tenta avisar o goleiro brasileiro Barbosa de que o atacante uruguaio Gigghia chutaria no canto esquerdo marcando o gol que seria fatal para aquele dia 16 de junho de 1950. Paulo também era um filósofo e admirava Jean-Paul Sartre tendo escrito o livroExistência & Liberdade: Uma Introdução à Filosofia de Sartre”, publicado pela primeira vez em 1995. Também foi o responsável pela tradução da obra “O Ser & O Nada” de Sartre e foi autor do livro “No Ar: PRK-30” sobre um programa humorístico radiofônico transmitido pela Rádio Mayrink Veiga durante a década de 40 e, mais tarde na Rádio Nacional. Paulo, o crítico de cinema, se dedicou a essa profissão em várias publicações de renome como “Correio da Manhã”, “Manchete”, “Veja”, “Jornal do Brasil” e “O Globo” assinando as resenhas de filmes diárias publicadas principalmente no “Caderno de TV”, este rebatizado pouco tempo depois de “Revista da TV”, e que foi durante muitos anos o guia mais completo das exibições de filmes na TV. Além disso, Perdigão foi o programador de filmes da Globo durante vários anos, selecionando os inéditos e as reprises que passavam nos horários de “Sessão da Tarde”, “Primeira Exibição”, “Sessão de Gala” e “Coruja Colorida”, tendo esta última sido o embrião para a chegada do “Corujão” que a partir da segunda metade dos anos 80 ocuparia toda a madrugada dos fins de semana. Nessa época, surgiria também a badalada “Tela Quente” nas noites de segunda trazendo os blockbusters mais recentes, já que a janela entre os lançamentos do cinema e a exibição televisiva diminuiria consideravelmente a partir de então. Perdigão versava sobre cada filme comentado, destacando o que era inédito no espaço chamado “Agenda” no qual mencionava os títulos exibidos em todos os canais durante a semana, bem como os horários de exibição, e ainda marcava aqueles que recomendava no caso dos clássicos ou filmes de arte que chegavam à grade dos canais.

Cena de “Shane – Os Brutos Também Amam”

Com o passar do tempo Paulo aprofundava a divulgação de informações relativa aos filmes exibidos. A partir de 1986, o crítico passaria a informar também na agenda o nome original dos filmes, e na década de 90, quando o videocassete passou a fazer parte da vida das pessoas, passou a informar também o tempo para gravação. Sucessos do cinema nacional também passavam por ele, que escrevia sobre os selecionados para o “Festival Nacional”, sessão de filmes brasileiros que a Globo exibia, e que muitas vezes exibia títulos que eram pesadamente avaliados pela censura federal fosse pela temática ou pelas cenas exibidas como “Dona Flor & Seus Dois Maridos”, “Pra Frente Brasil”, “Os Sete Gatinhos”, “A Dama da Lotação” entre outros. Já o “Festival Primavera” trazia filmes premiados por uma semana no horário nobre, logo após a novela das oito, mostrando sucessos como “E O Vento Levou”, “Ben Hur”, “Tubarão”, “Golpe de Mestre” etc. Fica difícil para a geração atual entender como era diferente a relação entre o telespectador e os filmes na TV, e justamente por todas as limitações ao acesso à informação que o trabalho escrito por Paulo Perdigão tinha uma importância essencial para a formação da geração que precedeu o assim chamado mercado de home vídeo, ou a atual geração Netflix.

Claro que Paulo tinha seus favoritos, adorava John Ford e Hithcock mas seu filme de cabeceira era “Os Brutos Também Amam” (Shane) de George Stevens. O filme era um faroeste sobre um pistoleiro arrependido que ajuda uma casal de fazendeiros ameaçado por um latifundiário que quer suas terras. Paulo dizia ter assistido ao filme 82 vezes, desde 1957, e sua adoração por este filme era tão grande que chegou a visitar o set de filmagem, trazendo para casa pedras e poeira de lá. Também chegou a conhecer o diretor George Stevens, a quem entrevistou e conseguiu uma cópia do filme na qual se inseriu dentro da história na cena do duelo final entre Alan Ladd e Jack Palance. Para o antigo INC (Instituto Nacional de Cinema), ele organizou o “Guia de Filmes”, publicação da qual foi o editor e também ajudou a organizar festivais de cinema, sempre divulgando o melhor da sétima arte. A transmissão e exibição de filmes no Brasil deve muito ao trabalho meticuloso de Paulo Perdigão, uma referência para todo o meio e de extrema importância em uma época em que o acesso a informação especializada era difícil. Em 31 de dezembro de 2006, sua morte encerrou um capítulo no jornalismo cinematográfico, abrindo um vazio jamais preenchido novamente ainda que hoje tenhamos maior facilidade de acesso e uma infinidade de filmes exibidos em plena era do streaming. Filmes de Hoje, filmes da semana, filmes de ontem que conhecemos graças ao empenho desse profissional que se tornou referência, mesmo que nem mesmo a Globo, empresa para a qual trabalhou, lhe dê o reconhecimento devido, mas merecido, e jamais esquecido.

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