HQ TERRITORIO NEUTRO | TIN TIN

Por Adilson Carvalho

Ninguém duvida do fascínio da cultura pop pelas histórias em quadrinhos, mas em meio a mutantes, morcegos e deuses nórdicos, a “nona arte” sempre teve uma dimensão ocupada por outros personagens desprovidos de poderes extraordinários, mas ricos no poder de encantar e divertir gerações. Assim é o repórter Tin Tin, criação do belga Hergé, pseudônimo de Georges Prosper Remi. O personagem teve sua primeira hq incluída no domínio público em 1º de janeiro. Em suas aventuras, Tintim viaja para várias partes do mundo e se envolve em caças a tesouro, conspirações e mistérios, conhecendo novos processos e novas culturas. Apesar de bem intencionado, comete erros, mas sempre se sai bem. Tin Tin foi publicado pela primeira vez em 10 de janeiro de 1929, em preto e branco, no suplemento infantil Le Petit Vingtiéme, do jornal católico Le Vingtiéme Siécle. A história Tintin au pays des Soviets (Tintim no País dos Sovietes) mostrava o bravo repórter – sempre acompanhado de seu fiel cão Milú, um fox terrier branco – enviado à Rússia para fazer uma reportagem sobre a vida em um país comunista e enfrentando uma série de dificuldades por conta da polícia soviética, que não desejava ver seu país exposto para o mundo ocidental.

Segundo o documentário Tin Tin e eu (Tintin et moi), de 2003, o diretor do jornal para o qual Hergé trabalhava o estimulou a criar a história por ser ferrenho crítico do regime comunista. Essa visão da Rússia como império do mal está presente em várias passagens de Tintim no País dos Soviets,como por exemplo, ao mostrar oficiais soviéticos coagindo a população de um vilarejo a votar no partido comunista, e crianças sendo maltratadas. Hergé nunca visitou a Rússia e para escrever pesquisou no livro Moscou sans voiles, de Joseph Douillet, cônsul belga que trabalhou na Rússia. No ano seguinte, a aventura foi publicada como álbum, sendo somente reeditada em 1973 devido ao desagrado de Hergé com seu espírito deliberadamente anti-comunista. Para os álbuns seguintes, Hergé continuou publicando as aventuras de Tin Tin em suplementos de jornais, reunindo-as depois no formato de álbum a cores. Em 1942, o editor Casterman decidiu que os livros álbuns deveriam ser coloridos e terem sempre 62 páginas (Hergé então colorizou, digamos assim, oito das aventuras existentes nesse formato).

OS COADJUVANTES. Hergé também desenvolveu um elenco de coadjuvantes para atuar ao lado de Tin Tin em suas aventuras: desses citados, apenas os dois primeiros aparecem neste filme de Spielberg.

Capitão Haddock: marujo rabugento, mas de grande caráter que se torna grande amigo de Tintim. Aparece pela primeira vez em Le crabe aux pinces d’or (O Caranguejo das Pinças de Ouro), nono álbum de Tintim publicado em 1941;

Dupont & Dupond: dois detetives atrapalhados e que parecem gêmeos. Na verdade não são nem sequer irmãos e só podem ser diferenciados pela forma do bigode.

Professor Girassol: um cientista meio surdo e que por conta disso causa alguma confusão para Tintim. Surgiu pela primeira vez em Le trésor de Rackham le Rouge (O Tesouro de Rackham, o Terrível) de 1944.

Bianca Castafiori: cantora de ópera e outra personagem a causar confusão nas aventuras de Tin Tin, já que gosta de cantar em momentos nada oportunos irritando sempre o Capitão Haddock, mas balançando o coração do apaixonado Professor Girassol. Surgiu pela primeira vez em Le sceptre d’Ottokar (O Cetro de Ottokar), de 1939.

MAIS POLÊMICAS. A polêmica voltou a cercar a obra de Hergé em 1931 no segundo álbum Tintin au Congo (Tin Tin no Congo). Na ocasião, o Congo era colônia da Bélgica e Hergé nunca havia estado lá. Assim como ocorrera com a primeira aventura de Tin Tin, Hergé não teve a felicidade de se basear em fontes de pesquisa confiáveis e o resultado foi mais uma vez uma visão estereotipada e preconceituosa. O autor foi criticado pela forma como retratou os negros africanos e Hergé redesenhou várias passagens quando a republicou em 1946. Tais incidentes não apagaram o valor de Tin Tin, suas histórias mesclando elementos de fantasia e mistério (Tintim se envolve em caça de tesouros em O Segredo do Licorne que é Unicórnio, em francês, e daí o título do filme), ficção científica (Tin Tin viaja a lua em Explorando a Lua, este publicado em 1954, mais de dez anos antes da bem-sucedida missão da Apollo 11) funcionam como retratos político-culturais de uma época. 8Seus desenhos, apesar de simples nas feições dos personagens, possuem riqueza nos detalhes dos cenários e cores que as fazem parecer cenas de filmes, com a ação se desenrolando de tal forma que parecem ter vida, o que encantou diversas pessoas como os próprios Steven Spielberg e Peter Jackson, co-produtores deste longa. Os próprios Spielberg e Jackson comparam as páginas de Tin Tin a storyboards dada a forma da narrativa de Hergé. Para o filme eles buscaram o material nos álbuns O Segredo do Licorne e O Tesouro de Rackham, o Terrível respectivamente os 11º e 12º álbuns.

