HQ TERRITORIO NEUTRO | CAMELOT 3000

Adilson Carvalho

Há milênios, as lendas Arturianas fascinam a imaginação alheia. Grandes autores compilaram fatos e lendas de tempos imemoriais como Sir Thomas Mallory, Bernard Cromwell, Marion Zimmer Bradley, e outros que nos legaram com histórias dos Cavaleiros da Távola Redonda, do reino mítico de Camelot, da espada Excalibur, do demanda do Santo Graal, da magia de Morgana e Merlin, personagens que formam uma mitologia riquíssima mergulhada nos mares da eternidade. Entre dezembro de 1982 e abril de 1985, o escritor Mike W. Barr e o desenhista Brian Bolland criaram uma fabulosa minissérie em 12 partes reimaginando o mito arturiano renascendo em um futuro distópico onde os governos mundiais são ineptos e corruptos e o planeta Terra é invadido por alienígenas que visam a completa destruição da humanidade. Nessa realidade, desprovido de esperança, o jovem Tom Prentice descobre a tumba do Rei Arthur, que volta à vida diante de seus olhos cumprindo a antiga profecia de que o lendário monarca voltaria quando os bretões mais precisassem.

Depois de despertarem Merlin de seu sono milenar em Stonehenge, os cavaleiros da távola redonda são convocados, todos reencarnados em novos corpos e sem memória de quem haviam sido. Lancelot é um industrial francês, Gawain é um policial e pai de família sul africano, Galahad é um samurai japonês, Kay é um ladrão fugitivo, Percival é um escravo transformado em um monstro, Guinevere é a comandante das forças de defesa da Terra e Tristão é uma mulher prestes a se casar. A história estava muito à frente de sua época e foi censurada quando publicada no Brasil pela primeira vez nos títulos Batman (1ª série) e Superamigos, da editora Brasil. Como Camelot 3000 foi publicada pelo sistema de Mercado Direto, ou seja, as edições eram impressas diretamente para os consumidores. Diferentemente da distribuição em livrarias e bancas de jornal, que operam em um modelo de venda ou devolução, a distribuição no sistema de Mercado Direto proíbe que distribuidores e varejistas devolvam suas mercadorias não vendidas para reembolso. O estoque excedente de cada mês, por sua vez, poderia ser arquivado e vendido posteriormente, impulsionando o desenvolvimento de um mercado organizado para “edições anteriores”. Com isso, a DC comics conseguia driblar os censores e ter mais liberdade criativa como nas sequências de sexo entre Lancelot e Guinevere ou na homossexualidade de Tristão em seu relacionamento com Isolda. A série também fez uma breve experiência com a reprodução da arte diretamente dos lápis (ou seja, sem tinta). No entanto, as técnicas de impressão da época ainda eram relativamente primitivas, e Bolland descobriu que criar arte a lápis que pudesse ser reproduzida pelas impressoras era mais trabalhoso do que pintá-la de fato. Por isso, apenas duas páginas (especificamente, as duas primeiras páginas da edição nº 2) foram produzidas dessa maneira.

Outro atrativo da obra foi a diversidade, fugindo dos estereótipos corriqueiros e apresentando os cavaleiros reencarnados em diversas etnias, nacionalidades, e até mesmo na questão do lesbianismo. A narrativa não foge de temas polêmicos como o adultério da rainha Guinevere e o incesto representado pelo secretário da ONU Jordan Mathews que é revelado como a reencarnação de Mordred, o filho de Morgana Le Fey com seu meio irmão Arthur. A publicação de Camelot 3000 foi irregular sendo inicialmente mensalmente, mas passando por hiatos constantes até sua conclusão. No Brasil o material foi lido de agosto de 1984 a outubro de 1985, depois republicado em edições especiais e encadernações pela própria editora Abril, pela editora Mythos e pela Panini. Um trabalho primoroso que em tempos de adaptações live action para o cinema e streaming, bem que mereceria ter um filme ou série com atores interpretando os personagens em um contexto de ficção científica como o adotado por Barr e Bolland, mostrando que Arthur é o monarca do passado e do futuro.

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