Durante o conturbado período da Segunda Guerra em que a Bélgica foi ocupada por tropas nazistas, Hergé teve que adiar a publicação de Tintin au pays de l’or noir (Tin Tin no País do Ouro Negro), que só veio à luz do dia em 1950. É nesse período, contudo, que Hergé lança A Estrela Misteriosa, O Segredo do Licorne e O Tesouro de Rackham publicadas no jornal Le Soir, que era controlado pelos nazistas, o que o fez ser acusado de ser colaborador dos nazistas. Ao todo foram produzidos 23 albúns de Tin Tin até 3 de março de 1983, quando Hergé faleceu enquanto esboçava Tintin et l’Alph’Art que seria o 24º álbum.

AS ADAPTAÇÕES. A primeira adaptação de Tin Tin foi uma animação em stop-motion lançada em 1947 com produção de Wilfried Bouchery e tendo como fonte o álbum O Caranguejo das Pinças de Ouro (1941). A produção, no entanto, passou por problemas financeiros e embora tenha sido finalizada, levou seu produtor a falência e a versão original em francês ficou perdida durante muitos anos até ser encontrada e levada ao Cinèmathéque Royale da Bélgica. Dez anos depois, a TV francesa produziu Les Aventures de Tintim, seriado para a TV que durou oito episódios. Somente em 1961, Tintim ganhou sua primeira versão live-action entitulada Tintin et le mystère de la Toison d’Or, dirigida por Jean Jacques Viernes tendo Jean Pierre Talbot, de 18 anos, no papel de Tin Tin, Georges Wilson como Capitão Haddock e Georges Loriot como Professor Girassol.

Em 1964, Talbot repete o papel em Tintin et les oranges bleues, com direção de Philippe Condroyer, trazendo Jean Bouise como Capitão Haddock, Felix Fernández como Professor Girassol, além de Franky François e André Marié como os desastrados Dupont e Dupond. Houveram ainda mais duas animações dignas de nota na França: Le Temple du soleil, de 1969, e Tintim ET Le lac aux requins, de 1972, antes da bem-sucedida série animada franco-canadense The Adventures of Tintim, realizada entre 1991 e 1992, que chegou a ser exibida no Brasil pelo Cartoon Network e Canal Futura. Essa animação de qualidade respeitou não apenas o traço de Hergé como seguiu os álbuns do personagem dividindo a maioria das histórias em partes I e II de forma a explorar melhor os roteiros e desenhos, que apesar de simples nas feições dos personagens, possuem riqueza nos detalhes dos cenários e cores que as fazem parecer cenas de filmes,  com a ação se desenrolando de tal forma que parecem ter vida, o que encantou diversas pessoas como os próprios Steven Spielberg e Peter Jackson, realizadores de As Aventuras de Tintim. Os próprios Spielberg e Jackson comparam as páginas de Tintim a storyboards dada a forma da narrativa de Hergé. Para o filme eles buscaram o material nos álbuns O Segredo do Licorne e O Tesouro de Rackham, o Terrível, respectivamente os 11º e 12º álbuns.

Trivia

– Assim como Hithcock em seus filmes, Hergé em forma de desenho animado pode ser visto na animação produzida pela Nelvana entre 1991 e 1993.  Na terceira temporada, por exemplo, no episódio Perdidos no mar,a figura de Hergé aparece cruzando o saguão do Hotel Excelsior enquanto Tintim e o Capitão Haddock são atendidos na recepção. Em outros episódios há novas aparições de Hergé a la Hithcock.

– Jean Pierre Talbot, que interpretou Tin Tin no cinema em 1961 e 1964, não seguiu carreira artística, para se tornar professor. Hoje já está aposentado.

– Apesar da semelhança física, os hilários detetives Dupont e Dupond não são gêmeos como muitos pensam. Assim afirma o site oficial de Tin Tin mantido pela Fundação Hergé, que foi criado pela esposa do desenhista após sua morte.

– Tin Tin já obteve o reconhecimento internacional (teve seu rosto estampado em selos, foi retratado pelo famoso artista Andy Warhol, foi eternizado em forma de estátua de bronze) já foi premiado várias vezes (Adamson Awards, Suécia em 1971, Harvey Award Hall of Fame em 2003 entre outros), sendo Hergé (de acordo com a UNESCO)  o nono autor mais traduzido em língua francesa. Nunca fez sucesso nos EUA e por isso Spielberg usou a estratégia de estrear o filme antes na Europa e so no fim do ano nos Estados Unidos, onde tem tido conforme o esperado uma bilheteria fraca.

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